Jeito e fala

Caso Cesare Battisti lembra o do Cabo Anselmo

Autor

  • Milton Coelho da Graça

    é jornalista e foi editor-chefe ou diretor de redação das revistas Realidade IstoÉ Placar dos jornais O Globo Última Hora Jornal do Commercio e Gazeta de Alagoas entre outros. Foi correspondente da Gazeta Mercantil em Nova York e de O Globo em Londres.

6 de fevereiro de 2009, 16h20

Red Rudi foi o mais famoso líder da resistência holandesa contra a ocupação alemã na II Guerra Mundial. Grandão e cabelos ruivos (que lhe deram o apelido), em todos os ataques em conjunto com comandos britânicos, ia sempre corajosamente à frente. Mas nunca era ferido e os alemães pareciam estar sempre preparados para se defenderem. A inteligência britânica o identificou como agente alemão infiltrado e foi uma bala britânica que o matou.

Cabo Anselmo foi treinado para ser agente do CENIMAR — Centro de Informações da Marinha — e se meter entre os companheiros da associação de marinheiros e fuzileiros. Era sempre o mais entusiasmado e tinha o discurso mais radical Em 1964 era o líder do movimento. Foi preso mas logo conseguiu fugir facilmente de uma delegacia. Juntou-se a vários grupos da luta armada contra a ditadura militar e suas informações levaram à prisão, tortura e morte de vários companheiros. Ele mesmo confessou uma parte de tudo isso numa entrevista à revista IstoÉ em 1984, que deu o prêmio Esso ao repórter Otávio Ribeiro.

O italiano Cesare Battisti, condenado pela Justiça italiana por quatro homicídios e refugiado no Brasil deu também esta semana uma entrevista à revista Istoé. E cada vez tenho maior suspeita de que o Brasil precisa investigar com o maior cuidado se Battisti é mesmo um porra-louca metido a dissidente político ou um agente da P-2 (Propaganda Due, uma loja maçônica ligada a militares) ou do SIFAR (Serviço de Informações das Forças Armadas Italianas), criador ou infiltrado no PAC, um dos grupos que mataram e assaltaram na década de 70, em nome de uma revolução socialista.

Fatos:

1 — Nenhum revolucionário com um pingo de bom senso montaria uma organização sob o nome de Proletários Armados para o Comunismo. Nos chamados “anos de chumbo” na Itália, década de 70, havia uns 20 grupos do gênero, mas nenhum tão “intencionalmente” querendo comprometer o PC (legal e segundo partido italiano desde o fim da II Guerra), e deixando tão clara a disposição de derrubar o governo com armas na mão.

2 — Battisti afirma que nos anos 70 havia “guerra civil” na Itália. Isso é inteiramente mentiroso. A Itália tinha um governo eleito democraticamente e todas as instituições funcionavam em plena normalidade.

3 — Na entrevista, Battisti afirma que havia “milhares de militantes” na luta armada, o que é inteiramente falso. No seu PAC, havia apenas cerca de 60. Acusa o promotor Armando Spataro de ter torturado Pietro Mutti — o companheiro que, contando com o benefício da delação premiada, o apontou como autor de quatro homicídios. Mas nem Mutti nem nenhum jornalista italiano até hoje acusou Spataro como torturador.

4 — Battisti não explica com clareza suas atividades no México. E diz que o SDECE (serviço secreto francês) o ajudou a vir para o Brasil. Por que o SDECE ajudaria em 2004 um “revolucionário de esquerda” a fugir da justiça italiana, inclusive dando-lhe um passaporte italiano legal? Não é mais provável que tenha sido preparado pelo SIFAR e repassado aos “camaradas” franceses? Battisti também informa que, no Brasil, foi monitorado por franceses, brasileiros e até italianos. Quem, senão um coleguinha, poderia merecer tanta atenção e proteção de agentes secretos de três países? Todos companheiros de esquerda? Finalmente, a fuga dele da prisão na Itália é uma história tão esquisita como a contada pelo Anselmo sobre a fuga da delegacia.

Texto publicado originalmente na Coluna do Milton

Autores

  • é jornalista e foi editor-chefe ou diretor de redação das revistas Realidade, IstoÉ, Placar, dos jornais O Globo, Última Hora, Jornal do Commercio e Gazeta de Alagoas, entre outros. Foi correspondente da Gazeta Mercantil em Nova York e de O Globo em Londres.

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