RETROSPECTIVA 2009

Leis da propriedade intelectual precisam de revisão

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22 de dezembro de 2009, 9h19

Este texto sobre Propriedade intelectual faz parte da Retrospectiva 2009, série de artigos sobre os principais fatos nas diferentes áreas do Direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

 

Spacca
Juliana Viegas - interna - Spacca

O escopo deste artigo é o de descrever, em linhas gerais e sem pretensão a uma análise mais profunda, os temas que têm sido objeto de discussões e debates no âmbito da propriedade intelectual no Brasil neste ano de 2009.

Quando nos referimos à propriedade intelectual, abrangemos todas as criações do intelecto e sua proteção legal, desde obras como livros, música, filmes e todas as formas de arte, até criações destinadas a usos comerciais, tais como sinais distintivos (marcas, nomes empresariais e de estabelecimentos, nomes de domínio), criações industriais (como patentes, desenhos industriais), software, cultivares, topografias, tecnologias, segredos de negócio e conhecimentos tradicionais.

Hoje já não há mais dúvida de que a propriedade intelectual é o ativo mais valioso das empresas e das nações. As inovações tecnológicas são a grande força propulsora do crescimento econômico, e a propriedade intelectual, como forma de proteção dessa inovação tecnológica, adquire uma relevância ímpar. Ao mesmo tempo, a legislação da propriedade intelectual nunca esteve tão sujeita a necessidade de revisões e atualizações decorrentes da adoção de novas tecnologias da informação e da comunicação, e nunca esteve antes no epicentro de tantas discussões políticas, decorrentes, de um lado, da necessidade de proteger os direitos dos criadores — como estímulo à criação intelectual e à inovação tecnológica — e, de outro lado, do interesse político de atender às necessidades da sociedade, para que os avanços tecnológicos e os bens intelectuais possam ser aproveitados e beneficiem a população como um todo.

Ao mesmo tempo, o crescente reconhecimento do grande valor econômico da propriedade intelectual começa a gerar, nas empresas brasileiras, um fenômeno que já existem algum tempo nas economias mais desenvolvidas, qual seja, o aproveitamento econômico dos ativos imateriais. Estudiosos da propriedade intelectual identificaram as várias fases pelas quais passa a visão da propriedade intelectual por parte das empresas: de uma primeira fase, em que a propriedade industrial é encarada como uma mera proteção – conveniente ou obrigatória – contra terceiros, e portanto um simples centro de custos, até a fase em que a empresa passa a reconhecer o valor dos ativos imateriais como fonte de receita – seja mediante licenciamento ou comercialização por meio de leilões, seja como garantia para financiamentos ou para captação de recursos por meio de securitização desses ativos, seja como poderoso atrativo no caso de fusões ou aquisições.

Desta forma, a politização da propriedade intelectual e sua valoração econômica são duas das principais tendências atuais desse ramo do direito como veremos a seguir.

A Politização da propriedade intelectual
Uma das questões mais sensíveis na arena da propriedade intelectual, nos últimos tempos, é o difícil equilíbrio que deve existir entre a proteção legal aos interesses comerciais dos titulares de bens intelectuais, e o interesse e bem estar da população. Esta tensão entre o interesse público e os interesses privados dos titulares de ativos de propriedade intelectual se acentuou desde a promulgação do Código Civil de 2002 e a consagração da função social da propriedade. O potencial conflito se revela mais acentuado em áreas sensíveis como:

(i) O acesso do povo a medicamentos, gerando acaloradas discussões sobre a conveniência e os perigos de um uso político do instituto da licença compulsória;

(ii) A disponibilização de livros didáticos a estudantes, levando a propostas de eventual alteração da lei de direitos autorais;

(iii) A proteção ambiental e as tecnologias de combate às mudanças climáticas, incentivando países em desenvolvimento a pleitearem acesso facilitado a tecnologias de países desenvolvidos.

Em alguns círculos governamentais há uma percepção de que a propriedade intelectual beneficia principalmente multinacionais ou empresas de grande porte, em detrimento das pequenas e médias empresas nacionais, que se vêm privadas de usar determinados avanços tecnológicos, exceto mediante pagamento de royalties, e em detrimento da população em geral que é obrigada a pagar preços elevados por produtos patenteados. Esta percepção tende naturalmente a criar um ambiente desfavorável ao reconhecimento de proteção patentária a certas invenções como, por exemplo, segundos usos de medicamentos existentes.

