Esperança da advocacia

OAB quer que STF reveja decisão sobre Cofins

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4 de fevereiro de 2009, 16h41

A OAB ajuizou no Supremo Tribunal Federal Embargos de Declaração contra a decisão de que as sociedades de profissões regulamentadas, como os escritórios de advocacia, têm de pagar Cofins. Em setembro passado, depois de anos de debate, os ministros determinaram a cobrança da Cofins das sociedades em 3% sobre o faturamento. Segundo o presidente da OAB, Cezar Britto, é preciso corrigir um erro material do resultado.

A petição é embasada em parecer do advogado constitucionalista Luís Roberto Barroso. Segundo Barroso, após decidir que o imposto era obrigatório, o STF debateu sobre a retroatividade da cobrança. A decisão terminou empatada em cinco a cinco. A ministra Ellen Gracie não estava presente. Com isso, o Supremo decidiu contra o pedido de não aplicação da retroatividade. A Lei da ADI (9.868/99) exige oito votos para aceitar esses pedidos.

Luís Roberto Barroso sustenta que o quorum de dois terços somente se aplica em caso de declaração de inconstitucionalidade de lei. Nesse caso, não houve declaração de inconstitucionalidade, mas mudança de jurisprudência. Para o advogado, bastam seis votos para que o pedido dos advogados seja aceito.

Com base nesta posição, a OAB pede a convocação da ministra Ellen Gracie para concluir a votação. “A rigor, a matéria nunca foi objeto de apreciação específica e destacada do STF. Esse ponto nunca foi levantado. Trata-se de uma questão nova, relevante, e a OAB confia que o Tribunal irá enfrentá-la”, afirmou Barroso.

"O que o STF fez foi modificar o entendimento vigente acerca de matéria tributária, estabelecendo uma nova norma sobre o tema. E norma, consoante a dogmática jurídica contemporânea, não se confunde com enunciado normativo. Enquanto este é o relato abstrato constante do diploma legal, aquela é o produto da interação entre enunciado e realidade fática”, argumenta.

Segundo a OAB, em petição assinada pelo advogado Maurício Gentil Monteiro, a decisão que prejudica os advogados que pararam de pagar a contribuição amparados pela Súmula 276 do Superior Tribunal de Justiça, que consolidava o entendimento contrário à cobrança.

Alem de recorrer ao Supremo, a OAB também já anunciou que vai discutir no Congresso Nacional possíveis anistias e formas de os escritórios parcelarem o pagamento da Cofins.

Por trás da discussão do pagamento ou não de Cofins, está uma questão antiga: se lei ordinária pode revogar lei complementar, mas com conteúdo de ordinária. No caso da Cofins, a Lei Complementar 70/91, que instituiu a contribuição, isentou as sociedades civis de profissões regulamentadas da obrigação de pagá-la. Em 1996, veio a Lei 9.430/96 que revogou a isenção e determinou a cobrança.

O STF deve julgar, ainda, uma ADI sobre o assunto proposta pelo PSDB. Um dos argumentos do partido é o de que não importa se o conteúdo da lei complementar é de competência de lei ordinária. Se o Congresso Nacional aprovou a matéria de acordo com os critérios necessários para aprovar lei complementar (maioria absoluta dos congressistas), não pode vir uma lei ordinária (aprovada pela maioria simples) modificá-la.

De acordo com o partido, lei complementar não pode ter sua competência “invadida e sobrelevada por uma lei ordinária”. Isenção de tributos é norma estrutural e, portanto, matéria de lei complementar.

Leia o pedido

"EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES

DD. RELATOR DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 377457

CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, por seu Presidente, vem, à presença de Vossa Excelência, por intermédio de seu advogado infra-assinado, com instrumento procuratório incluso e endereço para intimações na SAS, Quadra 5 – Lote 1 – Bloco M – Brasília/DF, CEP 70070-939, tel: (61)2193-9600, tempestivamente, interpor EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, tendo em vista a existência de erro material na proclamação do resultado do julgamento, com base nos fundamentos a seguir expostos:

Essa Suprema Corte, ao julgar o presente Recurso Extraordinário (o que fez em conjunto com o RE n° 381964), decidiu que a COFINS deve, sim, incidir sobre as sociedades prestadoras de serviços profissionais. Ao fazê-lo, conferiu interpretação diametralmente oposta àquela interpretação já consolidada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, expressa em sua Súmula n° 276.


Pois bem, diante desse quadro, a Excelsa Corte se debruçou sobre outro problema: a modulação – ou não – dos efeitos dessa decisão. Tratava-se de decidir se esse novo modo de ver as coisas teria aplicabilidade retroativa ou se estariam presentes os requisitos que admitem, excepcionalmente, a sua aplicabilidade com eficácia apenas ex nunc.

