À luz da Constituição

A eutanásia, o direito à vida e sua tutela penal

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21 de dezembro de 2009, 15h07

Este estudo faz uma análise da questão da eutanásia no Direito pátrio, empreendendo uma discussão aprofundada que abrange o caráter filosófico, político, religiosos e, fundamentalmente, o jurídico.

A eutanásia pode ser conceituada como a eliminação da vida alheia, praticada por um relevante valor moral, com o intuito de livrar um doente, sem esperança de cura, dos inúmeros sofrimentos que vem passando. O ordenamento brasileiro, de forma alguma, não exclui a ilicitude dessa conduta, haja ou não o consentimento do ofendido, enquadrando-a no crime do artigo 121 do Código Penal[1] (Brasil, 2004), mas permite o reconhecimento do privilégio, configurando uma redução da pena de um sexto a um terço.

O anteprojeto da Parte Especial do Código Penal de 1984 previu, pela primeira vez, a isenção de pena da conduta eutanásica do médico que, com o consentimento da vítima, ou na sua falta, de ascendente, descendente, cônjuge ou irmão, antecipasse a morte iminente e inevitável do doente, desde que atestada por outro médico (Szklarowsky, 2002). No entanto, o projeto foi abandonado, por diversos motivos, principalmente, por fortes influências de ordem religiosa, considerando que nossa sociedade é estruturada na fé cristã, onde a vida humana é entendida como uma dádiva, pois foi criada por Deus e somente por vontade Dele é que se termina.

A complexidade do tema chama a atenção, pois envolve um conflito de valores e interesses, não apenas de enfoque jurídico, mas, primordialmente, de enfrentamento religioso e moral. Por um lado tem-se a vontade de abreviar um sofrimento que prejudica um indivíduo e a família, de cunho iminentemente individual, e de outro lado tem-se a tutela integral do direito à vida como algo irrenunciável, a qual o homem não pode interferir.

A eutanásia envolve o direito mais sublime do ser humano, que é o direito à vida, consagrado constitucionalmente[2]. Esse, por sua vez, consiste no direito de sobreviver, de defender a própria vida, de buscar meios de permanecer vivo, com saúde e com dignidade,

impedindo que a mesma seja interrompida por qualquer meio que não seja a morte natural e inevitável. Nesse entendimento, exclui-se o direito de morrer das pessoas.

Há países, como a Holanda, em que a eutanásia não é mais tipificada (Silva, 2008). O tema da legalização da eutanásia é sempre atual e polêmico e, por isso, merece uma atenção especial, devendo ser abordado com total imparcialidade. Para tanto, fez-se necessário o estudo das correntes favoráveis e não-favoráveis à eutanásia contrapondo os argumentos de ambos, na tentativa de construir um posicionamento que contribua para o amadurecimento da questão no universo jurídico.

Em relação ao aborto, que também diz respeito à eliminação da vida, o Direito Penal permite duas hipóteses legais de excludente de ilicitude em casos que são considerados extremos e justificados[3]. Perante este fato legal, este trabalho busca levantar a questão de que não seria pertinente o legislador prever algumas hipóteses de permissão da eutanásia, como fez com o aborto, cabendo analisar qual medida de valor que o legislador e a sociedade têm para permitir o aborto legal e recriminar a eutanásia.

Este estudo não visa resolver este impasse quanto à aceitação ou não da eutanásia, mas, sim, alargar o campo de idéias quanto ao direito de viver e morrer do indivíduo em casos extremos, onde quando a única opção é o de viver vegetativamente, optando pela morte como a única forma digna de resolução da causa.

Enfoca-se também o papel do profissional da medicina quanto ao código específico da profissão e o juramento proferido por este de estar sempre ao lado da vida, objetivando a qualquer custo a sua continuidade[4].

O método utilizado na fundamentação teórica do trabalho é o dialético onde as diversas opiniões, devidamente fundamentadas, são valorizadas, buscando efetivamente confrontar as versões favoráveis e contrárias à legalização da eutanásia, elencando de forma imparcial os pontos negativos e positivos da tese proposta, onde o resultado deste confronto será obtido por meio da síntese dos resultados.

Como fonte de pesquisa, foi realizada a leitura de livros e artigos sobre o tema; códigos do ordenamento jurídico brasileiro; código de ética da medicina, além de visualização de filmes e análise dos documentos oficiais da Igreja que tratam do tema.

1. A vida
1.1 O conceito de vida
Ao se tratar da morte, devemos explanar sobre a vida que pode-se definir fisiologicamente como um aglomerado protéico que se mantém ativo pela queima de Adenosina Tri-Fosfatada [ATP] obtida numa reação química em que o oxigênio é absorvido e o gás carbônico liberado. Outra forma de defini-la seria referir-se aos seres fotossintetizantes que obtém a energia do sol, absorvem gás carbônico e liberam oxigênio, sendo que nenhuma destas definições, obviamente, é suficiente para definir a vida humana.

A vida humana não é apenas a síntese da luz em energia, tampouco é apenas a queima de ATP. Nem mesmo o mais insensível dos seres definiria a vida humana de maneira tão estritamente fisiológica (Santos, 2005).

Buscando parâmetros bem definidos do que venha a conceituar um ser vivo, para efeitos do reconhecimento dos sinais de vida em outras partes do universo, a Nasa estabeleceu uma definição simples e ampla, segundo a qual “a vida é um sistema químico auto-sustentável, capaz de evoluir de maneira darwiniana.” (Disponível em: ). (Conexão Professor, 2009)

O Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa trata a vida como um conjunto de propriedades e qualidades pelo qual plantas e animais, opostos a organismos mortos, se mantêm em contínua atividade por meio do metabolismo, crescimento, adaptação ao meio, reação a estímulos e reprodução da espécie (Ferreira, 2004).

