Fraude no Banestado

Juiz absolve último acusado por evasão de divisas

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24 de dezembro de 2009, 10h03

Está chegando ao fim o caso que colocou diretores do Banestado e do Banco del Paraná na mira do Ministério Público Federal como responsáveis pela astronômica evasão de divisas de R$ 2,5 bilhões. Manipulação de contas CC5 por laranjas, segundo o MPF, movimentaram valores sujos entre Brasil e Paraguai. As penas, no entanto, ficaram só do lado leste da Ponte da Amizade. No último dia 16, a Justiça Federal do Paraná absolveu um dos últimos acusados, o ex-diretor do banco paraguaio Ramon Ramires Zarate, por falta de provas. Antes dele, conseguiram provar inocência o ex-presidente do Banco del Paraná, Anísio Resende de Souza, e Kazuto Yokoo, gerente-geral da instituição. Os dois já têm a absolvição transitada em julgado.

Segundo a denúncia do MPF, 93 contas-correntes foram mantidas em Foz do Iguaçu em nome de laranjas residentes no exterior, as chamadas contas CC5, e movimentaram R$ 2,5 bilhões entre 1996 e 1997. Quase todas as contas foram abertas no Banco do Estado do Paraná, o Banestado, acionista majoritário do Banco del Paraná. O banco paraguaio, por meio de uma conta CC5 aberta no Banestado, teria recebido US$ 1,32 bilhões de outras contas. Ainda segundo a denúncia, os valores eram enviados a contas do Banestado em Nova York, parte delas em nome de off-shores pertencentes a doleiros e casas de câmbio brasileiros e paraguaios.

A condução do processo foi feita pelo juiz da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Sérgio Fernando Moro. Em 2004, o juiz condenou 14 agentes envolvidos no esquema por crimes de gestão fraudulenta e de formação de quadrilha. Amargaram a condenação os diretores Aldo de Almeida Júnior, Gabriel Nunes Pires Neto e Oswaldo Rodrigues Batata; os assessores da diretoria Alaor Alvim Pereira e José Luiz Boldrini; o superintendente regional de Cascavel, Milton Pires Martins; os gerentes do Banestado em Foz do Iguaçu Carlos Donizeti Spricido, Clozimar Nava, Benedito Barbosa Neto, Rogério Luiz Angelotti, Alcenir Brandt, Altair Fortunato e Onorino Rafagnin; e ainda o assistente de gerente Valderi Werle.

A maior pena aplicada foi de 12 anos e oito meses de reclusão em regime fechado e a menor, para apenas um dos condenados, de quatro anos em regime aberto. Os condenados também foram multados com valores que chegaram, nos piores casos, a R$ 780 mil. Não houve condenação por crime de lavagem de dinheiro porque a Lei 9.613/98, que trata do crime, é posterior aos fatos.

Por insuficiência de provas, no entanto, foram absolvidos ainda em 2004 o ex-presidente do Banestado Domingos Tarço Murta Ramalho, o diretor Sérgio Elói Druszcz, os gerentes do Banestado em Foz do Iguaçu, Adelar Felipetti e Wolney Dárcio Oldoni, e os gerentes do Banestado em Nova York Ércio de Paula dos Santos e Valdir Antônio Perin.

No dia 17 de dezembro, Moro julgou o último acusado ainda sem sentença, Ramon Zarate. O ex-diretor do banco paraguaio foi apontado como responsável pela movimentação feita por meio da conta CC5 no Banestado em nome do Banco del Paraná, a maior de todo o esquema. “Há prova, como visto, de que a conta CC5 do Banco del Paraná mantida no Banestado foi utilizada no esquema fraudulento de evasão de divisas, pois recebia os recursos provenientes das contas comuns abertas e mantidas em nome de pessoas interpostas no Banestado”, disse o juiz na sentença.

No entanto, Moro afirmou não haver provas que incriminassem os diretores paraguaios. “Como as contas em nome das pessoas interpostas eram mantidas no Banestado, não haveria necessidade de assentimento de agentes do Banco del Paraná para a abertura delas ou para a sua movimentação”, disse na decisão. “O Banco del Paraná não tinha conhecimento deste procedimento, na convicção de que os depositantes sempre foram seus clientes, casas de câmbio, pelo fato de que estas casas de câmbio apresentavam os talões que justificavam os depósitos feitos por elas”.

