Portas abertas

Não deixarei de receber advogados, diz Lewandowski

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9 de fevereiro de 2009, 20h49

“O Supremo não está criando obstáculos para receber os advogados. Está fazendo valer o princípio processual da paridade de armas. Eu garanto que não mudarei os procedimentos que sempre adotei para atender advogados.” A afirmação é do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal.

O ministro recebeu a revista Consultor Jurídico nesta segunda-feira (9/2) para comentar a proposta de mudança do Regimento Interno da corte, que estabelece que “nenhum ministro é obrigado a receber parte ou advogado, senão na presença do advogado da parte contrária, ou, quando seja o caso, do representante do Ministério Público”.

Para ser aprovada, a mudança, que inclui o artigo 20-A no Regimento Interno do Supremo, precisa ter seis votos favoráveis. Já tem votos suficientes. Até agora, subscreveram a proposta, apresentada por Cezar Peluso, os ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Carlos Britto.

O ministro Lewandowski defendeu a mudança e lembrou que o Supremo não está criando uma regra sem precedentes. Ele citou o exemplo da Suprema Corte dos Estados Unidos e da Câmara de Lordes da Inglaterra, onde a regra é a parte adversária sempre ser ouvida.

No caso do Supremo, diz o ministro, essa nem deverá ser a regra. “Os ministros apenas terão a discricionariedade, garantida pelo regimento, de chamar à audiência a parte contrária”, disse. Lewandowski lembra que é um dos deveres do juiz suprir as deficiências da parte em desvantagem e garante que esse é o principal motivo da proposta.

O ministro também disse que não deixará de receber os advogados no caso de a parte contrária faltar à audiência. “O importante é dar à parte menos favorecida a faculdade de se manifestar. Se ele não exercer esse direito, o advogado que pediu a audiência e compareceu ao tribunal será atendido, ao menos nos meus casos”, garantiu.

De acordo com Lewandowski, não haverá também qualquer dificuldade de os criminalistas serem recebidos junto com os membros do Ministério Público. “Naqueles casos em que eu achar que há necessidade da presença do MP, posso receber o advogado no intervalo das sessões e já convidar o procurador para acompanhar a conversa. Se ele achar desnecessário, conversarei normalmente com o advogado, como é de meu costume.”

Lewandowski afirmou ainda que a regra democratiza o acesso ao Judiciário e obedece aos princípios constitucionais da isonomia, do contraditório e da ampla defesa.

Reação da advocacia

Os advogados não receberam bem a notícia de que o Supremo pretende incluir a emenda ao Regimento interno. A avaliação geral é a de que a medida deve dificultar as audiências. O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, disse que “depois de o Supremo Tribunal Federal decidir que os advogados podem ter acesso aos autos, será uma contradição se resolver agora que eles não podem ter acesso aos juízes”.

Para o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, lembrou que advoga junto ao Supremo desde 1981 e que costumava entregar memoriais aos ministros e despachar sem que fosse preciso sequer marcar audiência. “Os tempos são outros, o número de processos tornou a carga de trabalho dos ministros desumana, mas por isso mesmo a audiência com o advogado ganhou maior importância”, defende. “Não vejo motivos para colocar dificuldades nesse contato que deve ser o mais urbano possível.”

Para o secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil, Alberto Zacharias Toron, a regra pode favorecer quem aposta na falta de informações para conseguir vitórias no STF. "Se uma parte não quiser que a situação seja esclarecida, basta não comparecer à reunião com o ministro, para que a outra parte também não seja recebida”, disse ele.

Segundo Toron, mesmo que as questões estejam escritas nas petições, há casos que precisam ser debatido oralmente. “Ninguém vai ao gabinete para inovar, mas apenas para esclarecer pontos complexos. E ninguém faz isso por prazer, mas por necessidade”, diz.

A prática dos advogados de visitar os julgadores em seus gabinetes para esclarecer dúvidas sobre os processos é comum. “No Supremo, todos os ministros me recebem normalmente, com exceção do ministro Joaquim Barbosa”, conta Toron. A atitude de Barbosa já é famosa — e bastante questionada — entre os advogados. Para Toron, os ministros podem querer racionalizar o tempo, mas a atitude deveria ser outra. “Não estão impedindo a visita, mas dificultando-a”, explica.

Na opinião do presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, a proposta “fere de morte o Estatuto da Advocacia” por criar dificuldade de acesso aos ministros. “É uma atitude de desrespeito à advocacia, e lamentável”, disse ele. O que surpreende, segundo o presidente da seccional, é o fato de essa atitude vir justo do STF, onde muitos dos ministros são considerados acessíveis.

Mas há quem apóie a medida e concorde com o ministro Lewandowski. A advogada constitucionalista Damares Medina disse crer que “a preocupação maior do STF com essa iniciativa não é obstaculizar o acesso do advogado, mas, sim, garantir a igualdade das partes e o equilíbrio processual recebendo igualmente todas as partes do processo”.

Damares recorre ao Direito Comparado e cita o exemplo da Suprema Corte dos Estados Unidos para afirmar que a ideia dos ministros não é absurda. “Na Suprema Corte dos EUA, o advogado de uma das partes jamais tem acesso ao ministro sem a presença do advogado da parte oposta. O princípio da igualdade de armas, da igualdade entre as partes orienta esse rigoroso critério”, diz.

Choque de classes

A regra do Estatuto da Advocacia que determina que o advogado tem direito de ser recebido pelo juiz é um ponto de atrito constante entre advogados e a magistratura. Há pouco mais de dois anos, o advogado Maurício Corrêa, ex-presidente do Supremo, foi acusado pelo ministro Joaquim Barbosa, em plenário, de fazer tráfico de influência. Motivo: ele pediu preferência em um processo e não estava no julgamento para fazer a sustentação oral.

Corrêa, contudo, era advogado no processo e tinha procuração nos autos. Antes do fim da sessão, o próprio Maurício Corrêa foi ao plenário da corte exibindo a procuração de um dos 32 envolvidos na ação.

Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça abriu procedimento administrativo para apurar a conduta do desembargador Francisco Mota Ferraz de Arruda, do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Em artigo, o desembargador escreveu: “Devoto profundo respeito pela nobre e valorosa classe dos advogados, mesmo porque fui advogado, mas não os recebo em meu gabinete para tratar de processos que me estão conclusos”. Por oito votos a um, o CNJ decidiu que o desembargador tinha de dar satisfação à Corregedoria Nacional de Justiça sobre o que escreveu.

A imposição de regras para receber advogados já foi motivo de polêmica também no Superior Tribunal de Justiça. Em 2007, a ministra Nancy Andrighi editou resolução que disciplinava o procedimento a ser cumprido pelos advogados que queriam uma audiência para tratar de processos.

 

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