Em se tratando das leis brasileiras, estas não conceituam o direito à vida, mas, sim, o garante, fato descrito como garantidor encontra-se expresso no artigo 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, e dos crimes contra a pessoa e a vida no artigo 121 do Código Penal brasileiro, já indicados neste estudo.

O conceito de vida humana tem que ser visto não simplesmente como sobrevivência, mas alberga o conceito de dignidade humana. O conceito de dignidade da pessoa humana é, inclusive, mais importante que o próprio conceito fisiológico.

O serviço a favor da vida deve ser unitário: não pode tolerar discriminações, já que a vida humana é inviolável em todas as suas fases e situações; é um bem indivisível. Trata-se de cuidar da vida toda e da vida de todos (Disponível em: <www.juntospelavida.org/pn2.html>). (Juntos pela vida, 2009).

Portanto, ao se falar de vida humana requer uma vida plena, que respeite os direitos fundamentais, seja de liberdade, seja social, seja coletivo ou difuso. Dignidade é o elemento valorativo que secciona o mundo humano do mundo vegetal e animal. A dignidade é a gênese do conceito humano de vida (Disponível em: http://www.amib.org.br/conteudo.asp?id_conteudo=147&men=0&mostra=nao). (AMIB, 2009).

A dignidade inerente da pessoa humana deriva obviamente, no primeiro direito, o da vida. Respeitar a dignidade do indivíduo implica, necessariamente, abster-se de qualquer ato objetivando seu fim (Nino, 1994).

De acordo com a tradição cristã, o direito de morrer com dignidade é parte constitutiva do direito a vida, ou seja, implica que o significado que se atribui ao conceito de “morrer com dignidade” se distingue radicalmente da proposta dos defensores da eutanásia. O direito de uma morte digna é o direito de viver dignamente a própria morte (Paulina, 2000).

1.2 O Direito à vida
O preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos remete ao reconhecimento da dignidade intrínseca e dos direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana, como base da liberdade, justiça e paz no mundo. O pacto internacional de Direitos Civis e Políticos iniciam seu preâmbulo reconhecendo a dignidade inerente a todos os membros da família humana, assinalando mais adiante, que os direitos iguais e inalienáveis do homem se derivam desta mesma dignidade (Disponível em:http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php).(Declaração Universal dos Direitos Humanos, 2008).

No Brasil, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948 em seu artigo 1° estabelece que: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”, trazendo ainda em seu artigo 3° que: “Todo homem tem direito à vida, à liberdade e a segurança pessoal”, sendo considerado este modelo de declaração a ser seguido pelo constitucionalismo liberal. (Pessini e Barchifontaine, 1997)

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trata, em seu artigo 5º, dos direitos e deveres individuais e coletivos onde a inviolabilidade do direito à vida é tutelada, sendo tal direito limitado em face ao princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas pelos demais direitos igualmente delineados pela Carta Magna, onde o artigo em questão visa a preservação da vida em sua totalidade, tanto da liberdade, igualdade, segurança e propriedade (Nery Júnior, 2008)

O direito a vida se tornou um direito fundamentalmente reconhecido pelo Direito Internacional, fruto este de uma difícil conquista da humanidade quando da violação de seus direitos fundamentais, suprimidos através dos tempos, onde a “Declaração Universal” se caracteriza, primeiramente, por sua amplitude sendo esta um conjunto de direitos e faculdades sem as quais o ser humano não pode desenvolver sua personalidade física, moral e intelectual. Traz também como característica a universalidade que é aplicável a todas as pessoas de todos os países, raças, religiões e sexos, seja qual for o regime político dos territórios nos quais incide. Desta forma a comunidade internacional reconheceu que o indivíduo é membro direto da sociedade humana, na condição de sujeito direto do Direito das Gentes, o que naturalmente o torna além de cidadão de seu país, também cidadão do mundo, pelo fato mesmo da proteção internacional que lhe é assegurada (Cassin apud Piovesan, 2008).

Segundo o parecer emitido pelo Comitê Nacional de Bioética da Itália, datado de 14 de Julho de 1995, sobre a “Questão bioética relativa ao fim da vida humana”, nenhuma legislação propriamente eutanásica pode ter valor bioético. Defende que é lícito e digno de respeito por parte do terapeuta o motivo do paciente desejar a terapia, sempre que de forma livre, atual e consciente, ou seja, qualquer intervenção de caráter paliativo, sendo um dever a suspensão por parte do médico de qualquer ensaio terapêutico. Por fim, este Comitê, considera ilícita qualquer forma de eutanásia eugenésica e sobre neonatos com má formação ou ainda, qualquer forma de eutanásia sobre um paciente que não demonstre seu consentimento.

Os hospitais brasileiros também possuem um Código de Ética, onde o artigo 8° esclarece que: “O direito do paciente à esperança pela própria vida torna ilícita — independente de eventuais sanções legais aplicáveis — a interrupção de terapias que a sustentem. Executem-se, apenas os casos suportados por parecer médico…” (Pessini e Barchifontaine, 1997).

