RETROSPECTIVA 2009

Ano foi de virtualização de ações e ciberativismo

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

21 de dezembro de 2009, 13h31

Este texto sobre Direito Informático faz parte da Retrospectiva 2009, série de artigos sobre os principais fatos nas diferentes áreas do Direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

 

Omar Kaminski - SpaccaSpacca" data-GUID="omar_kaminski.png">A informatização está a todo vapor e significa maior publicidade e transparência. Com isso, os leigos estão cada vez mais interessados no debate jurídico, e querem participar ativamente, cobrando inclusive uma simplificação dos brocados e queijandos.

Com a consolidação da simbiose entre o Direito e a tecnologia, a questão é se a evolução vai ser lenta, gradual e indolor ou se dará aos trancos e barrancos, gerando até traumas. De toda sorte, a Justiça Federal, por exemplo, entra na era virtual em 2 de janeiro de 2010.

Ou seja, 2010 será “o ano em que faremos contato” com o processo eletrônico. Quer queiramos ou não.

Começo do fim do papel
O STF tornou obrigatório o trâmite eletrônico para seis classes processuais de sua competência. No STJ foram digitalizados mais de 171 mil processos de janeiro a novembro deste ano, e foi criado um “tira-dúvidas” do processo eletrônico, além do projeto Justiça na Era Virtual, que acelera a remessa de processos ao STJ.

A Seção Especializada em Dissídios Individuais – SDI-2 do TST julgou pela primeira vez, um processo sem autos físicos.

O Processo Judicial Digital – Projudi, software de tramitação eletrônica de processos mantido pelo CNJ, já foi adotado por 26 dos 27 Estados brasileiros.

O TJRJ fez a primeira audiência por videoconferência. O TJPE colocou em curso o projeto-piloto de precatória eletrônica. O TJDFT apresentou seu projeto de mandados judiciais eletrônicos. O TJMT lançou seu sistema de mandado de prisão on line. O TJMA iniciou a certificação digital de documentos. O TJRN comemorou a virtualização de todos os juizados. O TJMS implantou o leilão eletrônico. O TJMG expandiu o sistema de alvará eletrônico. Entre as demais iniciativas notáveis dos Tribunais.

A justiça do Acre teve destaque na utilização de celulares: um juiz usou torpedo de celular para proferir sentença e expedir alvará de soltura, e outro realizou uma audiência judicial por meio de um telefone celular. Em São Paulo, um juiz criminal de Limeira passou a utilizar rotineiramente o Twitter para divulgar suas audiências e sentenças, além de inicialmente filmá-las e transmiti-las pela web em tempo real.

O CNJ e o STF criaram seus respectivos canais no You Tube. Alguns tribunais criaram sua página no Twitter, bem como políticos e personalidades em geral, que começaram a rivalizar pelo número de seguidores.

O blog do Planalto e o blog do Senado entraram no ar. O do Planalto foi criticado por não permitir interação do público, e acabou ganhando um “clone” com tal objetivo.

A Câmara lançou o serviço WebCâmara, com transmissão ao vivo na internet de todos os eventos das 22 comissões da Casa.

Foi criado o sistema LexML, Rede de Informação Legislativa e Jurídica, iniciativa liderada pelo Senado que almeja se tornar uma espécie de “Google jurídico”.

Novas leis
Algumas leis federais versando sobre tecnologia entraram em vigor em 2009. Destacamos: Lei nº 12.034, que alterou o processo eleitoral incluindo a internet, a Lei nº 11.934, sobre limites à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos, a Lei nº 11.903, sobre o rastreamento da produção e do consumo de medicamentos por meio de tecnologia de captura, armazenamento e transmissão eletrônica de dados e Lei nº 11.900, que prevê a possibilidade de realização de interrogatório e outros atos processuais por sistema de videoconferência.

As discussões sobre a propaganda eleitoral na mídia eletrônica renderam boas questões, com destaque ao reconhecimento da internet como ambiente de liberdade, embora dúvidas sobre como se dará a fiscalização ainda pairem no ar.

Falando nisso, o TSE coordenou uma série pública de testes de segurança com vistas a verificar eventuais vulnerabilidades nas urnas eletrônicas, premiando melhores contribuições dos colaboradores inscritos.

Tivemos a abertura de um fórum de contribuições para um Marco Civil da Internet, iniciativa de cunho afirmativo capitaneada pelo Ministério da Justiça com o apoio da FGV-RJ, que deverá se transformar em anteprojeto de lei gerando novos debates.

Também a proposta de reforma da Lei de Direitos Autorais do Ministério da Cultura, para que seja modernizada ao menos um pouco em observância das possibilidades digitais em benefício de um bem comum, da coletividade.

Neste sentido, marcante a realização do Seminário Internacional do Fórum da Cultura Digital, em São Paulo, e a 1ª Conferência Nacional de Comunicações (Confecom) em Brasília.

Há muitas promessas e expectativas para o ano que vem, uma das principais é a universalização da banda larga, como o Plano Nacional de Banda Larga do Ministério das Comunicações. Discute-se a utilização do Fust para tal fim.

Mas uma das grandes discussões do ano disse respeito ao prazo de armazenamento de “logs” de conexão, diante da atual omissão legal, e que foi objeto de discussão em diversas oportunidades. Nesse sentido, o MPF-SP convocou audiência pública para discutir a necessidade e o prazo de armazenamento, que teve a presença de vários especialistas.

Algumas leis estaduais já exigem o cadastramento dos usuários e a guarda dos “logs” em lan houses, por exemplo. Um deles foi além e exige a identificação por câmeras de vigilância. Uma das justificativas principais é o combate à pedofilia, que se intensifica.

