Burocracia da conversa

Advogados são contra regra para serem recebidos

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9 de fevereiro de 2009, 14h11

Depois de o Supremo Tribunal Federal decidir que os advogados podem ter acesso aos autos, será uma contradição se resolver agora que eles não podem ter acesso aos juízes. Essa é a opinião do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, diante da notícia de que o STF estuda criar uma regra que pode dificultar as audiências de advogados com os ministros.

A revista Consultor Jurídico noticiou neste domingo (8/2) que sete dos 11 ministros do Supremo já subscreveram uma proposta de emenda ao Regimento Interno da Casa com o seguinte teor: “Nenhum ministro é obrigado a receber parte ou advogado, senão na presença do advogado da parte contrária, ou, quando seja o caso, do representante do Ministério Público”.

O presidente da OAB disse à ConJur que não acredita que a regra será efetivamente aprovada. “Tenho certeza que essa alteração não será efetuada,  até porque o STF, quando julgou a ADI contra o Estatuto da Advocacia, reconheceu expressamente que os advogados têm direito de conversar com os magistrados. Na verdade, é o mesmo que dizer que o Estado não pode fechar as portas para a defesa”.

Para o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, a regra pode dificultar muito o trabalho de advogados, sobretudo dos que militam na área criminal. “O problema não é nem estar com a parte contrária presente na audiência. Mas quando é que eu terei à disposição o procurador-geral da República para que eu possa despachar um memorial?”, questiona.

Kakay lembrou que advoga junto ao Supremo desde 1981 e que costumava entregar memoriais aos ministros e despachar sem que fosse preciso sequer marcar audiência. “Os tempos são outros, o número de processos tornou a carga de trabalho dos ministros desumana, mas por isso mesmo a audiência com o advogado ganhou maior importância”, defende. “Não vejo motivos para colocar dificuldades nesse contato que deve ser o mais urbano possível.” Kakay ressalta que a audiência entre dois advogados de estados diferentes, então, pode ficar inviável.

A opinião de advogados que costumam despachar no Supremo, contudo, não é unânime. Há quem veja a regra com bons olhos. É o caso da advogada constitucionalista Damares Medina. “Creio que a preocupação maior do STF com essa iniciativa não é obstaculizar o acesso do advogado, mas, sim, garantir a igualdade das partes e o equilíbrio processual recebendo igualmente todas as partes do processo”, diz ela.

De acordo com a advogada, “o acesso da parte, por intermédio de seu representante, ao juiz é uma questão de extrema importância. Contudo, a questão central a ser debatida é o equilíbrio que deve permear todo o processo, desde os atos formais de resposta ou intimação, até a entrega de memoriais e as audiências com o magistrado”.

Damares recorre ao Direito Comparado e cita o exemplo da Suprema Corte dos Estados Unidos para afirmar que a ideia dos ministros não é absurda. “Na Suprema Corte dos EUA, o advogado de uma das partes jamais tem acesso ao ministro sem a presença do advogado da parte oposta. O princípio da igualdade de armas, da igualdade entre as partes orienta esse rigoroso critério”, diz.

De fato, são conhecidos alguns casos de advogados americanos que vieram acompanhar advogados brasileiros em audiências com ministros do STF e se espantaram com o fato de a parte contrária não estar presente. Esse argumento é usado por alguns ministros que defendem a proposta.

Mas a maior parte das opiniões ainda é no sentido de que, se aprovada, a regra dificultará as audiências. Para o advogado Marcelo Turbay, “será praticamente decretado o fim dos despachos com ministros”. Sócio do escritório Donati Barbosa, Campos Costa e Turbay Freiria, que atua na área criminal, Turbay considera que será “extremamente difícil operacionalizar a prática”. O advogado cita o exemplo do Habeas Corpus, no qual o Ministério Público sempre se manifesta antes do julgamento de mérito, para mostrar que já há paridade de armas na disputa.

A advogada Fernanda Mendonça dos Santos Figueiredo considera que se alguns ministros levarem a regra à risca, a parte a quem não interessa a audiência poderá criar obstáculos. “Se a audiência não interessa para meu adversário, ele pode acabar com a minha possibilidade de fazer esclarecimentos ao ministro”, afirma.

Segundo a advogada, a regra ainda pode dificultar uma estratégia processual e premiar quem fica inerte na defesa do cliente. “Como a parte adversária será avisada da audiência, pode começar a se mexer apenas porque foi provocado pela outra parte.”

Como os ministros recebem advogados

Apenas quatro ministros do Supremo Tribunal Federal recebem bem os advogados. É o que os próprios profissionais disseram quando consultados pela revista Consultor Jurídico para a produção do Anuário da Justiça 2009, que será lançado em março. No levantamento, advogados que responderam alguns quesitos sobre os ministros não pouparam elogios para Carlos Britto, Celso de Mello, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski.

O ministro Joaquim Barbosa é o único que recebe mal advogados, de acordo com o levantamento. Cármen Lúcia, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Eros Grau, Gilmar Mendes e Menezes Direito ganharam avaliação regular.

Para os advogados, Celso de Mello e Marco Aurélio são os ministros que melhor conseguem reservar um horário para ouvi-los sobre os processos. Ouvem com atenção tanto no gabinete quanto nos intervalos das sessões, no Salão Branco do Supremo.

Carlos Britto também é considerado acessível. Pode até discordar, com elegância, mas se mostra interessado nos assuntos levados pela advocacia. Com Ricardo Lewandowski, não é difícil marcar um horário. Mesmo quando tem pouco espaço na agenda, arruma tempo para recebê-los — ainda que de forma rápida entre as sessões do Supremo e as do Tribunal Superior Eleitoral, onde atua como ministro substituto.

Os advogados consideram que é difícil marcar um horário com Eros Grau. Geralmente, conseguem marcar uma data distante e ficam com receio de que o recurso seja julgado nesse intervalo. Eles também reclamam da agenda apertada do ministro Peluso, Ellen Gracie e Menezes Direito. Segundo os advogados, Peluso interage pouco, mas se mostra atento e não os apressa. Ellen Gracie, quando os recebe, é atenciosa e formal. Menezes Direito é cordial, nas audiências, que precisam ser marcadas com bastante antecedência.

Sobre a ministra Cármen Lúcia, os advogados reclamam de ter de solicitar as audiências por e-mail e consideram que é grande a demora para conseguir um espaço na agenda. Alguns disseram que não conseguiram marcar uma audiência, mas quando ela os recebe costuma ser simpática e franca. A reclamação em relação ao presidente do STF, Gilmar Mendes, é a falta de tempo pelo próprio posto que ocupa. Mas quando os recebe demonstra conhecimento do tema e adota uma postura de distância.

Para o ministro Joaquim Barbosa, não sobra nenhum elogio. Ele é considerado um ministro que praticamente não recebe advogados. Quando recebe algum, depois de muita insistência, costuma ser indiferente.

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