Quanto ao Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, Capítulo I, artigo 3°, prevê que: “O profissional de enfermagem respeita a vida, a dignidade e os direitos da pessoa humana, em todo o seu ciclo vital, sem discriminação de qualquer natureza”, no Capítulo V, artigo 46 que: “Torna-se proibido promover a eutanásia ou cooperar em prática destinada a antecipar a morte do cliente” (Pessini e Barchifontaine, 1997).

No juramento de Hipógrates, o profissional da medicina promete aplicar os regimes para o bem dos doentes e nunca para prejudicar ou fazer mal a quem quer que seja, não dando, nem para agradar, remédio mortal nem conselho que o induza a destruição (Pessini e Barchifontaine, 1997).

1.3 O final da vida
Hipócrates, cerca de 500 anos antes do nascimento de Cristo, formulou uma definição clássica do instante da morte. Este texto se encontra no De morbis, 2º livro, parte 5:

Testa enrugada e árida, olhos cavos, nariz saliente, cercado de coloração escura. Têmporas deprimidas, cavas e enrugadas, queixo franzido e endurecido, epiderme seca, lívida e plúmbea, pêlos das narinas e dos cílios cobertos por uma espécie de poeira, de um branco fosco, fisionomia nitidamente conturbada e irreconhecível (Pessini e Barchifontaine, 1997).

O conceito de morte até pouco tempo atrás era o da paralisação da função cardíaca e respiratória, mas, nos dias atuais, o critério diagnóstico de morte é a paralisação das funções cerebrais, o que resulta em uma intensa discussão técnica e ética (Gogliano, 1993).

Para os médicos neurologistas, a revisão do conceito de morte tornou-se imperiosa devido à capacidade da medicina moderna em prolongar indefinidamente uma vida por meios artificiais tornando imperativo que se defina a morte encefálica, cabendo a estes profissionais, a difícil tarefa de reconhecer, a despeito dos recursos disponíveis, a cessação irreversível da atividade encefálica (Gogliano, 1993).

Tais princípios a serem adotados quando da afirmação da morte irreversível, é tratada pelo Conselho Federal de Medicina por meio de atribuições que lhe confere a Lei 3.268, de 30 de setembro de 1957, que foi regulamentada pelo Decreto 44.045, de 19 de julho de 1958 e publicada no D.O.U. de 17 de Outubro de 1991, p. 22.731.

Segundo a Declaração de Sidney, publicada quando da 22ª Assembléia Médica Mundial em Sidney, Austrália, em 1968 e emendada pela 35ª Assembléia Médica Mundial em Veneza, Itália, em outubro de 1983, o momento da morte, na maioria dos paises, é de responsabilidade do médico, que poderá determiná-lo utilizando critérios clássicos conhecidos por estes profissionais, mediante a constatação da cessação definitiva das funções espontâneas cardíacas e respiratórias, bem como a cessação irreversível de toda a função cerebral, pensamento idêntico ao estabelecido na Lei de Doação de Órgãos (Brasil, 2009).

2. A eutanásia
2.1 Conceito de eutanásia
A palavra eutanásia deriva da expressão grega euthanatos, onde eu significa bom e thanatos morte. Numa definição puramente etimológica, é a morte boa, a morte calma, a morte piedosa e humanitária, a morte sem sofrimento e sem dor.

Suetónio, no segundo século, assim descreveu a morte do imperador Augusto: "Sua morte foi suave, tal como sempre a tinha desejado, porque quando ouvira dizer que alguém tinha morrido rapidamente e sem dor, ele desejava o mesmo para si e os seus, usando a expressão euthanasia" [De vitae Caesarum] (Lepargneur,1999).

Frank Bacon no século XVII, que defendia a prática da eutanásia pelos médicos, quando estes não mais dispusessem de meios para levar à cura um enfermo atormentado escreveu que “a meu ver eles (médicos) deveriam possuir a habilidade necessária a dulcificar com suas mãos os sofrimentos e a agonia da morte” e ainda que "o médico deve acalmar os sofrimentos e as dores não apenas quando este alívio possa trazer a cura, mas também quando pode servir para procurar uma morte doce e tranqüila" (Bacon, 1963).

No século XIX, os teólogos Larrag e Claret, em seu livro "Prontuários de Teologia Moral", publicado em 1866, utilizaram a palavra eutanásia para caracterizar a "morte em estado de graça" (Goldim, 2004).

O dicionário Aurélio conceitua eutanásia como morte serena, sem sofrimento, ou a prática pela qual se busca abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um doente reconhecidamente incurável (Ferreira, 2004).

José Ildefonso Bizatto (2000), citando Morselli, define eutanásia como “aquela morte que alguém dá a outrem que sofre de uma enfermidade incurável, a seu próprio requerimento, para abreviar agonia muito grande e dolorosa”.

Antônio Fernandez Rodriguez (1990) entende que eutanásia é a “morte misericordiosa ou piedosa, é a que é dada a uma pessoa que sofre de uma enfermidade incurável ou muito penosa, para suprimir a agonia demasiado longa e dolorosa”.

De acordo com Pinan Y Malvar, citado na obra de Menezes (1977), cujo tema se define em “Direito de Matar”, o conceito de eutanásia se identifica como “aquele ato em virtude do qual uma pessoa dá morte a outra, enferma e parecendo incurável, ou a seres acidentados que padecem, a seu rogo ou requerimento e sob impulsos de exacerbado sentimento de piedade e humanidade”.

Já Asúa (1929), renomado professor espanhol, define a eutanásia como "morte que alguém proporciona a uma pessoa que padece de uma enfermidade incurável ou muito penosa, e a que tende a extinguir a agonia demasiada cruel ou prolongada".