Segundo os advogados de Ramon Zarate, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Edward Rocha de Carvalho, do escritório J. N. Miranda Coutinho & Advogados, a sentença a favor do ex-diretor demorou a sair devido à dificuldade em ouvir os depoimentos. “As testemunhas eram todas paraguaias e precisaram ser ouvidas por rogatória. Por tal razão, o processo foi desmembrado e, por isso, houve a demora”, explicam.

Embora, no entender do juiz Moro, Ramon Zarate soubesse da atuação do banco para o qual trabalhava no mercado de câmbio negro no Brasil e do uso da conta CC5 para esse fim, a ele não poderia ser atribuída a participação no esquema fraudulento de manipulação das contas. “Não há provas suficientes de que teria participado ou mesmo tido ciência, ao tempo dos fatos, da utilização no Brasil pelos doleiros de contas correntes abertas em nome de pessoas interpostas, os laranjas, para realizar depósitos na conta CC5 do Banco del Paraná”, afirmou o juiz.

Leia a decisão

AÇÃO PENAL Nº 2003.70.00.039773-0/PR
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Réu: RAMON RAMIRES ZARATE
ADVOGADO: JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO e EDWARD FABIANO ROCHA DE CARVALHO

SENTENÇA

2.ª VARA FEDERAL CRIMINAL DE CURITIBA
PROCESSO n.º 2003.7000039773-0
AÇÃO CRIMINAL
Autor: Ministério Público Federal
Réu: Ramon Ramires Zarate, casado, paraguaio, comerciante, nascido em 21/07/1957, portador da identidade paraguaia de n.º (…), residente e domiciliado na (…), Assunção, Paraguai

I – RELATÓRIO

1. A denúncia oferecida no presente caso é resultado das investigações realizadas acerca da remessas ao exterior efetuadas a partir de contas CC5 mantidas principalmente em Foz do Iguaçu/PR e durante a segunda metade da década de 90.

2. Narra a denúncia crimes atribuídos aos responsáveis pelo Banco do Estado do Paraná S/A – Banestado e pelo Banco Del Paraná, instituição financeira paraguaia, consistentes na organização e manutenção de esquema fraudulento para a remessa de divisas ao exterior. Explicita a denúncia noventa e quatro contas correntes comuns abertas em nome de pessoas sem capacidade econômica, ou seja, de pessoas interpostas, os assim denominados "laranjas", e que teriam sido utilizadas para a realização de depósitos de R$ 2.049.146.588,00 nos anos de 1996 e 1997 em contas titularizadas por pessoas domiciliadas no exterior, as assim denominadas "contas CC5". Utilizando-se conta interposta para a realização dos depósitos, ou seja a conta em nome do laranja, burlava-se a fiscalização do Banco Central do Brasil, não chegando a este a informação do real titular do numerário remetido ao exterior. A quase totalidade das contas em nome dos laranjas teria sido aberta em agências do Banestado em Foz do Iguaçu/PR. O Banco do Estado do Paraná S/A mantinha, também segundo a denúncia, seis contas CC5 em Foz do Iguaçu, e uma em Curitiba, uma delas titularizada pelo Banco Del Paraná cujo controle acionário pertence ao próprio Banco do Estado do Paraná S/A. Ainda segundo a denúncia, a conta CC5 titularizada pelo Banco Del Paraná junto ao Banestado teria recebido créditos provenientes de outras contas no montante de US$ 1.325.080.330,27, sendo que 91,9% deles teriam provindo de contas titularizadas por "laranjas". O numerário remetido ao exterior teria como destino contas mantidas na agência do Banestado em Nova York, sendo que boa parte delas era titularizada por "off-shores" de real propriedade de doleiros brasileiros e casas de câmbio paraguaias e brasileiras. O esquema fraudulento teria sido organizado de forma consciente pelos acusados, tendo dele participado não só os gerentes das agências envolvidas, como também a Diretoria e a Presidência do Banestado e ainda do Banco Del Paraná. Imputa a denúncia aos acusados os crimes dos artigos 288 e 299 do CP, 4.º, "caput", e 22, parágrafo único, da Lei n.º 7.492/86.