Por outro lado, é imperativo reconhecer-se que o sistema de propriedade intelectual representa um potente estímulo à inovação tecnológica e à criação intelectual, promovendo a disseminação dos avanços científicos e tecnológicos mediante a revelação requerida pelo depósito patentário, combatendo a concorrência desleal e contribuindo positivamente para a economia nacional assegurando um ambiente propício ao recebimento de investimentos e de tecnologia externos. Ao contrário, a ausência de uma legislação clara de proteção à propriedade intelectual e de um sistema seguro para fazer valer os direitos assegurados por essa legislação, desestimulam não só a criatividade interna como os investimentos estrangeiros.

A crescente importância econômica da propriedade intelectual, acoplada ao crescente comércio internacional, levaram ao uso dos bens imateriais como moeda de troca em possíveis retaliações cruzadas decorrentes de decisões no âmbito da Resolução de Controvérsias da OMC. Isto é, se um país membro da OMC descumprir uma decisão adotada pelo sistema de Resolução de Controvérsias, o país prejudicado pode pleitear uma compensação, geralmente a ser aplicada na mesma área econômica que gerou a controvérsia, mas não havendo essa possibilidade, a compensação pode ocorrer em outra área, inclusive em matéria de propriedade intelectual. Ainda não utilizada efetivamente pelo Brasil (que já a solicitou à OMC em razão da disputa contra os subsídios outorgados pelos Estados Unidos aos produtores de algodão), essa possibilidade de retaliação cruzada, mediante suspensão da proteção aos bens de propriedade intelectual de titulares do país a ser punido ou dos royalties devidos aos mesmos, tem sido objeto de muita especulação e críticas, por prejudicar setores e atores totalmente alheios à disputa.

Outro sintoma da politização das questões ligadas à propriedade intelectual é a proposta à OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual, liderada pelo Brasil e pela Argentina, e com a participação de aproximadamente vinte outros países em desenvolvimento, de uma Agenda para o Desenvolvimento.

O propósito dessa Agenda – entre outros – é o de exigir que a OMPI adote medidas apropriadas para estimular a transferência de tecnologia de países desenvolvidos para países em desenvolvimento. Entre outras, a Agenda para o Desenvolvimento inclui recomendações para que a OMPI:

} Desenvolva, adote e promova princípios sobre desenvolvimento, diretrizes e boas práticas sobre transferência de tecnologia que, dentre outros:

(i) torne possível uma cooperação tecnológica dinâmica entre países desenvolvidos e em desenvolvimento;

(ii) torne possível que países em desenvolvimento tenham acesso a tecnologias de países desenvolvidos; (…)

} Formule recomendações sobre políticas e medidas que países industrializados possam adotar para a promoção de transferência e disseminação de tecnologia para países em desenvolvimento.

É clara, portanto, a preocupação dos países em desenvolvimento, e do Brasil em particular, em estimular a importação de tecnologias dos países desenvolvidos. Este, porém, é o discurso externo da política nacional.

Internamente, a situação é bastante diversa. A empresa brasileira que queira importar tecnologia do exterior depara-se com (a) um processo burocrático que pode vir a interferir na própria negociação do contrato de licença ou de fornecimento de tecnologia e (b) uma carga tributária pesada e complexa.

É uma contradição resultante da evolução histórica do processo de aquisição de tecnologia estrangeira pelas empresas brasileiras.

As novas formas de valoração econômica da propriedade intelectual
As tradicionais formas de extrair valor dos ativos de propriedade intelectual são a sua exploração pelos próprios titulares, as cessões (vendas) desses bens e o seu licenciamento a terceiros mediante pagamento de royalties.

Entretanto, novas formas, até pouco tempo atrás desconhecidas, de usar economicamente esses ativos, têm aparecido, principalmente no mercado norte-americano. Entre elas destacam-se os leilões de bens de propriedade intelectual como método de comercialização de portfólios desses bens, suas avaliações por métodos mais sofisticados, e o aproveitamento do valor desses ativos de propriedade industrial como garantias de outros negócios, bem como mediante securitização de marcas. No XXIX Seminário e Congresso de Propriedade Intelectual da ABPI, realizado no Rio de Janeiro em agosto deste ano, um dos painéis mais concorridos foi justamente o que tratou de securitização de marcas, por ser um tema recente, pouco conhecido, e de grande potencial prático.