De maneira geral, entende-se por eutanásia quando uma pessoa causa deliberadamente a morte de outra que está mais fraca, debilitada ou em sofrimento. Neste último caso, a eutanásia seria justificada como uma forma de evitar um sofrimento acarretado por um longo período de doença. Percebe-se pelos vários conceitos que existe uma finalidade altruística.

Pode-se dividir a eutanásia em: ativa, quando ocorre o ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins humanitários, utilizando por exemplo uma injeção letal; passiva, quando a morte ocorre por omissão proposital em se iniciar uma ação médica que garantiria a perpetuação da sobrevida, por exemplo, deixar de se iniciar aminas vasoativas no caso de choque não responsivo à reposição volêmica; de duplo efeito que ocorre nos casos em que a morte é acelerada como consequência de ações médicas não visando ao êxito letal, mas sim, ao alívio do sofrimento de um paciente quando, por exemplo, do emprego de morfina para controle da dor, gerando, secundariamente, depressão respiratória e óbito (Souza, 2007).

A eutanásia ativa é uma das questões mais debatida na era contemporânea, abrangendo a ética médica, legislação e política. Ao longo dos últimos 20 anos, milhares de artigos acadêmicos e livros têm abordado o tema, explorando as dimensões filosófica e teológica, debatendo processos judiciais e alterações legais e realizando um levantamento de atitudes práticas reais no mundo (Stolberg, 2007).

É importante conceituar outros termos próximos a Eutanásia que são empregados de forma equivocada, como a Distanásia, onde a morte ocorre de forma lenta, ansiosa e com muito sofrimento, sendo considerada como o antônimo de eutanásia. A Ortotanásia é a atuação correta e adequada perante de um paciente que está morrendo. Mistanásia ou eutanásia social é a morte miserável, fora e antes da hora onde se focaliza as situações: a grande massa de doentes que, por motivos políticos, sociais e econômicos, não chegam a ser pacientes, pois não conseguem ingressar efetivamente no sistema de atendimento médico, os doentes vítimas de erro médico e os pacientes que acabam sendo vítimas de má-prática por motivos econômicos, científicos ou sociopolíticos.

2.2 A prática da eutanásia na história da sociedade
A prática eutanásica é encontrada até mesmo no reino animal, quando os insetos necrófilos dão morte aos velhos para livrá-los de sua existência infeliz (Silva, 2000).

A eutanásia não é uma prática recente, podendo ser encontrada no começo da civilização, mais precisamente entre os gregos, sendo que a eutanásia que estes povos conheceram e praticaram e da qual se têm provas históricas é a chamada "falsa eutanásia", ou seja, a eutanásia de fundamento e finalidade "puramente eugênica".

Em Atenas, 400 anos a.C. Platão pregava no terceiro livro de sua "República" o sacrifício de velhos, fracos e inválidos, sob o argumento de interesse do fortalecimento do bem-estar e da economia coletiva. Anteriormente Licurgo fazia matar as crianças aleijadas ou débeis que, impiedosamente, eram imoladas em nome de um programa de salvação pública de uma sociedade sem comércio, sem letras e sem artes e trabalhada apenas pelo desígnio único de produzir homens robustos e aptos para a guerra (Silva, 2000).

Os romanos também praticaram a falsa eutanásia, mas há notícias de que conheciam a morte piedosa, onde o autor do fato era movido por compaixão do enfermo, visando pôr fim às suas dores. Todavia, os romanos chamavam tal situação de homicídio benigno ou tolerável, e a lei dava a este tipo de homicídio tratamento especial e mais brando, tendo em vista os móveis generosos e nobres que o inspiravam. Os magistrados julgadores e os tribunais do povo consideravam a diferença entre o homicídio e a eutanásia não apenas para as decisões de culpabilidade, como também para graduar a pena.

Ainda entre os povos antigos, tem-se notícia de que os germanos matavam os enfermos incuráveis; estes, na Birmânia, eram enterrados vivos juntamente com os velhos. Os eslavos e os escandinavos também apressavam a morte de seus pais quando estes sofriam de mal incurável, irreversível (Bittencourt, 1939).

Menezes (1977), citando José Ingenieros, menciona a prática de um costume denominado "despenar" [privar de pena, de sofrimento], atribuída à população rural de algumas colônias sul-americanas. Tal costume consistia na morte dada a alguém que padecia muito, por um amigo que agia piedosamente. Não se tratava apenas de costume, era dever do bom amigo e quem se negasse a fazê-lo era reputado impiedoso e covarde.

Durante a Idade Média, em razão das inúmeras epidemias e pestes, era comum a prática da eutanásia, uma vez que as doenças alastravam-se com maior facilidade, devido ao grande estado de miséria em que se encontrava a população durante o período de decadência do feudalismo (Silva, 2000).

Nos tempos modernos convém lembrar o pedido feito por Napoleão, na campanha do Egito, ao cirurgião Degenettes, de matar com ópio soldados atacados de peste, respondendo este que a isso se negava porque a função do médico não era matar e sim curar. Ensina a história que o objetivo de Napoleão era matar os enfermos irremediavelmente perdidos e já moribundos, a fim de que não caíssem vivos em poder dos turcos, uma vez que não mais podiam seguir a campanha (Silva, 2008).

No último século a eutanásia esteve em vários momentos no centro das discussões sociais e jurídicas pelo mundo.

