RETROSPECTIVA 2009

CNJ fez grande diferença no Judiciário

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

23 de dezembro de 2009, 10h47

Este texto sobre Administração da Justiça faz parte da Retrospectiva 2009, série de artigos sobre os principais fatos nas diferentes áreas do Direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina. 

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A vida moderna nos dá algumas vantagens. Uma delas é o acesso a informações de toda espécie. E entre elas, as notícias da Justiça. Aprovando ou discordando, o fato é que hoje podemos saber mais, muito mais, do que há 20, 50 ou 100 anos. No passado, o Judiciário era um mistério impenetrável, com poucos privilegiados iniciados. Hoje, através da internet, da transparência dos atos administrativos, da publicidade das decisões e da mídia, tudo se discute. Com ou sem razão. Mas se discute. E isto é ótimo.

E como foi o ano judiciário de 2009? Foi de mudanças, como tudo ou quase tudo na atualidade. Vejamos os tópicos principais. A começar pelo que, dele, mais se reclama: a morosidade. E aí não há muito a festejar. A explosão de processos tornou Juizados, Varas e Tribunais assoberbados. O sistema, para usar uma palavra da moda, tornou-se insustentável. E as Súmulas vinculantes, que atingiram em dezembro o número de 21, pouco mudaram na rotina forense. E pensar que tanto se discutiu sobre o tema. Não sei porque me vem à lembrança a obra de Shakespeare “muito barulho por nada”.

A demora nos julgamentos não terminará por uma ou duas medidas paliativas. A Constituição de 1988 introduziu quatro instâncias no Brasil e dispôs que o acesso ao Judiciário é amplo e irrestrito, impedindo instâncias prévias administrativas. A partir daí, solução não há a curto ou médio prazo. Medidas incidentais podem reduzir o problema. Por exemplo, a necessidade de repercussão geral para levar uma causa ao STF. Ou alterações no processo civil. Mas não passarão de paliativos. É tratamento homeopático onde se precisa de cirurgia. A solução só virá depois do caos.

Mas, apesar da morosidade, boas e novas práticas tornaram-se realidade. Por exemplo, em 30 de janeiro, a revista eletrônica ConJur noticiava que o sistema RENAJUD, que permite acesso à propriedade de veículos em todo território nacional, impediu a venda de 9.281 veículos. São 9.281 credores com possibilidade de penhora em bens do devedor.

No item inovações, a figura central é o CNJ. É óbvio que presidentes de Tribunais, quando se revelam bons gestores, podem fazer muito pelo aperfeiçoamento da Justiça. Mas só o CNJ, como órgão executor das políticas públicas, pode alterar as estruturas, pode corrigir distorções seculares, pode interferir em práticas condenáveis.

Neste campo, a atuação do CNJ tem se revelado exemplar. Sua Corregedoria pôs à mostra o muito de errado que existe em alguns Tribunais. Não todos, não se pode generalizar de forma alguma. Mas em alguns as coisas andam mal e medidas drásticas se impunham. E neste particular, por iniciativa da Corregedoria Nacional e com o apoio de todos os membros do Conselho, tocou-se onde nunca se tocava. Até corregedor-geral da Justiça foi afastado, por ter se omitido na investigação de infrações praticadas por juízes. As atas da Corregedoria, que podem ser acessadas no site do órgão (www.cnj.jus.br), relatam fatos assustadores.

Mas o CNJ não é mero órgão disciplinar. Sua ação se estende a outros campos, com sucesso. Na área do sistema carcerário, fez em 2009 o que nunca ninguém fez no Brasil: levantou a vida de milhares de presos e promoveu a correção de sistemas medievais, como prisões sem o mínimo respeito aos Direitos Humanos ou penas vencidas há meses ou anos.

O programa “Justiça em Números” deu ao Brasil a radiografia de sua Justiça. Por ele é possível acompanhar os dados existentes em cada Tribunal, a estrutura, o número de casos distribuídos e julgados. A premiação de boas práticas (Projeto Innovare), o “Conciliar é Legal”, este ano fortalecido, e a edição de Recomendações e Resoluções (v.g., para os concursos da magistratura) são medidas elogiáveis.

O CNJ é a grande diferença no Judiciário nacional. Pode-se criticá-lo por isso ou aquilo, inclusive com razão. Mas, no conjunto, é ele o grande órgão de mudança, a única via de uma transformação profunda e nacional.

Prosseguindo na análise de 2009, recente escândalo com filmes revelando o recebimento de dinheiro por altas autoridades do Executivo e do Legislativo do Distrito Federal, confirmam o que todos já sabem: nas altas esferas ninguém tem o mínimo receio do processo penal, da pena de prisão ou de outra qualquer. Pessoas nesse nível de poder receiam não se eleger, deixar o partido ou perder os direitos políticos. Mas, do ponto de vista penal, sabem que a ação penal nos Tribunais, por prerrogativa de foro, garante-lhes a impunidade. Quem sabe isto mude em 2010, em 2020 ou 2030.

No sobe e desce do prestígio e poder das instituições, a Defensoria Pública fortaleceu-se sobremaneira com a Lei Complementar 132/09. Espera-se que os pobres deste país sejam os grandes beneficiados. O “amicus curiae” tornou-se uma figura reconhecida nas grandes ações. No STJ a grande novidade na área administrativa foi a digitalização dos processos em andamento. Na área jurisdicional, uma grande quantidade de acórdãos revela a preocupação e o fortalecimento do Direito Ambienta. E no apagar das luzes do ano em curso (ConJur, 21.12.2009), o STJ suspende o andamento de mais uma ação contra o banqueiro Daniel Dantas, sinalizando que a chamada Operação Satiagraha ainda dará muito o que falar.