3 Originariamente, a ação penal foi proposta também contra Domingos Tarço Murta Ramalho, Aldo de Almeida Júnior, Gabriel Nunes Pires Neto, Sérgio Elói Druszcz, Oswaldo Rodrigues Batata, Alaor Alvim Pereira, José Luiz Boldrini, Milton Pires Martins, Carlos Donizeti Spricido, Clozimar Nava, Benedito Barbosa Neto, Rogério Luiz Angelotti, Adelar Felipetti, Wolney Dárcio Oldoni, Valderi Werle, Alcenir Brandt, Altair Fortunato, Onorino Rafagnin, Ércio de Paula dos Santos, Valdir Antônio Perin, Gilson Girardi, Anísio Resende de Souza, Kazuto Yokoo e Luiz Acosta. Foram eles julgados na ação penal originária de n.º 2003.7000039531-9 e na ação penal também desmembrada de n.º 2004.7000032595-4. Remanesceu pendente de julgamento apenas o ora acusado, residente no exterior, em decorrência das peculiaridades do trâmite do processo contra pessoa residente no exterior. O desmembramento foi determinado pela decisão de fl. 69, segundo parágrafo.

4. A denúncia foi recebida em 06/08/2003 (fls. 66-70).

5. O acusado foi citado e interrogado por pedido de cooperação jurídica internacional (fls. 195-257, especialmente fls. 248-251). Apresentou defesa prévia por defensor constituído (fls. 266-269).

6. Foram juntados aos autos cópias de depoimentos dos co-acusados e testemunhas da ação penal originária (apenso II e fls. 283-308) como prova emprestada, com autorização judicial (fls. 327-328).

7. Foi ouvida uma testemunha de acusação (fls. 361-366). Foram ouvidas testemunha de defesa no Brasil (fls. 399-409, 473-474, 485-486, 510 e 533-537) e ainda no Paraguai, estas por pedido de cooperação jurídica internacional (fls. 518-530,

8. Em virtude da superveniência da Lei n.º 11.719/2009 no curso do processo, foi oportunizado novo interrogatório ao acusado, mas a Defesa o reputou desnecessário (fl. 399).

9. O MPF, em alegações finais (fls. 585-593 argumenta: a) que a materialidade do delito está comprovada pelas sentenças juntadas por cópias e pelos laudos periciais; b) que Alberto Youssef declarou que o acusado recebia dinheiro para garantir-lhe a cobertura de dólares de que necessitava; c) que o acusado era gerente da mesa de câmbio do Banco Del Paraná em Assunção, Paraguai; e d) que o acusado tinha conhecimento das contas de pessoas interpostas mantidas no Brasil e que alimentavam as contas CC5.

10. A Defesa do acusado argumenta em sua alegações finais (fls. 597-645): a) que a Resolução n.º 20/2003 do TRF da 4.ª Região é inválida; b) que houve afronta ao princípio da indivisibilidade; c) que parte das provas refere-se às confissões obtidas em delações premiadas; d) que não se permitiu o acesso ao conteúdo dos acordos; e) que as delações premiadas ofenderam o devido processo legal, a inderrogabilidade da jurisdição, a moralidade pública, a ampla defesa e o contraditório e a proscrição às provas ilícitas; f) que o tipo legal do artigo 4.º da Lei n.º 7.492/86 é excessivamente aberto; g) que não é necessária autorização para remeter quantias ao exterior, motivo pelo qual não é aplicável ao caso o artigo 22 da Lei n.º 7.492/86; h) que nunca houve qualquer vínculo entre os acusados senão o necessário para o trâmite regular dos procedimentos bancários; i) que, no Paraguai, vigora o mercado livre de câmbio, não havendo motivo para ocultamento das operações; j) que, assim apenas no Brasil, eram utilizados os "laranjas", enquanto no Paraguai não se utilizava qualquer estratagema; k) que o acusado Ramon não tinha conhecimento da utilização de laranjas para a realização de depósitos na conta CC5 do Banco Del Paraná; e l) que, no Paraguai, não se tinha controle de quem fazia os depósitos da conta CC5 mantida no Brasil.