Segundo o Dr. Francisco Müssnich, que discorreu sobre esse tema,
as duas formas de otimizar a utilização dos ativos de PI são (i) a prestação de garantia para a obtenção de financiamentos e (ii) a securitização. No caso da prestação de garantia, a própria marca ou patente poderá ser utilizada como bem objeto da garantia em contratos de financiamento. É possível dar em garantia, também, os recebíveis relacionados à marca ou à patente, a exemplo dos royalties a receber. E, mesmo enquanto dura o financiamento, o titular da marca ou patente continua a ter controle direto sobre seus ativos de PI, incluindo os royalties originados pela exploração.

Já no caso da securitização, não se trata, a bem da verdade, de prestação de garantia, mas sim de antecipação das receitas dos créditos a receber, o que não deixa de ser uma espécie de financiamento. “A securitização já é largamente utilizada no Brasil em diversos setores, a exemplo do mercado imobiliário, em que é comum a emissão de CRIs – certificados de recebíveis imobiliários.”

Como reconhecimento do crescente valor dos bens intangíveis, novas normas de contabilização desses ativos foram implementadas em 2008, para adequação dessas normas aos padrões internacionais. Não há, entretanto, uma única metodologia para avaliação de ativos intangíveis e, entre as possíveis abordagens para se chegar a uma avaliação com base em mercado, surgiram leilões de bens de propriedade intelectual, implementados por empresas norte-americanas originalmente especializadas em avaliação de bens imateriais, e índices de valor patrimonial – baseados no valor de direitos de propriedade intelectual corporativa – em Bolsas de Valores.

Por ocasião do XXVIII Seminário Nacional de Propriedade Intelectual da ABPI, realizado em São Paulo em agosto de 2008, o tema de avaliação de ativos intangíveis foi objeto de duas palestras, por parte de Ana Cristina França de Souza, que abordou o assunto do ponto de vista da legislação nacional, e por parte de Raymond Millien, que discorreu sobre a visão norte-americana da avaliação patrimonial de bens intangíveis (Anais do XXVIII Seminário da ABPI, págs. 133 a 142).

Ainda assim, a maneira mais usual de extrair receita de bens de propriedade intelectual ainda é seu licenciamento e/ou a transferência de tecnologia, o que, no Brasil, passa pela necessidade de averbação ou registro dos respectivos contratos pelo INPI.

Há muito tempo discute-se a legitimidade e a conveniência do INPI de analisar e eventualmente exigir alterações nos contratos de fornecimento de tecnologia e de licenciamento de bens de propriedade industrial, que foram livremente pactuados entre as partes. Entretanto, o INPI continua, até hoje, com a função de registrar ou averbar contratos de transferência de tecnologia e de licenciamentos, inclusive franquias, função essa na qual, por vezes, interfere na própria negociação entre as partes contratantes, reduzindo pagamentos ou exigindo alteração de cláusulas contratuais.

Não nos parece justificável a continuidade desse controle e dessa intervenção estatal, nesta fase do desenvolvimento do Brasil, de suas empresas e de seus empresários. A atuação do INPI neste campo tem sido objeto de questionamentos judiciais, e dois acórdãos recentes da 2ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região trazem decisões diametralmente opostas. Um primeiro acórdão (TRF 2ª Região, 2ª Turma Especializada, Ap. em Mandado de Segurança 2006.51.01.5116700, rel. Des. Fed. Liliane Roriz, 21/10/2008) decidiu no sentido de confirmar a competência do INPI para “reprimir cláusulas abusivas” nos contratos submetidos à averbação ou registro, declarando que:

“1. A atuação do INPI, ao examinar os contratos que lhe são submetidos para averbação ou registro, pode e deve avaliar as condições na qual (sic) os mesmos se firmaram, em virtude da missão que lhe foi confiada por sua lei de criação, a Lei nº 5.648, de 11/12/1970. A meta fixada para o INPI é, em última análise, a de dar efetivação às normas de propriedade industrial, mas sem perder de vista a função social, econômica, jurídica e técnica das mesmas e considerando sempre o desejável desenvolvimento econômico do país.