Em muitos países europeus, um crescente público debate diariamente a aceitabilidade e regulamentação da eutanásia. Na Bélgica e na Holanda, este debate resultou na legalização da eutanásia. Uma vez que ocorreu a promulgação da lei belga sobre eutanásia, o objetivo é debater sobre a forma de lidar com os pedidos eutanásicos dentro de hospitais, pedidos estes que foram intensificados. Com efeito, os cuidados relacionados aos profissionais da saúde quanto a estes pedidos, os tornaram mais conscientes da complexidade clínica e da ética quando da decisão circundante voltados aos pedidos de eutanásia o que ultrapassa a relação entre o médico e o paciente, afetando de forma mais ampla a responsabilidade do profissional e do hospital (Lemiengre al., 2007).

É de se saber que em 1903 na Alemanha tentou-se legitimar a eutanásia no Parlamento da Saxônia, que a repudiou. Em seguida, em 1922, foi apresentada uma moção propondo que o Parlamento Inglês, por meio do Comitê Municipal, aprovasse um projeto de lei que criaria um tribunal médico com autoridade e poder para apressar o fim rápido e calmo daqueles que sofriam de mal incurável (Silva, 2008).

Em 1925 o projeto tcheco de Código Penal preceituava a eutanásia, atribuindo ao Tribunal a faculdade de atenuar excepcionalmente a pena ou eximir o castigo, sendo que em 1992 os dinamarqueses concordaram em fazer no caso de doença incurável ou de grave acidente, um "testamento médico”. O mesmo ocorreu nos anos de 1993 e 1994, a Justiça da Grã-Bretanha autorizou médicos a abreviarem a vida de doentes mantidos artificialmente, sendo que no mesmo ano o Estado do Oregon [USA] autoriza a eutanásia para doentes declarados em fase terminal e que fazem o pedido formalmente a um tribunal do Estado (Silva, 2008).

Segundo Silva (2008), o tribunal federal de apelações de New York, que tem competência em Vermont e Connecticut, autorizou a eutanásia médica em 1996, e neste mesmo ano, na Escócia, pela primeira vez, uma paciente foi autorizada a morrer. No ano seguinte, a Corte Constitucional da Colômbia admitiu a prática da eutanásia para doentes em fase terminal, passando a China em 1998 a autorizar os hospitais a praticarem a eutanásia em pacientes terminais de doença incurável.

Conforme explicito anteriormente, em 28 de novembro de 2000 a Holanda passou a ser o primeiro país a autorizar oficialmente a prática da eutanásia. A nova legislação permite aos médicos recorrerem à eutanásia em condições muito restritas, onde o enfermo deve estar sem qualquer esperança de sobrevivência e desejar pôr fim a sua vida, sendo os médicos holandeses treinados na sua formação em como praticar a eutanásia. A Sociedade Holandesa Real de Farmacologia distribui a todos os médicos o manual “Como praticar a eutanásia”[5] que orienta como praticar a eutanásia, contendo receitas de venenos que não são detectáveis, onde os médicos podem colocar na comida ou injetar de tal forma que se torna quase impossível detectá-los durante uma autópsia (Clowes, 1997).

Também na Holanda os médicos sabem previamente quanto custa cada tratamento para cada dano ou doença comum, pois estão registrados em diagramas de fácil consulta e análise. Os administradores de hospitais orientam os seus médicos em geral, para usarem esses diagramas e aplicarem injeções letais involuntariamente aos pacientes idosos cuja assistência é considerada "muito dispendiosa". Oitenta por cento dos médicos holandeses assassinaram pessoas propositadamente por meio da eutanásia direta, ativa [não-passiva]. Disponível em: providafamilia.org/doc.php?doc=doc11446 (Provida, 2009).

Um levantamento governamental, em 1991, constatou que apenas um em cada dez médicos holandeses recusaria um pedido de eutanásia. Como acontece nos EUA, o verdadeiro motivo da maioria das eutanásias holandesas não é o de aliviar a dor dos pacientes, mas sim a comodidade dos médicos e das famílias. Com isso as técnicas para controlar a dor na Holanda são muito primitivas, devido à facilidade da realização da eutanásia. O Dr. Pieter Michels, diretor de um hospital holandês para pacientes terminais, disse que apenas nove das três mil pessoas que morreram e que passaram pelo seu hospital, solicitaram a eutanásia nesses vinte anos, e a maioria desses pedidos surgiram devido à pressão das suas famílias.

De acordo com Caritas Flandres, a eutanásia deve ser limitada a casos muito excepcionais [estados de necessidade], cabendo-a apenas a doentes terminais, e não nos casos de pacientes que assim se julgam (Lemiengre et al., 2007).

De acordo com Stolberg (2007), um médico admitiu ter matado pessoas porque o quadro do sofrimento delas o perturbava, existindo muitos opositores a esta posição, entre eles grande parte da classe médica e diversos grupos religiosos, considerando que este médico cometeu suicídio assistido, o que é incompatível com a santidade da vida profissional do médico e do dever de preservá-la.

Como líder holandês da prática da eutanásia, o Dr. Pieter Admiraal afirmou na oitava conferência bianual da Federação Mundial das Sociedades do Direito a Morrer: "Todo o paciente tem o direito de julgar se o seu sofrimento é insuportável, e o direito de solicitar a eutanásia ao seu médico” (Provida, 2009). A dor raramente é o motivo para a eutanásia.

2.3 A eutanásia no Brasil
O Brasil, nos seus primitivos tempos, também conheceu a eutanásia. Essa prática foi detectada entre os silvícolas.

