Rol de legitimados

Projeto sobre Ação Civil Pública provoca racha

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26 de dezembro de 2009, 5h49

O Projeto de Lei que modifica as regras para a Ação Civil Pública está enfrentando polêmicas discussões na Câmara dos Deputados. Com mais 100 emendas, a proposta divide duas correntes. Um grupo acredita ser uma revolucionária maneira de ampliar o acesso a Justiça. Um outro afirma que a demasiada abertura do texto pode causar aumento de processos e insegurança jurídica. Sob relatoria do deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), o PL 5.139/09 tramita em regime de prioridade e aguarda aprovação da Comissão de Constituição e Justiça e do Plenário da Câmara.

Para o desembargador aposentado Vladimir de Passos Freitas, que atua no grupo de estudos do II Pacto Republicano, do qual o Projeto de Lei faz parte, o texto preocupa pela quantidade de atores que podem entrar com este tipo de ação. O projeto propõe uma nova lista de entidades legitimadas que, na opinião de Freitas, pode causar um inchaço de processos nos tribunais e um vazio de casos nos pequenos escritórios de advocacia, que atendem pessoas físicas. Pelo novo texto, a Ação Civil Pública poderá ser proposta pelo Ministério Público e também por órgãos da União, dos estados e Distrito Federal, dos municípios, dos partidos políticos, dos sindicatos e das associações civis.

A Defensoria Pública também poderá ser titular da Ação Civil Pública e, em alguns casos, atuará de forma semelhante ao Ministério Público. Na interpretação de Freitas, o projeto prevê que, se a ação ajuizada pelo MP for considerada improcedente, qualquer outro órgão da lista pode entrar com o mesmo processo. “O advogado particular também vai perder seu terreno porque tudo vira ACP”, diz Passos.

José Carlos Cosenzo, presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), concorda com Vladimir Passos de Freitas. Ele acredita que o excesso de abertura trazido pelo projeto acaba desperdiçando uma boa oportunidade de modernizar a Ação Civil Pública. “Com todas essas entidades, o poder se pulveriza muito e, assim, cria-se uma insegurança jurídica muito grande. Eu acredito que o rol de entidades já estava bom. A sociedade já estava bem defendida”, afirma. Segundo ele, há um grupo de partidos contra o PL que pretende extinguir o texto desde a sua origem por conta dessas polêmicas, fazendo que se perca toda a discussão sobre o tema.

Outra preocupação de Cosenzo é que a ação de outras entidades reduza as possibilidades de o MP ajuizar uma ACP, comprometendo também o controle social. Para ele, a corrente a favor da aprovação do projeto acha que o MP se preocupa com “reserva de mercado”, mas a real questão levantada pelo órgão é a insegurança jurídica que o maior número de ações pode causar. “Além de aumentar assustadoramente o número de processos, não sei se outras entidades terão o comprometimento social e político do MP, que é o único órgão que tem como instaurar o inquérito civil, apurar os casos com profundidade”.

Para Vladimir Passos de Freitas, a lei pode sim aumentar a carga processual da Justiça. Não só pelas entidades legitimadas, mas pela longa lista do tipo de temas que cabem em uma ação coletiva. “Quase tudo cabe em ação coletiva. A Justiça vai deixar de ser escolha de uma pessoa. Com todo mundo podendo entrar com ações, será uma montanha de processos. O que poderia brecar são as ações rejeitadas por má-fé, mas eu nunca vi isso ocorrer na Justiça brasileira”, afirma Freitas.

Corrente a favor
João Ricardo dos Santos Costa, vice-presidente de direitos humanos da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), defende a ampliação do rol de legitimados para propor a ação. Ele, que participou da formulação do Projeto de Lei, afirma que o principal objetivo é atacar as ações de massa, ou seja, impedir a multiplicação de ações únicas sobre um mesmo assunto. “Não sei por que há quem ache que o número de processos pode aumentar. Criamos dispositivos na lei justamente para evitar que isso não ocorra.” Segundo Costa, depois que uma entidade entra com uma ação, a outra não pode repeti-la em qualquer estado brasileiro. “Quanto mais ações coletivas, menos individuais”, defende. Costa também afirma que, com a aprovação da lei, o MP não perde poderes. “Qualquer democracia tem que dar à sociedade dispositivos de reivindicação e a lei acaba valorizando o MP, pois reparte com a sociedade esse cargo de ajuizar as ações. Na democracia, todo monopólio é negativo.”

Costa fala sobre a importância de legitimar a Defensoria Pública para ajuizar ações coletivas, principalmente as relacionadas a questão de consumo. Segundo ele, o consumidor de baixa renda hoje não tem acesso à Justiça para brigar por seus direitos e esse PL legitima a Defensoria para defendê-los. Ele também destaca a possibilidade que o projeto traz de a sentença ser autoexecutável. “Quando uma empresa faz uma cobrança irregular e viola direitos, é possível entrar com uma ação para que ela pague o devido a todos os seus clientes, que às vezes são milhares.” Com o novo texto, a sentença já se torna a ordem expressa para que a empresa indenize os consumidores lesados e haverá a figura de um perito que identificará se a empresa cumpriu ou não a sentença, sob pena de altas multas diárias.

Mesmo com o longo debate que o Projeto de Lei está provocando, a necessidade de regulamentar o tema é necessária. “A ACP tem 24 anos de sucesso, mas deve ser feita com pé no chão. Isso cria uma insegurança enorme. Se tornar lei, não vai auxiliar em nada”, afirma Vladimir Passos de Freitas. Para Cosenzo, o Projeto de Lei nasceu com boas sugestões e esperava modernizar a ACP, mas a abertura do rol de entidades e matérias acabou passando dos limites.

Já o ministro Teori Zavascki, do Superior Tribunal de Justiça, defende que a melhor solução é incorporar a Ação Civil Pública ao Código de Processo Civil, o que seria suficiente e adequado a essa espécie de tutela. A sugestão dele é que as especificidades procedimentais indispensáveis sejam estabelecidas como "procedimento especial", no Livro IV do CPC, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições codificadas. Segundo o ministro, em outros países, as disposições normativas a respeito de ações coletivas são bastante limitadas. “Não há porque criar, aqui, um verdadeiro Código, cheio de princípios e de detalhes, que, além de não terem sentido prático significativo, são fontes permanentes de controvérsias formais intermináveis”, afirma.

Clique aqui para ler o Projeto de Lei

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