2. A Lei nº 9.279/1996 somente retirou do INPI, ao revogar o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 5.648/70, o juízo de conveniência e oportunidade da contratação, ou seja, o poder de definir quais as tecnologias seriam as mais adequadas ao desenvolvimento econômico do País. Esse juízo, agora, é unicamente das partes contratantes. Persiste, todavia, o poder de reprimir cláusulas abusivas, especialmente as que envolvam pagamentos em moedas estrangeiras, ante a necessidade de remessa de valores ao exterior, funcionando, nesse aspecto, no mínimo como agente delegado da autoridade fiscal.”

Outro acórdão (TRF 2ª Região, 2ª Turma Especializada, ap. em Mandado de Segurança 71138 2007.51.01.800906-6, rel. Des. Fed. Messod Azulay Neto, 28/04/2009) decidiu em sentido contrário:

“I – Ora, a atribuição do INPI para averbar contratos que envolvam cessão de patentes, marcas e transferência de tecnologia, prevista nas leis de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), de remessa de dividendos para o exterior (Lei nº 4.506/64) e do Imposto de Renda (Lei nº 4.506/64 e Dec. nº 3.000/99), tem por escopo: (1) conferir eficácia contra terceiros, sem prejuízo dos efeitos já produzidos inter-partes, desde a assinatura; (2) permitir a remessa de pagamento para o exterior, a título de royalties; e (3) permitir a dedutibilidade fiscal de valores remetidos para o exterior.

II – Da leitura dessas leis, e das demais que versam sobre as atividades econômicas no país, não se extrai nenhum dispositivo que delimite valores ou percentuais a serem praticados pelas partes, no âmbito de seus interesses industriais e produtivos, denotando que as diretrizes econômicas do país, após o advento da constituição de 1988, têm sido todas no sentido de primar pela livre iniciativa e concorrência de mercados, com ampla abertura ao capital estrangeiro, a partir da década de 90.

III – De modo que, diante do quadro legislativo vigente, não pode o INPI, a seu exclusivo critério, adentrar o mérito de negociações privadas, para impor condições, a seu exclusivo critério, valendo-se de percentual engendrado para outros fins – de dedutibilidade fiscal – resultando, ao meu sentir, em erro invencível na aplicação da lei, A uma, por inexistência de atribuição para tal ingerência. A duas, por inexistência de norma ou política pública de delimitação de preços. A três, por se tratar de ato de pura especulação dada a absoluta falta de conhecimento técnico da Autarquia das políticas de preços de mercado e seus reflexos na produção, existindo, como se sabe, entes federativos especialmente aparelhados para tal fim. E a quatro – porque sob a égide de um estado de direito e da livre iniciativa não cabe ao aparelho do estado intervir onde as partes não se sentem prejudicadas, sob pena de substituir-se o império da lei, pelo do assistencialismo.

IV – Recurso provido.”

Parece-me chegado o tempo de rever, de fato, não só a atuação do INPI neste campo, como também a legislação fiscal que trata da dedutibilidade dos pagamentos de royalties e de remuneração por fornecimento de tecnologia, bastante antiga e defasada.

Estímulos à inovação
A necessidade da inovação é indiscutível e inquestionável. O próprio governo brasileiro já abraçou essa idéia ao promulgar a Lei Federal da Inovação, em fins de 2004, a Lei dos incentivos fiscais à inovação (Lei do Bem) em 2005 e Política de Desenvolvimento Produtivo – PDP, lançada em maio de 2008.

Nota-se claramente, na PDP, a grande preocupação com a pesquisa e desenvolvimento (P&D) tecnológicos. As quatro Metas-País detalhadas no PDP têm relação direta ou indireta com o estímulo à inovação: (i) a aplicação do investimento fixo; (ii) a elevação do gasto privado em P&D, (iii) a ampliação da participação das exportações brasileiras no conjunto das exportações mundiais (que passa pela maior competitividade das empresas nacionais, e, portanto, por um processo de atualização e inovação tecnológicas), e (iv) a dinamização do gasto privado em P&D, mediante o aumento do número de médias e pequenas empresas inovadoras com condições de tornar-se exportadoras.

A inovação depende de pesquisa. Nem todo processo de P&D resultará, necessariamente, em inovação comercialmente aproveitável, mas toda inovação sempre depende de um processo anterior de pesquisa, seja ela incremental ou de ruptura.

