Lado negro

Saga dos juros praticados pelos bancos no Brasil

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7 de fevereiro de 2009, 3h30

É notório. Os juros bancários sempre foram questionados, e até certo ponto atacados, quer pelos cidadãos em geral, contratantes, quer pelos juízes — destes, os mais fervorosos sempre foram os gaúchos, sempre se argumentando que os juros brasileiros são os maiores do mundo inteiro, e que por isso acabam obstaculizando o desenvolvimento sócio-nacional.

No Episódio I — que poderíamos chamar, como George Lucas, de A Ameaça Fantasma — com a inserção da limitação dos juros bancários a 12% na própria Constituição, a luta foi intensa, com respaldo constitucional, e levou à enxurrada de revisionais nos Foros, sempre quase sempre se deferindo a limitação, embora houvessem aqueles juízes que “viam” uma eficácia limitada ou contida na norma (visão que o Supremo Tribunal Federal, de forma míope, também viu). De fato, uma ameaça fantasma.

No Episódio II — O Ataque dos Clones —, seja por terem extirpado da Constituição a referida norma — onde os Parlamentares se incumbiram de fazer pelos bancos — seja pela vitória daquela visão da eficácia limitada, o cerne da limitação passou a ser o Código de Defesa do Consumidor, e a sua proteção à abusividade.

É que, se não limitados expressamente, pelo certo que os juros praticados não deixavam de ser verdadeiros abusos (100%, 200%, 300% ao ano), atentando contra a moral, e evidenciando verdadeira exploração do homem.

Neste aspecto da discussão — abusividade — houve subdivisões. Como parâmetro de abuso, primeiramente se tomou a Taxa Selic (Episódio III — A Vingança dos Sith), até vir-se a reconhecer que ela não poderia ser tomada como parâmetro por conta de serem os juros cobrados pelo governo ao emprestar às instituições e, se assim fosse, aniquilaria com o spread que era a medida do lucro dos bancos para custear a opulenta estrutura (agências, caixas, postos de atendimentos, internet, seguraça etc).

Em seguida, ainda na abusividade, bem no fundo tendo-se como pré-base a Taxa Selic, tomou-se como base para a limitação a equidade do juiz (Episódio VI — O Retorno de Jedi). Conforme entendia um ou outro, limitavam-se os juros a 30%, 40%, 50% ao ano etc.

Por fim, no Episódio V — O Império Contra-Ataca, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que nenhum das anteriores formas de limitação eram possíveis de subsistir, e deveria se tomar como parâmetro apenas “a abusividade no mercado”.

Somente seria abusiva a taxa de juros bancários, se discrepante das outras taxas cobradas no mercado. Acaso a taxa cobrada pelo banco no contrato específico fosse igual à taxa cobrada pelas demais instituições na mesma praça, nada de abusivo teria ela.

Tal posicionamento acabou sendo firmado como o fim dessa odisséia sagaciosa. Está insculpido no Resp 1.061.530/RS, afetado à 2ª Seção pelo ministro Ari Pargendler, e julgado pela ministra Nacy Andrighi, impondo a disciplina dos Recursos Repetitivos à matéria (artigo 543-C, CPC), especialmente, no tocante aos a) juros remuneratórios; b) capitalização de juros; c) mora; d) comissão de permanência; e) inscrição do nome do devedor em cadastros de proteção ao crédito; f) disposições de ofício no âmbito do julgamento da apelação acerca de questões não devolvidas ao tribunal.

Nele, Nancy Andrighi, à propósito, acabou referindo que “a análise da abusividade ganhou muito quando o Banco Central do Brasil passou, em outubro de 1999, a divulgar as taxas médias, ponderadas segundo o volume de crédito concedido, para os juros praticados pelas instituições financeiras nas operações de crédito realizadas com recursos livres (conf. Circular 2957, de 30.12.1999). As informações divulgadas por aquela autarquia, acessíveis a qualquer pessoa através da rede mundial de computadores, são segregadas de acordo com o tipo de encargo (prefixado, pós-fixado, taxas flutuantes e índices de preços), com a categoria do tomador (pessoas físicas e jurídicas) e com a modalidade de empréstimo realizada (‘hot money’, desconto de duplicatas, desconto de notas promissórias, capital de giro, conta garantida, financiamento imobiliário, aquisição de bens, ‘vendor’, cheque especial, crédito pessoal, entre outros)”.

Com tal posicionamento — apenas firmatura e efeito vinculativo de posição dominante há tempo na Corte — encerrou-se a discussão relativa aos juros bancários, e se criou o monopólio judicial dos bancos.

Alguém se lembra de coisas como “abertura de mercado”, “menor intervenção do Estado na economia”, “livre concorrência”, “Lei 8.031/90” (o denominado Plano Nacional de Desestatização movido pelos valores acima que dominavam na década de 90), “Lei 8.884/94” (que coibiu diversas práticas econômicas que impedissem a competição de mercado)??

Ao passo que o Estado, a Nação, e a República caminhavam para todos esses axiomas de liberdade e abertura, como forma de alimentar o desenvolvimento sócio-nacional, instigando a concorrência como forma de beneficiar os cidadãos, que teriam menor preço e melhores serviços, os tribunais brasileiros, e em especial, por fim, o Superior Tribunal de Justiça, numa martelada, cria um monopólio entre os Bancos. Justamente entre essas empresas, que foi contra os que mais se buscou a concorrência como forma de diminui os juros, notoriamente sempre altos, em relação ao mundo.

Vê-se que, assim, se se decide que “a abusividade da taxa será verificada pela convergência ou não dela no mercado”, é certo que os bancos aproximarão suas taxas, como forma de evitar a possibilidade de a sua taxa específica vir a ser derrubada por um ato judicial. Eu o faria, se banqueiro fosse.

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