11. Os autos vieram conclusos.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1

12. A questão quanto à validade da especialização de varas no processo e julgamento de processos por crimes financeiros e de lavagem de dinheiro, com redistribuição de inquéritos, já foi objeto de resolução pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus n.º 88.660 perante o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), Rel. Min. Carmen Lúcia, j. em 1505/2008, acórdão ainda não-publicado, e ainda no Habeas Corpus n.º 85.060, em 23.09.2008, pela 1.ª Turma do STF, Rel. Min. Eros Grau, DJE de 13/02/2009. Em ambos os casos, o Supremo afirmou a validade da especialização e da redistribuição de inquéritos. Sendo matéria vencida no Supremo Tribunal Federal, descabem maiores considerações sobre a questão.

13. No que se refere à alegação de violação do princípio da indivisibilidade e indisponibilidade da ação penal, pois, outras pessoas deveriam ter sido igualmente denunciadas, cumpre destacar que o rol de acusados originário já é suficientemente expressivo, desconsiderando o desmembramento havido. O MPF formou sua convicção em relação aos ora acusados. Não existe qualquer indicativo de que o MPF tenha realizado suas opções de forma aleatória ou arbitrária. Houve processos em separados contra os doleiros envolvidos e pessoas envolvidas nos crimes de evasão de divisas, sendo inviável reunir todos em um único processo. Assim, não houve violação aos princípios da indivisibilidade ou da obrigatoriedade. Acrescente-se que eventual violação do princípio da indivisibilidade ou obrigatoriedade se resolve com a determinação ao órgão da acusação para que inclua os indevidamente excluídos, com a adoção, se for o caso, do procedimento previsto no artigo 28 do CPP. Se a constatação de que haviam outras pessoas passíveis de serem denunciadas surge apenas posteriormente, é o caso de resolver-se a questão em apartado como autoriza o artigo 80 do CPP. Em nenhuma hipótese, justifica-se, porém, beneficiar aqueles que foram devidamente denunciados com alguma espécie de juízo de invalidade.

14. Quanto ao questionamento da validade do depoimento de Alberto Youssef, por ter sido obtido em decorrência de delação premiada, observa-se que o fato dele ter deposto em decorrência do acordo pode ser invocado para questionar a credibilidade do depoimento, mas jamais a validade. Jamais foi ocultado que a testemunha teria celebrado acordo de delação premiada com a Acusação, fato aliás já, de certa forma, notório. Não pode, por outro lado, a Defesa reclamar que não teve acesso aos instrumentos do acordo se sequer requereu este acesso no decorrer deste processo, tendo apresentado esta alegação somente em alegações finais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

15. Portanto e em resumo, não há vícios de validade na colheita das provas ou na instauração e desenvolvimento do processo.

II.2

16. As contas de depósito em moeda nacional de pessoas domiciliadas no exterior, assim denominadas "contas CC5" estavam, ao tempo dos fatos, regulamentadas pela Circular n.º 2.677, de 10/04/96, do Bacen.

17. A realização de depósito em conta CC5 caracteriza, nos termos do artigo 7.º, II, da referida Circular, saída de recursos do País, uma vez que o valor respectivo torna-se disponível a pessoa domiciliada no exterior:

"Artigo 7.º. Para fins e efeitos desta Circular caracterizam:

(…)

II – saídas de recursos do País os créditos efetuados pelo banco depositário em contas tituladas por domiciliados no exterior, exceto quando os recursos provierem de venda de moeda estrangeira ou diretamente de outra conta da espécie."

18. Apesar de ser possível a livre remessa ao exterior através das contas CC5, a própria Circular institui mecanismo de controle em seu artigo 8.º:

"Nas movimentações de valor igual ou superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) é obrigatória a identificação a proveniência e destinação dos recursos, da natureza dos pagamentos e da identidade dos depositantes de valores nestas contas, bem como dos beneficiários das transferências efetuadas, devendo tais informações constar do dossiê da operação."

19. Ainda segundo a Circular o banco no qual é mantida a conta CC5 deve registrar no SISBACEN as transações envolvendo as referidas contas.

20. É importante destacar que as contas CC5 constituem um instrumento importante de política econômica, não tendo nada de ilícito em si. Se tal política é certa ou equivocada, não cabe a este Juízo opinar.

21. O que ocorre no presente caso é que os depósitos nas contas CC5 eram perpetrados de forma a burlar o sistema de controle do Bacen.