Todo processo de P&D somente é viabilizado por meio de investimentos, quer do governo, quer da iniciativa privada. Apesar de a PDP prever um incremento substancial nos financiamentos públicos à P&D, o próprio governo reconhece a imprescindibilidade dos investimentos privados no estímulo à inovação. Veja-se o que estabelece a PDP com relação ao estímulo à inovação:

“Para o objetivo de estimular a inovação, foi estabelecida uma meta para o dispêndio privado em pesquisa e desenvolvimento (P&D). O objetivo é captar os investimentos das empresas em atividades sistemáticas, destinadas a ampliar o estoque de conhecimentos e seu uso em novas aplicações. Além de produzir conhecimento novo, os investimentos em P&D das empresas aumentam sua capacidade de assimilar e explorar conhecimentos desenvolvidos externamente e empreender esforços inovativos.”

Ora, investimentos por parte da iniciativa privada somente serão feitos se houver garantia ou razoável expectativa de retorno financeiro, e eficiente proteção legal contra a concorrência desleal representada pelas cópias ilegais, pirataria e outros delitos contra a propriedade intelectual.

Tanto esse retorno financeiro quanto essa proteção só são assegurados por meio de um forte arcabouço legal de propriedade intelectual. Portanto, a conclusão óbvia é que a viabilização de um projeto nacional de incremento e incentivo à pesquisa e à inovação depende, primordialmente, de uma forte proteção legal à propriedade intelectual. No entanto, ainda debate-se, em certos círculos, se os direitos de propriedade intelectual são benéficos para países em desenvolvimento, debates esses, como já indicado acima, centrados principalmente nos aspectos de acesso a remédios e a saúde pública.

Os incentivos fiscais à inovação, implementados pela Lei do Bem e suas alterações posteriores e sua regulamentação são instrumentos importantes de estímulo à P&D, mas não são totalmente aproveitáveis pelas pequenas e médias empresas que optaram pelo regime de lucro presumido para fins de Imposto de Renda. Também nesse aspecto há campo para aperfeiçoamentos.

Tópicos de discussão em relação a marcas
Entre os vários tópicos discutidos recentemente na área de marcas, destacam-se os seguintes:

Adesão do Brasil ao Protocolo de Madri.
Tema que já foi objeto de discussões acaloradas há muitos anos, voltou ele à tona recentemente, tendo em vista que o INPI brasileiro tem feito esforços para aparelhar-se de forma a cumprir com os requisitos de prazos, publicações, línguas e demais exigências para adequação às normas do Protocolo. Com um maior volume de exportações brasileiras, um número crescente de empresas brasileiras sente a necessidade de proteger suas marcas no exterior. O acesso ao sistema de Madri permitiria a essas empresas brasileiras que depositassem suas marcas no exterior, em um único escritório (na OMPI, em Genebra), indicando em quais países desejam obter proteção marcária. Existiria uma possível redução de custos, e uma garantida redução de burocracia envolvidas nesse processo, se o Brasil viesse a adotar o sistema do Protocolo de Madri.

Imagina-se que esta adesão venha a se concretizar em um futuro não muito distante, razão pela qual os agentes de propriedade industrial devem, desde já, familiarizar-se com o sistema do Protocolo.

Admissão de marcas não tradicionais.
Como se sabe, a Lei de Propriedade Industrial brasileira (Lei 9279/96) exige que as marcas sejam “sinais distintivos visualmente perceptíveis”, o que, evidentemente, exclui marcas chamadas de “não tradicionais”, tais como as olfativas, as tácteis, as sonoras, as gustativas. Entretanto, em vários países marcas desse tipo têm sido aceitas e registradas, e cabe-nos estimular a discussão sobre a possível aceitabilidade desse tipo de marcas pela legislação brasileira.

No XXIX Seminário e Congresso da ABPI de agosto de 2009, no Rio, um dos painéis mais concorridos foi justamente o que discutiu a questão das marcas não-tradicionais.

A possível aceitabilidade dessas marcas é questão complexa, pois exigiria não só uma alteração legislativa, mas também uma regulamentação por parte do INPI para análise, busca, comparação com anterioridades e arquivamento dessas formas não tradicionais de identificação de produtos e serviços.