Algumas tribos deixavam à morte seus idosos, principalmente aqueles que já não mais participavam das festas e caças. Acreditavam esses indígenas que viver era poder participar de festas, caças e pescas; logo, aqueles privados de tais ações não teriam mais nenhum estímulo para a vida. Assim, a morte viria como benção, uma vez que a vida sem aquelas atividades perdera todo seu significado (Silva, 2008).

Além da prática entre indígenas, a eutanásia no Brasil apresentou-se na época colonial como conseqüência da tuberculose, moléstia até então sem cura e que conduzia a um definhamento crescente até a morte. A nossa literatura dá-nos alguns exemplos, por meio de poetas do romantismo que, atacados de tuberculose, pediam e deixavam-se morrer mais rapidamente, já que era certa a morte.

Nos dias atuais, ainda há práticas eutanásicas, só que não são divulgadas, pois a nossa lei penal considera-a como crime.

No passado, o Código Criminal do Império [1830] e o Código Penal republicano, mediante o Decreto 847, de 11 de outubro de 1890, não contemplou qualquer disposição relacionada ao homicídio caritativo, e destacou em seu artigo 26, c: "Não dirimem nem excluem a intenção criminosa, o consentimento do ofendido, menos nos casos em que a lei só a ele permite a ação criminal. Já a Consolidação das Leis Penais, Código Penal brasileiro completado com as leis modificadoras então em vigor, aprovada e adaptada pelo Decreto 22.213, de 14 de dezembro de 1932, em nada modificou o tratamento legal anteriormente dispensado ao tema, conforme seu Título X, que tratou "Dos crimes contra a segurança da pessoa e vida" [arts. 294/314]. Também não estabeleceu atenuante genérica relacionada ao assunto, conforme se infere da leitura de seu art. 42, ou outro benefício qualquer (Marcão, 2009).

Por sua vez, o Anteprojeto de Código Penal em estudo pela Comissão encarregada de introduzir mudanças na Parte Especial do Código em vigor, ao tratar do homicídio no artigo 121, dispõe [§ 3º]:

Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados: Pena — reclusão, de dois a cinco anos. Já no parágrafo 4º estabelece: Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão (Piragibe, 1933).

2.4 A visão religiosa da eutanásia
A visão da igreja em relação à eutanásia está demonstrada em dois importantes documentos o da Conferência Episcopal da Alemanha [1978] e o documento da Santa Sé sobre a Eutanásia de 5 de maio de 1980. Tais documentos do Vaticano definem a eutanásia como sendo “uma ação ou omissão que, por sua natureza, ou nas intenções, provoca a morte a fim de eliminar a dor. A eutanásia situa-se, portanto, no nível das intenções e no nível dos métodos empregados” (Pessini e Barchifontaine, 1997).

Afirma ainda tal documento que nenhuma pessoa pode autorizar a morte de um ser humano inocente, seja feto ou embrião, criança ou adulto, velho, enfermo, incurável ou agonizante, e da mesma forma nenhuma autoridade pode legitimamente impô-lo, nem permiti-lo, por se tratar de uma violação à lei divina e de uma ofensa à dignidade da pessoa humana, de um crime contra a vida e de um atentado contra a humanidade (Raddatz, 2000).

O Vaticano critica a legalização da eutanásia na Holanda e, para o representante do Papa, “essa lei contradiz a declaração de Genebra de 1948 da Associação Mundial dos Médicos, assim como os princípios éticos médicos aprovados por doze paises da Comunidade Européia em 1987” (Disponível em: www.r2learning.com.br/_site/…/artigo_default.asp? (Learning, 2009).

Para o Papa João Paulo II "nenhuma lei poderia jamais tornar lícito um ato intrinsecamente ilícito. Estas leis carecem de autêntica validade jurídica" (Costa, Oselka e Garrafa, 1998). Em 1980, o Vaticano divulgou uma Declaração sobre Eutanásia, onde existe a proposta do duplo efeito e a da descontinuação de tratamento considerado fútil.[6]

Os pedidos de eutanásia de enfermos em estado terminal e mesmo doentes terminais não-pacientes, encontram muita resistência Católica nos hospitais. No entanto, apenas entre 28 e 38% dos católicos aceitam a eutanásia em casos excepcionais, depois de usar os filtros paliativos.

Em contrapartida, o público neutro ou sem religião aceita em porcentagem muito maior que hospitais possam realizar a eutanásia, em conformidade com o direito sem outras restrições. A influência óbvia de filiação religiosa sobre a postura que se deve tomar quando da eutanásia em hospitais é detectada em estudos-piloto nos Países Baixos (Lemiengre et al., 2007).

Destaca-se que nos Países Baixos a legalização da eutanásia foi o resultado de um processo social, com duração de cerca de duas décadas e com o envolvimento ativo do Parlamento, do sistema judicial, dos profissionais da saúde e grupos de doentes, sempre ladeado pela ética. O Governo neo-holandês também utilizou-se repetidamente de pesquisas onde os estudiosos investigaram a incidência da eutanásia somado a procedimentos médicos, visando uma possível decisão entre a realização da eutanásia ou a manutenção da vida (Bilsen, Sticheleb e Broeckaertc, 2007).

2.5 As conseqüências jurídicas da eutanásia
A eutanásia é enquadrada dentro do direito brasileiro como homicídio privilegiado no artigo 121, parágrafo 1º, do Código Penal Brasileiro, isto é, um tipo de homicídio em que a lei prevê uma redução da pena de um sexto a um terço. Assim dispõe a lei "se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima" (Brasil, 2004).