22. Com efeito, os depósitos eram efetuados não diretamente pelo titular do numerário, mas através de contas correntes comuns titularizadas por terceiros, usualmente pessoas sem capacidade econômica para as transações, ou seja, pessoas interpostas, os assim denominados "laranjas". Dessa forma, não chegava ao Bacen ou aos órgãos de fiscalização a informação acerca do real titular do numerário remetido ao exterior, impossibilitando que este tomasse as atitudes cabíveis se detectada irregularidade ou indícios de crime na remessa.

23. Explicita a denúncia noventa e três dessas contas que teriam sido abertas em agências do Banestado, principalmente em agências de Foz do Iguaçu/PR (fls. 22-24 dos autos, tendo sido indicado na denúncia por equívoco o número noventa e quatro como o total de contas). Através delas, teriam sido realizados 5.075 depósitos no valor total de R$ 2.446.609.179,56 em contas CC5 nos anos de 1996 e 1997.

24. Já foram julgadas duas ações penais, a originária e outra desmembrada, de n.os 2003.7000039531-9 e 2004.7000032595-4, e cujas sentenças encontram-se juntadas por cópias no apenso I destes autos, nas quais foi reconhecida a materialidade do crime de evasão de divisas, pela utilização de contas de pessoas interpostas para a realização de depósitos nas contas CC5 e, dessa forma, ocultar a real titularidade do numerário enviado ao exterior.

25. Nas fls. 25-29 da sentença prolatada na ação penal 2003.7000039531-9 consta o rol das contas de pessoas interpostas e a referência à documentação dos autos da ação penal originária que demonstra a sua condição de mera pessoa interposta no estratagema fraudulento.

26. Já estes autos não estão instruídos com a volumosa documentação relativa às contas das pessoas interpostas.

27. Estão, entretanto, instruídos com cópia dos laudos periciais realizados pela Polícia Federal com base na documentação.

28. O laudo de n.º 1.392/03/INC (fls. 563-578) revela que o Banestado mantinha cinco contas CC5 em Foz do Iguaçu/PR e uma em Curitiba. Tais contas foram alimentadas com depósitos provenientes das contas acima relacionadas e ainda de outras que não foram elencadas na denúncia. Como também revela o referido laudo, "quase todos os recursos movimentados contas de domiciliados no exterior (CC5), …, tiveram como destino final à realização de operações de câmbio e a remessa dos recursos para o exterior" (fl. 569). O fluxo de recursos, das contas de pessoas interpostas, passando pelos depósitos nas contas CC5 até a remessa ao exterior, é bem retratado no referido laudo.

29. Uma dessas contas CC5 era titularizada pelo Banco Del Paraná cujo controle acionário pertencia ao próprio Banco do Estado do Paraná S/A. Os recursos que transitaram por esta conta constituem objeto específico da denúncia contra o acusado Ramon Zarate.

30. O laudo de n.º 1.698/03 foi realizado especificamente sobre a conta CC5 titularizada pelo Banco Del Paraná. Observa-se, porém, que o MPF juntou cópia sem os necessários anexos (fls. 576-579), prejudicando a prova. De todo modo, o próprio laudo n.º 1.392/03/INC revela, na fl. 575, que a conta CC5 do Banco Del Paraná teria recebido créditos provenientes de domiciliados no Brasil (créditos classificados como do tipo 2) da ordem de R$ 1.395.069.037,09 nos anos de 1996 a 1997, na época o equivalente a US$ 1.325.080,27, e que, a quase totalidade desses créditos, 87,3% para ser exato, seria proveniente de contas titularizadas por "laranjas". O percentual foi obtido mediante cruzamento do nome dos depositantes com relação de comunicações de correntistas suspeitos apresentada pelo Bacen. 95,18% de todos os recursos creditados na conta CC5 do Banco Del Paraná, incluindo entre eles os do tipo 2, foram destinados à realização de operações de câmbio e a remessa dos recursos para o exterior, como também revela o laudo (fl. 574).

31. Assim, embora os autos pudessem estar melhor instruídos, por exemplo, com cópia dos documentos relativos às contas das pessoas interpostas e a prova dessa sua condição específica, os laudos revelam que os recursos que transitaram nas contas CC5 mantidas no Banestado, dentre elas a conta CC5 titularizada pelo Banco Del Paraná, seriam em sua maioria provenientes de contas titularizadas por pessoas interpostas. Eles constituem prova suficiente da materialidade das remessas de divisas ao exterior através de contas CC5 mantidas no Banestado, dentre elas a titularizada pelo Banco Del Paraná, bem como prova da materialidade da fraude empregada para burlar o sistema de controle de tais remessas instituído pelo Bacen. Aliás, a própria Defesa não questiona tais fatos e provas.