Formas de reconhecimento de notoriedade de marcas.
Nossa Lei de Propriedade Industrial reconhece que marcas de alto renome devem gozar de uma proteção especial, em todos os ramos de atividade. Entretanto, já não existe, no âmbito do INPI, um registro especial para marcas de alto renome, como existia, na vigência do antigo Código da Propriedade Industrial de 1971, para marcas notórias.

A proteção a marcas de alto renome, que só pode ser invocada incidentalmente em caso de oposição ou recurso contra pedidos de marcas idênticas ou semelhantes de terceiros, tem sido objeto de ações judiciais cuja finalidade é a de obter o reconhecimento dessa qualidade de alto renome, independentemente de haver colidências com pedidos de terceiros. Decisões divergentes têm sido emitidas, e este é, também, um tema que deveria ser pacificado para evitar insegurança jurídica.

Uso de marcas na Internet e no mundo virtual.
O enorme crescimento do uso da Internet e do comércio eletrônico tem obrigado as empresas a, cada vez mais, usarem de nomes de domínio para identificar seus negócios.

O uso de marcas como nomes de domínio na Internet tem trazido inúmeros problemas. O fato (i) dos registros de nomes de domínio e de marcas serem independentes; (ii) de não haver um sistema de verificação da prévia existência de marcas registradas no INPI e de sua titularidade antes do registro de nomes de domínio, e (iii) a inexistência do princípio da especialidade no âmbito dos nomes de domínio, são elementos complicadores do problema. Os registros indevidos de nomes de domínio idênticos a marcas de terceiros tem crescido, como forma especulativa de obter vantagens abusivas. Tais registros ilegítimos ou desleais podem ser atacados via sistema de solução de disputas da OMPI, quando sejam nomes de domínio internacionais, mas em caso de conflitos internos, nacionais, não há ainda um sistema administrativo ou alternativo de solução de controvérsias a não ser o judicial.

Para melhorar esta situação, aguarda-se, para breve, a regulamentação de um sistema de resolução de disputas não judicial, o que será muito bem-vindo para os titulares de marcas.

Tópicos de discussão em matéria de patentes
No campo das patentes, algumas preocupações têm sido objeto de discussões, tais como:

Crescente backlog de pedidos de patentes nos vários escritórios de registro de propriedade industrial do mundo.
O grande número de novas patentes depositadas ao redor do mundo e a maior complexidade das novas tecnologias provocam um congestionamento de pedidos de patente e um acúmulo crescente de pedidos ainda não analisados. Este fenômeno não é somente brasileiro, mas mundial, e discussões têm sido empreendidas sobre como resolver o problema.

Entre possíveis soluções, estão a regionalização dos exames, para evitar que pedidos idênticos tenham que ser examinados por vários escritórios de registro, com perdas de tempo e possíveis inconsistências de resultados. Esta solução, como é óbvio, não é de fácil implementação, considerando que implica em renúncia ao exame de mérito por parte de alguns escritórios, e aceitação de exames efetuados em outros países.

A harmonização de procedimentos dos escritórios de propriedade industrial regionais também é uma tendência, inclusive perseguida pelo próprio INPI, que tem se dedicado a estudar a estruturação de procedimentos consistentes entre escritórios da América Latina.

A patenteabilidade de segundos usos e de novas formas cristalinas.
A discussão sobre este tópico divide radicalmente as opiniões. A ABPI adotou posição coerente com aquela expressa pelo INPI, e emitiu uma Resolução, de nº 75, da qual são transcritos abaixo alguns pontos:

a) Considerando as obrigações assumidas pelo Brasil no âmbito da Organização Mundial do Comércio – OMC, em particular aquelas determinadas pelo Art. 27.1 do Acordo TRIPS, no sentido de que “qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial” e de que “as patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto a seu setor tecnológico”;

b) Considerando, portanto, que vedar o patenteamento de invenções de determinados tipos e/ou em áreas específicas, como a área médica ou farmacêutica, viola o princípio de não-discriminação de que trata o referido Art. 27.1 de TRIPS;

c) Considerando que os novos e inventivos usos e formas cristalinas não figuram entre as possíveis exceções à patenteabilidade dos parágrafos 2 e 3 do Art. 27 do acordo TRIPS;

d) Considerando que a Lei nº 9.279/96, Lei de Propriedade Industrial, dispõe em seu Art. 8º que é patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial;