Assim, pode-se afirmar que a eutanásia na forma ativa no Brasil se caracteriza crime enquanto que a passiva, o deixar morrer, não é enquadrada na legislação brasileira.

Muitas pessoas proporcionam a "morte boa" a amigos e familiares, sem que tal fato seja divulgado; sabe-se até de médicos que a praticaram a pedido e súplica de pacientes irremediavelmente doentes.

Já as espécies de eutanásia selecionadora e econômica são definidas no Código Penal como homicídios qualificados, sem qualquer piedade.

Índices obtidos mediante pesquisas publicadas na revista periódica "Residência Médica" mostram que as maiores causas da eutanásia são o câncer e a AIDS, seguidos da raiva. Os dois primeiros justificam sua posição pelo fato de que não trazem a morte instantânea. Aponta ainda a citada revista que a fase terminal de um paciente canceroso ou aidético vai, em média, de seis meses a dois anos, período este em que o paciente fica submetido a rigorosos tratamentos de combate à dor.

Em 1984, o Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal brasileiro [artigo 121, § 3°] disciplinou a eutanásia ao isentar de pena o médico, assim dispondo: "o médico que, com o consentimento da vítima, ou, na sua possibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge ou irmão, para eliminar-lhe o sofrimento, antecipa morte iminente e inevitável, atestada por outro médico" (Marcão, 2009). Porém, houve a reforma da Parte Geral da atual legislação penal, sem que a parte especial chegasse a ser realizada.

Atualmente, em tramitação perante o Congresso Nacional, o Projeto de reforma do Código Penal, disciplina a eutanásia, no tópico “Dos crimes Contra a Vida”, Homicídio, em seu artigo 121, da seguinte forma:

§ 3° Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima, imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave:

Pena — reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos”. (Brasil, 2004)

Observa-se, desta forma, que se aprovada a reforma proposta, a eutanásia passará a configurar uma causa de diminuição de pena do homicídio.

Mister se faz salientar que quanto à Ortotanásia, o projeto de reforma do Código Penal atribui uma causa de exclusão da antijuricidade, ao determinar em seu artigo 12, parágrafo 4° que: “Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, desde que a morte iminente e inevitável seja testada por dois médicos e haja consentimento do paciente ou de familiares” (Brasil, 2004).

Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 125/96, elaborado desde 1995. Tal projeto estabelece critérios para a legalização da "morte sem dor" e prevê a possibilidade de que as pessoas com sofrimentos físicos ou psíquicos possam solicitar que sejam realizados procedimentos que visem a sua própria morte. A autorização para estes procedimentos será dada por uma junta médica, composta por cinco membros, sendo dois especialistas no problema do solicitante. Caso o paciente esteja impossibilitado de expressar a sua vontade, um familiar ou amigo poderá solicitar à Justiça tal autorização[7] (Goldim, 2004).

Observa-se que projeto de lei é bastante falho na abordagem de algumas questões fundamentais, tais como o estabelecimento de prazos para que o paciente reflita sobre sua decisão, sobre quem será o médico responsável pela realização do procedimento que irá causar a morte do paciente, entre outros itens.

Por sua vez, o Anteprojeto de Código Penal em estudo pela Comissão encarregada de introduzir mudanças na Parte Especial do Código em vigor, ao tratar do homicídio no artigo 121, dispõe no parágrafo 3º:

Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados: Pena — reclusão, de dois a cinco anos (Brasil, 2004).

Já no parágrafo 4º estabelece:

Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão. (Brasil, 2004)

Para Bilding e Hoche o direito de matar deveria ser oficialmente reconhecido aos agentes sem perspectiva de vida e problemas mentais em nome da sociedade (Meiner, 1920).

Segundo Afrânio Peixoto, obedecendo a uma tradição do sacerdócio seguido pela ética médica, a eutanásia não é aceita porque doenças até a pouco consideradas incuráveis, hoje tornam-se curáveis (Brasil, 2004).

Arturo Santoro nos traz que "o direito a vida é indisponível pelo titular desta e mesmo com o consentimento para sua supressão, não elimina a antijuridicidade do fato” (1968).

2.6 A eutanásia no Direito Comparado
Na legislação da Bolívia está introduzido em seu ordenamento jurídico no artigo 257, um tipo penal que se refere expressamente a eutanásia, no qual o homicídio por meio da eutanásia impõe ao autor a reclusão de um a três anos, sendo que nos casos de homicídios chamados com consentimento do interessado, poderá ser concedido o perdão judicial, dispondo ainda de atenuantes especiais (Bolívia, 2003).

Nestes casos a conduta continuará no caso do perdão judicial sendo antijurídica, pois dadas às circunstâncias particulares do caso, é estabelecida uma pena reduzida em relação à indicada para homicídio simples e agravado, sendo catalogada como homicídio piedoso, sendo caracterizado por elemento subjetivo do tipo que exclui qualquer outra forma para se cometer tal delito (Bolívia, 2003).

Já a Colômbia regula o homicídio piedoso no artigo 326 de seu Código Penal, onde quem matar outrem objetivando por fim a sofrimento intenso proveniente de lesão corporal ou enfermidade grave ou incurável, incorrerá em pena de prisão de seis meses a três anos de prisão, se diferenciando do código penal boliviano quanto a não necessidade de manifestação do voluntário, ou seja, do sujeito passivo para configurar o delito (Colômbia, 2003).