32. A questão principal que se coloca, porém, nos autos, é quanto à autoria.

33. Nas ações penais de n.os 2003.7000039531-9 e 2004.7000032595-4, restou provado, acima de qualquer dúvida razoável, que os agentes bancários do Banco do Estado do Paraná S/A – Banestado, incluindo gerentes e Diretores, tinham não só conhecimento da abertura e manutenção das contas de pessoas interpostas para alimentação de contas CC5 dentro da instituição financeira, mas que igualmente tomavam providências para proteger tais contas das ações dos órgãos de auditoria internos e dos órgãos de fiscalização. Tais provas consistem principalmente em documentos internos nesse sentido, vários dos quais citados e transcritos nas sentenças proferidas nas referidas ações penais (fls. 31-40 do apenso I).

34. Na segunda ação penal, de n.º 2004.7000032595-4, este mesmo Juízo, porém, absolveu os co-acusados originários, Anísio Resende de Souza, e Kazuto Yokoo, agentes do Banco Del Paraná S/A, a instituição paraguaia também envolvida nas fraudes, por reputar ausentes provas suficientes para a condenação.

35. Há prova, como visto, de que a conta CC5 do Banco Del Paraná mantida no Banestado foi utilizada no esquema fraudulento de evasão de divisas, pois recebia os recursos provenientes das contas comuns abertas e mantidas em nome de pessoas interpostas no Banestado.

36. Entretanto, a responsabilização criminal dos agentes do Banco Del Paraná depende de prova de que eles, no Brasil, teriam participado da fraude relativa à abertura ou manutenção das contas de pessoas interpostas que alimentavam a conta CC5 do Banco Del Paraná ou mesmo consentido que a conta CC5 do Banco Del Paraná recebesse os recursos provenientes das contas das pessoas interpostas.

37. Não, há, entretanto, nos autos uma prova segura quanto a esses fatos.

38. Há prova, é certo, que o Banco Del Paraná tinha conhecimento de que realizava operações com doleiros brasileiros, como revela o relatório de auditoria do Banestado sobre o Banco Del Paraná de fls. 309-315 e no qual consta, na fl. 312, o rol de clientes do Banco Del Paraná, que consistem basicamente em casas de câmbio paraguaias e brasileiras que operavam no mercado de câmbio negro brasileiro.

39. Nem seria plausível alegação dos agentes do Banco Del Paraná de que desconheciam a identidade e natureza das atividades de seus principais clientes no mercado de câmbio.

40. Entretanto, coisa diferente é reputar presente prova de que participavam da abertura e manutenção das contas em nome de pessoas interpostas ou de que tinham conhecimento específico de que os recursos depositados na conta CC5 do Banco Del Paraná tinham essa origem específica.

41. Pelo que se depreende da instrução realizada nestes autos e ainda nas duas referidas ações penais, as contas comuns de pessoas interpostas que alimentavam contas CC5 eram abertas e mantidas pelos doleiros brasileiros ou pelas casas de câmbio paraguaias com atuação no Brasil. Sua manutenção e movimentação ilegal contava, como visto nas duas referidas ações penais, com a conivência e proteção dos agentes do Banestado.

42. Como as contas em nome das pessoas interpostas eram mantidas no Banestado, não haveria necessidade de assentimento de agentes do Banco Del Paraná para a abertura delas ou para a sua movimentação. A responsabilidade dos agentes do Banco Del Paraná ainda poderia decorrer do assentimento de que a conta CC5 do Banco Del Paraná recebesse, no Brasil, os recursos provenientes das contas das pessoas interpostas. Entretanto, mesmo quanto a esse ponto, não há prova nos autos de que os agentes do Banco Del Paraná tinham conhecimento específico sobre esta fraude, ou seja, de que os doleiros utilizavam este estratagema no Brasil.

43. No já referido relatório de auditoria do Banestado sobre o Banco Del Paraná consta a seguinte conclusão quanto à responsabilidade do Banco Del Paraná sobre eventual passagem em sua conta de recursos ilegais investigados pela conhecida CPI dos Títulos Públicos ou dos Precatórios:

"Não há como afirmar ou negar peremptoriamente, o envolvimento do Banco Del Paraná no processo de lavagem de dinheiro, pelo simples fato de que, da forma como a instituição opera no MLC, não há como identificar a origem dos recursos." (fl. 312).