e) Considerando que não há qualquer proibição à patenteabilidade de usos ou de formas cristalinas na Lei da Propriedade Industrial;

f) Considerando que outras áreas técnicas, que não a farmacêutica, possuem patentes para novo uso e nova forma cristalina, a não patenteabilidade de novos usos e novas formas cristalinas prejudicaria também as referidas áreas;

g) Considerando que patentes de uso em diversas áreas tecnológicas já fazem parte da prática jurídica nacional e internacional;

h) Considerando que os medicamentos destinados a um novo uso, bem como produtos contendo novas formas cristalinas, são considerados como novos produtos para efeitos de comprovação de eficácia e segurança, devendo, portanto, ser submetidos aos mesmos tipos de testes exigidos para as invenções originárias pela ANVISA;

i) Considerando que uma nova forma cristalina, bem como seu processo de preparação e a composição que a contém, são plenamente patenteáveis caso preencham os requisitos legais de patenteabilidade;

j) Considerando que as invenções de novos usos e de novas formas cristalinas estão em linha com a política de inovação do Governo brasileiro, estabelecida pela Lei da Inovação (Lei nº 10.973/04) e pela Lei do Bem (Lei nº 11.196/05), que vem promovendo incentivo à pesquisa e ao patenteamento de seus resultados;

k) Considerando que o Governo brasileiro tem envidado esforços em promover a inovação em todas as áreas, como forma de aumentar a competitividade das indústrias nacionais em um cenário de concorrência e de comércio cada vez mais globalizado;

l) Considerando que diversas universidades, institutos de pesquisa e empresas nacionais têm realizado pesquisa e desenvolvimento para novos usos e novas formas cristalinas e depositado pedidos de patente no INPI para proteger esses tipos de invenções;

m) Considerando que a pesquisa por novas moléculas é dispendiosa e geralmente inviável para a indústria nacional no momento atual e que, portanto, um caminho mais viável para a inovação reside em pesquisar produtos já existentes e buscar novos desenvolvimentos e invenções a serem patenteadas, como é o caso dos novos usos e das novas formas cristalinas;

n) Considerando que, pelos mesmos motivos expostos no item precedente, o patenteamento de invenções de novos usos ou de novas formas cristalinas não impede nem retarda a produção e o lançamento de medicamentos genéricos no país; e

o) Considerando que a concessão de patentes para novos usos e novas formas cristalinas, que preencham os requisitos legais de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, é necessária em vista das obrigações assumidas pelo Brasil decorrentes do Acordo TRIPS, em vista do que determina a Lei nº 9.279/96 e em vista dos interesses do País no que diz respeito à proteção de inovações desenvolvidas pela indústria nacional;

a ABPI firma a presente Recomendação, no sentido de:
1) reiterar a patenteabilidade dos novos usos de substâncias conhecidas, em particular dos novos usos médicos, e das novas formas cristalinas que preencham os requisitos legais de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial;

2) apoiar as diretrizes propostas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI no sentido de considerar patenteáveis os novos usos médicos e as novas formas cristalinas que preencham os requisitos legais de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial;

3) manifestar-se contra a posição firmada pelo Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual – GIPI, na Reunião Plenária do dia 01.12.2008, contrária à patenteabilidade de novos usos e novas formas cristalinas; e

4) rejeitar os Projetos de Lei nos 2511/2007 e 3995/2008, que tramitam em conjunto na Câmara dos Deputados e visam a proibir a patenteabilidade de novos usos e novas formas cristalinas, ou de qualquer Projeto de Lei com o mesmo objetivo.

A questão do licenciamento compulsório.
Tanto nossa legislação interna como os tratados internacionais de que o Brasil faz parte (Convenção da União de Paris – CUP e o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio – TRIPS) permitem o licenciamento compulsório de patentes em alguns casos pré-determinados. Este licenciamento compulsório, entretanto, não significa que a patente assim licenciada perca sua validade, como pode dar a entender o uso da expressão “quebra de patente”, totalmente inadequada. O licenciamento não cancela a patente, e, pelo contrário, sujeita o licenciado a pagamento de royalties ao titular da patente. Além disto, se o prazo do eventual licenciamento compulsório se encerrar antes do fim da validade da patente licenciada, a patente continuará em vigor pelo seu prazo de validade restante, com todos os direitos a ela inerentes.