A Justiça Federal recebeu mais 230 Varas e deve espalhar-se por cidades mais distantes. No entanto, os Tribunais Regionais Federais não crescem em número ou tamanho, ficando a pirâmide com uma base cada vez maior e a cúpula sempre igual. O mesmo deve ser dito, até com maior gravidade, das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais. A Justiça do Trabalho alargou sua competência e estrutura. Os bons vencimentos pagos aos seus servidores e a informatização tornaram-na mais célere e respeitada.

A Justiça dos Estados segue com altos e baixos, mas o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul continua sendo o melhor modelo a ser seguido. O maior Tribunal do país, o TJ de São Paulo, elegeu Antonio Carlos Vianna Santos para o biênio 2010-2011. A trajetória do eleito, que foi presidente da APAMAGIS e da AMB, permite esperanças de avanços e modernização.

A região Norte do país, pela ação elogiável dos artistas Victor Fasano e Cristiane Torloni , deve receber três Varas Ambientais, em Manaus, Belém e Porto Velho. Os artistas globais entregaram ao Presidente do STJ, em 30 de novembro, pedido de proteção à Amazônia assinado por nada menos que 1 milhão de brasileiros. Varas Federais Ambientais, que já existem nas capitais do sul há cerca de 5 anos, não serão a solução, mas darão uma boa ajuda.

Com relação aos julgamentos, da primeira à última instância, muito de importante ocorreu em 2009. O STF esteve nos meios de comunicação com destaque. A começar pela nomeação do Ministro Dias Toffoli, que sucedeu Carlos Direito, precocemente falecido. A juventude do indicado e a falta de titulação acadêmica suscitaram críticas. Mas só o tempo dará a resposta, pois, à exceção dos juízes de carreira cujo passado permite que se anteveja o futuro, nunca há garantia de que alguém, com todos os título do mundo, seja um bom Ministro.

O STF decidiu o polêmico caso da “Raposa Serra do Sol”, em Roraima. O pedido acabou se tornando um marco na questão indígena. O julgamento foi precedido de visita do Relator ao local, audiência pública, ouvida de cientistas e outras medidas incomuns. Terá repercussões em todas as ações envolvendo Direitos Indígenas, inclusive porque disciplinou em 19 itens princípios sobre a matéria.

No caso Cesare Battisti a decisão do STF não foi absorvida com facilidade. A Itália reclama com veemência a extradição de seu cidadão, lá condenado por graves crimes. Mas ele foi considerado preso político e teve e extradição negada pelo Ministro da Justiça. Provocado, o STF decidiu que ele deve ser extraditado, mas que cabe ao Presidente da República a decisão final. Se assim é, o STF atuou como um órgão de consulta. E se a comunidade jurídica não entendeu bem a decisão colegiada, imagine então a sociedade como um todo. Decisões judiciais, ensinam as Escolas da Magistratura, devem ser simples, objetivas, claras e diretas.

No caso da censura ao jornal “O Estado de São Paulo”, as críticas ao STF não procedem. Na verdade, o inusitado ficou por conta da decisão do TJDF, que dando-se por incompetente, manteve a liminar que impedia qualquer referência ao investigado. Isto significa dizer que um juiz não pode decidir um caso porém, mesmo assim, mantém-se o que ele decidiu no mesmo processo. Mas o STF não entrou no mérito da questão, apenas concluiu que o precedente invocado para pedir a reforma (ADPF 130) não guardava relação com o processo em análise. É uma decisão técnica, de todo justificável. O novo nisto tudo é que o investigado desistiu da ação (ConJur, 18.12.2009), depois do jornal ficar censurado por 140 dias. O precedente abre uma brecha no que há de mais salutar para a democracia, ou seja, a liberdade de imprensa.

No Ministério Público Federal, o procurador Antonio Fernando de Souza deixou o comando da instituição, após conduzi-la com equilíbrio e coragem Foi sucedido em 22 de julho por Roberto Gurgel. O novo Procurador-Geral é antigo e respeitado membro da carreira, o que dá a certeza de que se prossiga na mesma linha de ação . No Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, a mudança de alguns membros, principalmente do novo Corregedor-Geral, revela uma atuação mais próxima do CNJ, o que é bom.

Na Segurança Pública, o Brasil continua em má situação. A começar pela disputa na condução das investigações, fonte de disputa entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária. Além disto, a falta de um Conselho Nacional, na forma do CNJ e do CNMP, faz com que atritos persistam, não sendo raro investidas da Polícia Militar e da Polícia Rodoviária Federal em área reservada à Polícia Judiciária. Além disto tudo, a maioria dos estados não profissionaliza seus policiais civis e militares, descuida-se na capacitação, no fornecimento de boa estrutura de trabalho e, por vezes, nos vencimentos. Com isto, a motivação se torna difícil e a auto-estima é, por vezes, abaixo do aceitável. Tudo isto vem fazendo com que, nas grandes cidades, aumente a criminalidade e as zonas de conflito , configurando, por vezes, verdadeira guerrilha urbana. O estado está perdendo a guerra para o crime organizado.

Assim vai o breve relato das atividades do Judiciário e instituições paralelas no ano de 2009. Se o início de cada ano revela certo otimismo pela vinda do novo, façamos votos de que, ao fim de 2010, as conclusões sejam mais otimistas.

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