44. Da sentença prolatada na ação penal 2004.7000032595-4, extraio o seguinte trecho de relatório interno do Banco Del Paraná, que, lamentavelmente, não consta nestes autos desmembrados, desta feita por falha da Defesa:

"Com relação às operações em reais com depósito com cheques identificados, segundo os registros do Banco Del Paraná S/A, foram realizadas e liquidadas com casas de câmbio paraguaias, mas que quando analisados os registros do Banestado através do presente trabalho, observa-se que, no período analisado de julho até dezembro/97, os depósitos foram feitos com cheques sacados notadamente por titulares de contas correntes do Banestado de Foz do Iguaçu, relacionados como um exemplo na alínea 4.1 [esclareça-se, os laranjas], com os quais o Banco Del Paraná S/A não tem feito qualquer transação nessas datas; contudo têm sido registrados ao nome dessas pessoas no Sisbacen como se as operações tinham sido feitas com elas.

O Banco Del Paraná não tinha conhecimento deste procedimento, na convicção de que os depositantes sempre foram seus clientes, casas de câmbio, pelo fato de que estas casas de câmbio apresentavam os talões que justificavam os depósitos feitos por elas na conta n.º 30960/0 do Banco Del Paraná S/A no Banestado de Foz do Iguaçu.

(…)

Contudo, e reiterando o expressado na alínea 4.1, acedendo aos registros do Banestado de Foz do Iguaçu, constatou-se que no Sistema Sisbacen tem-se a informação de que os depósitos feitos na conta n.º 30960/0 do Banco Del Paraná, com cheques sacados pelas referidas pessoas titulares de contas correntes do Banestado, têm sido em cumprimento de operações supostamente feitas por essas pessoas com o Banco Del Paraná S/A, fato que não coincide sob qualquer consideração com os registros do Banco Del Paraná S/A, em razão de que nesses dias as operações foram feitas pelas casas de câmbios paraguaias e não com essas pessoas desconhecidas e alheias ao Banco Del Paraná S/A." (fl. 118)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

45. Segundo dele se depreende, os registros do Banco Del Paraná não apontavam que os depósitos na conta CC5 eram feitas por contas abertas em nome das pessoas interpostas:

46. Tal desconhecimento foi afirmado pelo acusado Ramon e ainda pelas testemunhas de defesa, dentre elas Jair Frohmolz, gerente da sucursal do banco Del Paraná em Pedro Juan Caballero:

"Juiz Federal: Por exemplo, senhor Jair, a acusação aqui contra o Banco Del Paraná, em parte é motivada porque a conta CC5 do Banco Del Paraná teria recebido aí depósitos, quase em sua totalidade, provenientes de contas correntes comuns titularizadas em nome de laranjas, não havia, havia a possibilidade, ou melhor, havia alguma espécie de mecanismo de controle em que eles sabiam, poderiam saber que esse dinheiro estava vindo de contas laranjas ou não?

Jair: No Banco Del Paraná não tinha. Essa checagem deveria ter sido feita, deveria ser feita no Banestado em Foz do Iguaçu, eles que tinham o depositante na sua frente naquele momento." (fl. 407)

47. Não muda significativamente o quadro o depoimento da principal testemunha de acusação no caso, o doleiro Alberto Youssef. Este afirmou em Juízo que realizava pagamentos de vantagem indevida a agentes do Banco Del Paraná para obter cobertura em dólares para suas operações de câmbio (fl. 361-verso). Entretanto, segundo a testemunha, a remuneração estava mais propriamente ligada à obtenção de vantagem competitiva em relação aos seus concorrentes no mercado de câmbio do que a qualquer envolvimento dos agentes do Banco Del Paraná nas atividades ilícitas do doleiros (fls. 361-362). Quanto à específica participação dos agentes do Banco Del Paraná, especificamente do acusado Ramon, nas fraudes envolvendo as contas de pessoas interpostas, a testemunha o eximiu de responsabilidade:

"Juiz: Esse pessoal da mesa de câmbio do Banco Del Paraná tinha relação com as contas laranjas?