Como está bem frisado no acórdão ora embargado, cinco Ministros votaram pela modulação dos efeitos da decisão, enquanto cinco outros Ministros a negaram. A Eminente Ministra Ellen Gracie, justificadamente, não participou da assentada. Com o que se concluiu pela recusa da modulação, considerando-se o quorum de dois terços dos membros previsto no Art. 27 da Lei n° 9.868/99.

Ocorre, contudo, que esse quorum não tem aplicabilidade ao caso. É o que o embargante (que integra o processo na condição de assistente) tentará demonstrar, doravante, com base em parecer elaborado pelo PROFESSOR LUÍS ROBERTO BARROSO (cópia anexa), a pedido do Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Sustenta o Prof. LUÍS ROBERTO BARROSO:

"Na linha da jurisprudência do STF, a modulação temporal dos efeitos de decisão judicial pode ocorrer em quatro hipóteses: a) declaração de inconstitucionalidade em ação direta; b) declaração incidental de inconstitucionalidade; c) declaração de constitucionalidade em abstrato; e d) mudança de jurisprudência. Precedentes emblemáticos e recentes do emprego da modulação temporal em tais casos, como se sabe, foram a mudança do entendimento da Corte relativamente  (i) à competência para ações acidentárias, que passou da Justiça Estadual à Justiça do Trabalho; e (ii) ao regime de fidelidade partidária.

Pois bem. Em se tratando de modulação por mudança de jurisprudência, data máxima venia, não há que se falar na aplicação do art. 27 da Lei 9.868/99 e, por conseqüência, no quorum de dois terços nele previsto. Com efeito, o dispositivo invocado versa sobre a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativoproferida em abstrato pelo STF. No presente caso, porém, – e o ponto dispensa maiores considerações – em momento algum se pronunciou a inconstitucionalidade de lei. Ao revés, o entendimento dessa Eg. Corte quanto ao mérito, em última análise, foi no sentido da validade da alteração produzida pela Lei n° 9.430/96."

Como não houve, no presente caso, declaração de inconstitucionalidade de lei, não incide o comando normativo do Art. 27 da Lei n° 9.868/99 e, em conseqüência, não se exige o quorum qualificado de dois terços de votos favoráveis à modulação.

O Professor LUÍS ROBERTO BARROSO bem explica, portanto, que a modulação dos efeitos da decisão, no presente caso, é fundamentada "(…) diretamente na regra constitucional da irretroatividade da norma tributária (CF, art. 150, III), e nos princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé, todos corolários do sobreprincípio da segurança jurídica".

A seguir, esclarece BARROSO:

"A tese é a seguinte: a decisão desse Eg. Supremo Tribunal Federal no sentido de que as sociedades profissionais não gozam de isenção da COFINS caracteriza norma tributária nova (no sentido de texto normativo interpretado), uma vez que há 5 (cinco) anos o Superior Tribunal de Justiça editou e vinha aplicando normalmente sua Súmula 276, segundo a qual as referida sociedades eram isentas da COFINS . Em se tratando de norma nova, somente poderia ser aplicada prospectivamente, por força da regra e dos princípios constitucionais mencionados acima.

Como se pode perceber, portanto, trata-se de espécie diversa de modulação de efeitos, à qual não se aplica o art. 27, da Lei n° 9.868/99, que, como visto, exige prévia declaração de inconstitucionalidade."


Em seguida, BARROSO aponta que essa diferenciação entre as hipóteses de modulação dos efeitos, assim como a inaplicabilidade do Art. 27 da Lei n° 9.868/99 à modulação de efeitos que decorre da mudança de jurisprudência, foram expressamente referenciadas pela Corte, no julgamento do RE 370682/PR.

Com efeito, são coisas diversas a declaração formal de inconstitucionalidade de lei vigente e a mudança de orientação jurisprudencial sobre determinado tema jurídico. A declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo implica o reconhecimento de sua incompatibilidade com a Constituição. Daí porque, em nome do primado da supremacia da Constituição rígida, a declaração de inconstitucionalidade possui, em regra, eficácia retroativa, justificando-se a imposição de rigorosos critérios para a restrição dos efeitos de uma tal decisão. Dentre esses rigorosos critérios está o quorum qualificado a que alude o Art. 27 da Lei n° 9.868/99.