O que ocorre quando o licenciamento compulsório é outorgado é a prevalência do interesse público (no sentido lato), isto é, da função social da propriedade, sobre a exclusividade proporcionada pela titularidade da patente. De fato, se de um lado a patente dá ao seu titular o direito de impedir que terceiros explorem o objeto ou o processo patenteado sem o seu consentimento, por outro lado – como toda propriedade – deve ela ser exercida “em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais” (conforme § 1º do artigo 1.228 do Código Civil de 2002). O próprio artigo 5º, inciso XXIX da Constituição Federal de 1988 estabelece que “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.” 

Quando a Lei de Propriedade Industrial brasileira (Lei 9.279, de 14 de maio de 1996 ou “LPI”), estabeleceu as várias hipóteses em que uma patente pode ser licenciada – sem o consentimento do seu titular – para terceiros interessados e capacitados a explorar seu objeto, para fins de interesse público, nada mais fez do que concretizar a função social da propriedade da patente. Entretanto, esse instituto deve ser usado de forma extremamente cautelosa, com muito critério, e dentro dos mais estritos requisitos legais, pois seu uso indiscriminado ou sem obediência aos parâmetros da lei pode gerar uma insegurança jurídica muito grande entre os titulares de patentes, provocando uma imagem negativa do País no exterior, como nação que não respeita os direitos de propriedade intelectual e pode, por via de conseqüência, desestimular investimentos em P&D no Brasil.

Questões relativas a direitos autorais
O desenvolvimento de novas tecnologias, principalmente as tecnologias da informação, de comunicação e reprodução de conteúdos trazem desafios ingentes para a proteção aos direitos autorais. A pirataria e a violação de direitos autorais foi potencializada por meio da comunicação de dados em alta velocidade. A facilidade de compartilhamento de arquivos prejudica enormemente os detentores de direitos sobre filmes, audiovisuais e músicas. Igualmente, a facilidade de obtenção de cópias reprográficas de textos prejudica os autores de livros e as editoras, principalmente com relação a obras didáticas.

Por outro lado, o acesso a textos de obras didáticas – por vezes muito caras e inacessíveis a estudantes – é um benefício a ser levado em consideração, num País em que a educação deve ser a principal prioridade.

A Lei de Direitos Autorais determina, em seu art. 46, que:

“Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

(…)

II – a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro.”

A ausência de uma definição sobre o que sejam pequenos trechos gera discussões acaloradas e acaba por prejudicar estudantes, uma vez que universidades se recusam a permitir cópias reprográficas mesmo de capítulos isolados de livros.

O Ministério da Cultura promoveu, este ano, vários Fóruns de discussões de temas ligados a direitos autorais, com vistas a sugerir alterações na Lei 9.610/98.

A propriedade intelectual nos esportes
Um dos fenômenos mais marcantes dos últimos tempos é a proteção e utilização da propriedade industrial por agremiações desportivas, como forma de geração de receitas adicionais.

A crescente importância da propriedade intelectual em eventos esportivos de grande porte, como Copas do Mundo, Olimpíadas e semelhantes levanta outro problema, que é o “marketing de associação ou de emboscada” ou ambush marketing, isto é, o aproveitamento desses grandes eventos para promoção de marcas de empresas que não são patrocinadoras oficiais dos eventos. Isto é, uma espécie de “aproveitamento parasitário” da atração gerada por essas competições para veiculação de propaganda não autorizada pelas autoridades responsáveis pelo evento.

Desde que o Brasil foi escolhido como sede da Copa do Mundo de futebol em 2014, e a cidade do Rio de Janeiro foi selecionada para sediar as Olimpíadas de verão de 2016, as questões relativas ao marketing de associação se tornaram mais prementes. Apesar de não haver, no Brasil, legislação que coíba especificamente o marketing de associação, a ABPI é da opinião de que a legislação existente (entre outras, a Lei de Propriedade Industrial, a Lei Pelé, o Tratado de Nairóbi e a Lei de Direitos Autorais) é suficiente para coibir tais práticas desleais.

Uma série de outros tópicos de grande interesse para os especialistas surgem da conjunção da propriedade intelectual e da prática do desporto.

Sem qualquer pretensão a esgotar o assunto, os tópicos acima descritos são alguns dos temas mais frequentemente discutidos nos últimos tempos no Brasil, no âmbito da propriedade intelectual.

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