Alberto: Não. Eles não tinham relação com as contas laranjas, nenhuma. A relação deles era só a questão de nos beneficiar na fatia da cobertura maior do que a dos outros.

Juiz: Ninguém era responsável pela abertura de conta lá?

Alberto: Não. Banco Del Paraná não.

Juiz: Eles não tinha conhecimento dessas contas laranjas? O pessoal do Banco Del Paraná? O Ramon, o Fábio?

Alberto: Eu acredito que tinham… O Fábio por exemplo tinha porque o Fábio chegou a agenciar alguns laranjas, inclusive. O Ramon não, mas o Fábio sim.

Juiz: O Fábio agenciou laranjas?

Alberto: Agenciou.

Juiz: O Ramon não?

Alberto: Não.

Juiz: O senhor conversava com eles, ou com o Fábio ou com o Ramon, a respeito dessas contas?

Alberto: Não. Com o Fábio eu conversava, com o Ramon não. Com o Ramon eu sempre conversei a nível de preço de dólar e valor da cobertura que ele nos repassaria no dia." (fls. 362 e 362-verso)

48. É certo que, sendo os recursos advindos das contas de pessoas interpostas depositados na conta CC5 do Banco Del Paraná, deveria existir no Banco Del Paraná um sistema de controle sobre esses depósitos, a fim de constatar a sua efetivação para fechamento da operação de câmbio de venda dos dólares ao doleiros. Entretanto, não há nos autos maiores informações sobre a natureza desse sistema de controle, especificamente se ele permitia aos agentes do Banco Del Paraná a visualização não só da entrada dos recursos na conta CC5, mas também de sua específica origem, ou seja, de que advinha de conta titularizada por pessoa interposta. Caso fosse um controle sobre o extrato da conta CC5, por exemplo, não necessariamente haveria identificação da origem do depósito. Observa-se ainda que, mesmo que houvesse a identificação do depositante, seria de se questionar se o Banco Del Paraná teria condições de distinguir a origem como sendo proveniente de conta de pessoa interposta controlada pelo próprio doleiro ou como proveniente de conta titularizada por cliente do doleiro.

49. Todas essas provas são questionáveis, considerando que tratam-se de auditorias e relatórios promovidos pelas próprias instituições financeiras envolvidas nos fatos e que Alberto Youssef, notório criminoso, não é, apesar da delação premiada, testemunha de elevada credibilidade.

50. Apesar disso, é evidente que tais provas não podem ser simplesmente ignoradas. Aliás, o depoimento de Alberto Youssef é prova que foi produzida pela própria acusação, tendo o MPF nela se embasado no decorrer do processo em relação aos co-acusados. Nessas condições e considerando ambas em conjunto, é forçoso concluir pela existência de prova apta a gerar uma dúvida razoável quanto à participação ativa e consciente de Ramon Ramirez Zarate nos fatos delitivos e pela ausência de uma prova conclusiva quanto a sua participação consciente nos fatos delitivos. Não há dúvidas de que ele tinha conhecimento da atuação do Banco Del Paraná no mercado de câmbio negro brasileiro, da utilização da conta CC5 do Banco Del Paraná para essa finalidade, mas não há provas suficientes de que teria participado ou mesmo tido ciência, ao tempo dos fatos, da utilização no Brasil pelos doleiros de contas correntes abertas em nome de pessoas interpostas, os laranjas, para realizar depósitos na conta CC5 do Banco Del Paraná. Como é este especificamente, o elemento fraudulento que contaminou a licitude das remessas ao exterior via contas CC5, ele deve ser absolvido por insuficiência de provas. Ressalve-se que tal conclusão, baseada no quadro probatório, restringe-se ao caso concreto, que tem por objeto transferências bancárias realizadas diretamente das contas correntes de pessoas interpostas para a conta CC5 do Banco Del Paraná, não se estendendo a outras situações ou outros possíveis esquemas fraudulentos envolvendo a conta CC5 do Banco Del Paraná e que estejam eventualmente sub judice.

III. DISPOSITIVO

51. Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE a pretensão punitiva.

52. Absolvo, por falta de prova suficiente para a condenação (artigo 386, VII, do CPP), o acusado Ramon Ramires Zarate.

53. Custas pelo Estado.

54. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, realizando as comunicações necessárias.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Curitiba, 16 de dezembro de 2009.

Sergio Fernando Moro
Juiz Federal

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