Pesquisas atestaram a importância das lan houses no processo de inclusão digital, merecendo políticas públicas nesse sentido. A Presidência da República instituiu o Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital.

Implantado pela Lei nº 9.454/97, O Registro Único de Identidade (RIC) começou a ser implantado, trazendo preocupações com a privacidade. Neste quesito, o “vazamento” de informações e o cruzamento de dados podem se revelar catastróficos.

O lixo eletrônico continuou incomodando, mesmo com a gerência da Porta 25 diminuindo consideravelmente o abuso da infraestrutura de redes por spammers. O e-mail marketing ganhou (mais) um código de regulamentação e conduta, o telemarketing ganhou limitações por meio de legislações estaduais que propuseram a criação de listagens de pessoas que não querem receber ligações de propagandas, o “do not call list” tupiniquim.

A revolução não será televisionada
Por tudo isso, foi um ano marcante para o ciberativismo brasileiro, que enfim começou a mostrar sua força. Culminou na derrocada ao menos parcial do projeto de lei de crimes informáticos, apelidado de “projeto Azeredo” ou “AI5 Digital” que, aprovado no Senado, ficou engavetado na Câmara até, segundo consta, a conclusão do processo do Marco Civil prevista para março.

A preocupação com a segurança das redes sociais também esteve em evidência. A nova febre é Twitter, eleito a palavra inglesa do ano, batendo Obama e Michael Jackson. O Orkut ganhou novo visual, e começa a ser ameaçado pelo Facebook no Brasil.

Vários acontecimentos foram “tuitados” em tempo real, ao mesmo tempo da celebração à banalidade do “o que estou fazendo agora?”. Muitos não sabem ou não entendem para que serve, ou como funciona. Para piorar um pouco, o Google Wave ainda não disse a que veio.

Houve a primeira decisão de um tribunal brasileiro, em sede de agravo, sobre a troca de arquivos via rede P2P, ou ponto a ponto. O desembargador relator do caso no TJ/PR entendeu “(…) ilícita (antijurídica) a atuação dos internautas que, se utilizando de software que possibilita a conexão às redes peer-to-peer, deixam publicamente à disposição e/ou efetuam download de arquivos musicais pela Internet”.

Revoltados, os blogueiros iniciaram uma revolta a favor da liberdade de expressão e contra as notificações extrajudiciais que começaram a se multiplicar. Já se pensa até em uma “rede de proteção de blogueiros”. Hoje, dezenas ou centenas de blogs encontram-se “interditados” ou “censurados” por meio de ameaças de processo ou processos indenizatórios.

Novas e velhas tecnologias
Jogos eletrônicos (videogames) continuam sendo objeto de polêmicas e bode expiatório para diversas situações. Desta vez o jogo Call of Duty – Modern Warfare 2, um dos maiores sucessos de vendas em todos os tempos, foi acusado de retratar o Brasil de forma pejorativa, de incentivar a chacina de inocentes e de ser homofóbico. Há até projeto de lei no Senado querendo proibir jogos ditos violentos ou ofensivos, algo impraticável.

A TV Digital ainda engatinha. O MPF-SP instaurou inquérito para apurar a norma que proíbe as regravação de programas na TV digital. Há um projeto de lei que propõe o uso de dispositivos anticópia (DRM) para proteger os direitos autorais.

Merece citação o “grande apagão”, atribuído por alguns a atividades de crackers ou alguma sabotagem, mas o governo insistiu ter sido causado pelo mau tempo.

Consolida-se a era dos e-books com o Kindle da Amazon e os conseqüentes clones. As editoras começam a abrir os olhos para essa situação, já prevendo que terão problemas ao menos semelhantes ao das gravadoras e produtoras cinematográficas. Liminar recente permitiu adquirir o Kindle sem os tributos aduaneiros, nos mesmos termos da lei que concede isenção à importação de livros e manuais impressos.

À guisa de conclusão…
O Direito da Informática (ou Eletrônico, Digital, etc) não é algo tão recente, mas vem se destacando cada vez mais. Contudo, os debates de vários anos ainda se repetem, e de um modo geral as mesmas dúvidas e questionamentos permanecem. Velhos golpes, novas vítimas.

Neste final da primeira década do novo milênio, ficou bastante claro que estamos cada vez mais dependentes da tecnologia. Que os advogados precisarão da certificação digital da ICP-Brasil e de uma conexão a internet para se utilizar do processo eletrônico – e várias das demais tarefas profissionais.

O problema é que ainda não se investe seriamente em padronização visando a acessibilidade. Não se sabe se há prioridade aos softwares abertos, conforme dita a lei, são vários módulos e sistemas diferentes que terão que “conversar entre si”, o que se chama de interoperabilidade.

Os tribunais que se esforçam para oferecer soluções nesse sentido ainda encontram falhas e problemas, e a adesão ainda é tímida, quadro que promete se reverter em muito pouco tempo. Mas a necessidade de “educação” virtual permanece, tecnicamente falando.

Quanto ao real-virtual, a grande discussão é sobre a necessidade de se inteirar dos ditames constitucionais, agora sob a ótica das novas tecnologias e sob o olhar atento dos interessados.

Se temos “novos” direitos o suficiente, se a revolução virtual é tão violenta, comecemos a pensar em uma Ciberconstituição — quem sabe o próprio marco legal.

Autores

  • Brave

    é advogado, diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI), membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e responsável pelo site Internet Legal (http://www.internetlegal.com.br).

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