A eutanásia é praticada informalmente por alguns médicos na Colômbia há mais de 10 anos após o alto tribunal decidir que este processo não era considerado crime em determinadas circunstâncias. Mas dizem vários defensores que a prática ainda precisa ser regulamentada para reduzir as oportunidades de abuso (Ceaser, 2008).

Em El Salvador, a eutanásia esta compreendida no artigo 130, como forma de homicídio piedoso, sendo por sua vez estabelecida à sanção de um a cinco anos de prisão sempre que ocorra: que a vítima se encontre em estado de desespero mediante sofrimento conhecido publicamente e observado pelos médicos que assistam o paciente; que o sujeito ativo esteja ligado por um vinculo familiar; amizade íntima ou de amor com o enfermo e que o sujeito passivo demonstre seu desejo de morrer por meio de manifestação externa de pedidos reiterados e expressos (El Salvador, 2004).

O Código Penal do Paraguai, também regula expressamente a eutanásia. O artigo 106 traz expresso: “No caso do homicídio motivado por súplica da vítima, o autor que cometeu o delito contra outrem que se encontre gravemente enfermo, obedecendo a súplicas verdadeiras, reiteradas e insistentes da vítima, será penalizado com pena privativa de liberdade de até três anos” (Paraguai, 2003).

A legislação do Peru estabelece em seu artigo 212 que o homicídio piedoso, onde por motivo de piedade mata-se um enfermo incurável que solicita de maneira expressa e consciente como forma de por fim a uma dor intolerável, receberá o autor do delito, pena privativa de liberdade não maior que três anos (Peru, 1996).

Em 2002, a Bélgica se tornou o segundo país europeu depois dos Países Baixos a promulgar uma lei sobre a eutanásia. Esta lei permite a eutanásia sob condições estritas e a ser realizada apenas por médicos onde taxas de mortalidade na Bélgica e na Holanda são baixas, variando de 0,30 a 1,20%, para a Bélgica e de 1,70 para 2,59% para os Países Baixos (Lemiengre et al., 2007).

Conclusão
O resultado obtido por meio deste estudo demonstra que o tema “eutanásia” é ainda muito debatido nos meios de comunicação, devido à divisão de ideologias quanto ao aceitar ou não tal procedimento.

É de se destacar que a religião é uma forte influente nas opiniões dos religiosos e seguidores, e que mesmo sofrendo interferências, os fieis encontram-se divididos acerca do assunto em tela.

São ainda perceptíveis as controvérsias quanto aos operadores e doutrinadores do direito, pois enquanto uma grande maioria se baseia nas leis expressas para defender a não realização da eutanásia, outra parte procura brechas nesta mesma lei do ordenamento jurídico, afim de encontrar lacunas que favoreça sua realização.

Nota-se que além do Código Penal brasileiro, os Códigos de Ética da medicina, enfermagem e hospitais, visam defender a vida de todas as formas até o seu fim natural, mas utilizando processos análogos a leis internacionais, e muitos ainda defendem o fim alheio quando dos quadros irreversíveis e de sofrimento extremo.

Destaca-se também que o aumento do número de simpatizantes a eutanásia vem crescendo consideravelmente, o que se nota quando da verificação de paises que a cada ano classificam a eutanásia como ato lícito, mesmo que dentro de certas condições para ocorrer.

Fica clara a necessidade de mais estudos acerca do tema, visto que o Brasil, por ser um país de maioria católica e onde o tema começa a ser tratado de forma mais concisa nos dias atuais, torna-se de suma importância um aprofundamento concreto quanto aos resultados obtidos nos países em que a eutanásia é permitida bem como nas leis e condições gerais para que este processo possa vir a ser realizado no Brasil.

A eutanásia é a sentença de morte determinada por um indivíduo desprovido de consciência exata da situação, visando apenas uma ação, objetivando resultar o cessar instantâneo da aflição momentânea pela qual passa.

Legalizar a eutanásia é atestar a incapacidade de se lutar pela vida, vida esta tutelada de forma objetiva antes da situação determinante de seu fim, quando de sua manutenção moral, física e ideológica, contradizendo não só o fato fundamental defendido por diversas religiões quanto ao retirar da vida, mas também dando a outrem o poder de decisão de manter ou não tal direito.

Assim, é defendida a não legalização da eutanásia, sendo que desta forma defende-se também o cumprimento do exposto no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil no que tange a inviolabilidade do direito à “vida”, não entendendo a “liberdade” que o segue, como uma liberdade de escolha a eximir tal tutela principal.

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[1] Art 121. Matar alguém: Pena – reclusão, de seis a vinte anos. Caso de diminuição de pena. § 1º – Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. […]

[2] Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]. (BRASIL, 2005).

[3] Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário. I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro. II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. (BRASIL, 2005).

[4] “No momento de ser admitido como membro da profissão médica, eu me comprometo solenemente a consagrar toda minha vida a serviço da humanidade […] Mostrarei o máximo respeito pela vida humana, desde o momento de sua concepção; nem mesmo coagido farei uso de meus conhecimentos médicos para fins que sejam contrários às leis humanas: […]. (PESSINE; BARCHIFONTAINE , 1997).

[5] Do livro “OS FATOS DA VIDA”, de Brian Clowes, PhD, – Tradução da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, Capítulo V.

[6] Congregação para a Doutrina da Fé. Declaração sobre Eutanásia. Cidade do Vaticano: Vaticano, 1980. Disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/eutvatic.htm. Acesso em: 14 de ago. 2009

[7] Brasil. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado no.125, de 1996. (autoriza a prática da morte sem dor nos casos em que especifica e dá outras providências.)

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