Todavia, tais fundamentos não estão presentes no caso em exame. Essa é a perfeita explicação do Professor LUÍS ROBERTO BARROSO:

"O que o STF fez foi modificar o entendimento vigente acerca de matéria tributária, estabelecendo uma nova norma sobre o tema. E norma, consoante a dogmática jurídica contemporânea, não se confunde com enunciado normativo. Enquanto este é o relato abstrato constante do diploma legal, aquela é o produto da interação entre enunciado e realidade fática. O ponto é especialmente saliente quando se leva em conta que, sobre o tema, havia Súmula do STJ – órgão de cúpula e de uniformização de jurisprudência. E essa nova norma – isto é: o novo entendimento da Corte sobre o tema – incrementa a obrigação fiscal a cargos dos contribuintes, a ela se aplicando, como não poderia deixar de ser, a regra constitucional da irretroatividade tributária. A mesma solução se impõe, ainda, por incidência da proteção da confiança e da boa-fé, que se dirigem de forma específica à Administração Pública e ao Poder Judiciário.

Ou seja: ao contrário do que ocorre com a modulação temporal no caso de declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, a eficácia prospectiva postulada aqui não implica paralisação parcial da eficácia de uma norma constitucional. O que ocorre, a rigor, é justamente o oposto. Na realidade, a modulação aqui decorre de forma direta, e necessária, da incidência de normas constitucionais, como a irretroatividade tributária e a proteção da confiança e da boa-fé. Isto é: não se mantém a vigência de um ato inválido, mas evita-se uma inconstitucionalidade. Não faz sentido, portanto, aplicar à hipótese o quorum especial de dois terços: a modulação, no caso concreto, insere-se no âmbito da atuação ordinária do STF como guardião da Constituição. Ainda mais quando para a própria declaração de inconstitucionalidade a Carta de 1988 definiu o quorum de maioria absoluta.".

Antes de concluir, BARROSO expõe – com o brilhantismo habitual – as críticas que a imposição do quorum de dois terços sofre, por tomar antecipadamente partido do princípio da supremacia da constituição em detrimento da ponderação que se possa fazer diante de eventual colisão com outros princípios de igual dignidade constitucional, como o da segurança jurídica, críticas essas que com mais razão poderiam ser lançadas à exigência desse quorum em casos como o presente, em que não houve declaração de inconstitucionalidade e sim mudança de orientação jurisprudencial:

"Uma crítica que se formula à exigência de quorum qualificado previsto pelo art. 27, da Lei n° 9.868/99 – regra que, aliás, não conta com paralelo em outros países – é a de que o legislador teria hierarquizado normas constitucionais indevidamente. Isso porque, ao exigir dois terços dos votos para que a modulação seja autorizada, o dispositivo criaria uma preferência em abstrato em favor da disposição constitucional violada pela lei ou ato normativo declarado inválido pelo STF, em detrimento de outras disposições igualmente constitucionais que podem exigir a modulação no caso concreto, como, e. g., a segurança jurídica. Caberia à Corte, diante das circunstâncias concretas e por sua maioria absoluta, como se passa em qualquer outra deliberação, apreciar a preferência e o peso que deve ser atribuído aos diferentes elementos constitucionais eventualmente em confronto em cada caso.

Pois bem. Se a crítica referida é razoável – e ela apenas diz respeito a hipóteses às quais o art. 27 é aplicável (isto é: declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo), -, que se dirá da exigência do quorum qualificado em hipótese que sequer confronta dois conjuntos de normas constitucionais? Na realidade, o confronto no caso aqui em discussão é muito mais singelo: de um lado, há duas interpretações diversas de uma mesma lei ordinária que se sucedem no tempo; e, de outro, tem-se a regra constitucional da irretroatividade tributária e os princípios constitucionais da segurança jurídica, da proteção da confiança e da boa-fé. A exigência de quorum qualificado no presente caso, subvertendo toda a lógica do direito constitucional contemporâneo, acaba por atribuir preferência, em abstrato, a uma específica e nova interpretação da ordem infraconstitucional, e isso em detrimento de regra constitucional  que veicula garantia fundamental dos contribuintes (a irretroatividade tributária) e de vários princípios constitucionais."

O Professor LUÍS ROBERTO BARROSO conclui o seu parecer afirmando que houve, portanto, erro material cuja correção se pleiteia por meio dos embargos: "É por essas razões que o suplicante pede seja sanado o erro material apontado, a fim de constar, em vez da rejeição do pedido de modulação, a suspensão do julgamento dos RE’s 377457/PR e 381964/MG para que se aguarde o voto de desempate da Ministra Ellen Gracie.".

Tudo isso posto, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, admitido no processo na condição de assistente, requer que os presentes embargos sejam conhecidos e providos, para o fim de ser reconhecido o erro material na exigência do quorum de dois terços para modulação dos efeitos da decisão tomada, fazendo constar do acórdão, ao invés de rejeição do pedido de modulação, a suspensão do julgamento do Recurso Extraordinário para que seja aguardado o voto da Eminente Ministra Ellen Gracie.

Nesses termos, pede e espera deferimento".

Brasília (DF), 04 de fevereiro de 2009.

Maurício Gentil Monteiro

OAB/SE nº 2.435

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