Além de informar

IstoÉ é condenada a pagar R$ 40 mil a Sérgio Otero

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16 de dezembro de 2009, 0h50

Por entender que a revista IstoÉ, do Grupo de Comunicação Três, extrapolou no limite de informar, a juíza Jaqueline Mainel Rocha de Macedo, da 4ª Vara Cível de Brasília, condenou a publicação a pagar R$ 40 mil de indenização por danos morais ao ex-presidente da Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), Sérgio Otero, e à empresária Rosane Rodrigues. Para os autores da ação, a campanha ofensiva da publicação contra o casal tinha como objetivo atingir o então secretário-geral da presidência da República, Eduardo Jorge Caldas Pereira, amigo pessoal de Otero e que à epoca era também alvo de uma campanha de acusações na imprensa.

Citando os trechos das reportagens publicadas em edições diferentes da revista, a juíza afirmou que os textos não se resumiam à informação. “Pecam pelo excesso no juízo de valor, degringolando para a desmedida ironia, ao comparar os demandantes com outras figuras públicas envolvidas em escândalos com o desvio de dinheiro público”, disse a juíza.

Ela citou trecho da notícia que diz “tudo isso [mansão que os autores da ação estariam, de acordo com a reportagem, construindo] corre agora o risco de ir para o ralo abaixo. Pior: podem perder a oportunidade de serem os felizes proprietários de um lote que tem vizinhos famosos como o ex-senador Luiz Estevão e os ex-deputados Sérgio Naya e Múcio Athaide. Que peninha!”.

A juíza também diz que uma das reportagens divulgou “conteúdo inverídico sobre a conclusão da sindicância interna”. Isso porque, explica, segundo a reportagem, houve condenação de Otero por favorecimento a empresas que mantinham negócio com a empresária. “Diante dos fatos objeto de investigação, a indicação é de que haja melhor apuração, pois que a provas reunidas não se mostraram suficientes para instauração de processo administrativo”, disse a juíza depois de analisar o relatório final da sindicância.

Jaqueline Mainel disse, ainda, que as primeiras reportagens da revista acusando o ex-presidente da Serpro e a empresária, foram divulgadas antes do início de qualquer investigação. “Além disso, pecam pelo excesso da linguagem, atribuindo diretamente aos autores o recebimento de favores, incremento patrimonial e de seus familiares a custa do exercício da função pública pelo primeiro demandante e do lobby ‘escancarado’ que atribuem ser exercido pela segunda demandante”, escreveu a juíza.

Segundo a juíza, os dois “foram tratados como verdadeiros condenados, antes mesmo de procedida qualquer apuração e sem que houvesse evidências consistentes das denúncias veiculadas.” De acordo com a decisão, não foram apresentadas provas que demonstrassem haver uma “suspeita séria”.

O ex-presidente da Serpro e a empresária entraram com ação contra a revista, pedindo indenização por notícias publicadas que envolviam seus nomes. Disseram que passaram a ser alvo de “injusta e maliciosa campanha difamatória” promovida pela revista. Segundo os dois, o objeito era ampliar escândalo que envolvia o ex-secretário geral da presidência, Eduardo Jorge, amigo de Otero.

Já a revista disse que as reportagens tinham o objetivo de divulgar fatos de interesse público. Sustentaram que os textos não eram ofensivos, pois relataram suspeitas que foram objeto de sindicância interna e de investigação pelo Ministério Público Federal.

Leia a decisão

Sentença

Trata-se de ação de rito ordinário proposta por SÉRGIO OTERO RIBEIRO e ROSANE RODRIGUES BATISTA contra GRUPO DE COMUNICAÇÃO TRÊS S/A com pedido de condenação em pagamento de quantia certa a título de indenização por danos morais.

Alegam os requerentes que o primeiro autor que é profissional de alta qualificação que sempre se destacou no exercício da função de servidor público, tendo sólida reputação de seriedade, competência e honestidade e que a segunda autora é empresária do ramo de informática que sempre atuou de forma ética e dentro da legalidade.


Dizem que a partir de agosto de 2000 passaram a ser alvo de injusta e maliciosa campanha difamatória promovida pela revista mantida pelo réu, sendo o intuito o de ampliar escândalo que envolvia o ex-Secretário Geral da Presidência, Eduardo Jorge Caldas Pereira.

Citam as matérias jornalísticas veiculadas nas datas de 09/08/2000, 16/08/2000, 23/08/2000, 13/09/2000, 14/10/2000 que, em suma:

a) atribuíam ao primeiro autor ter atingido o cargo de Presidente do Serpro pela influência do ex-Secretário Geral da Presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira, tendo firmado contratos milionários com a empresa TBA;

b) citam a existência de romance entre os autores;

c) acusam estar o primeiro autor milionário, tendo avião em nome de pessoa jurídica da segunda autora e obtido a reforma de academia de seu filho paga por empresa de informática;

d) dizem ser a segunda autora lobista escancarada;

e) sustentam terem os autores terreno em nome de pessoa jurídica em região nobre de Brasília.

Pede, em razão disso, a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais.

Com a inicial, vieram procuração e documentos de fls. 26/480.

Citado, o réu contestou (fls. 529/544), alegando, em preliminar, a decadência em razão de haver transcorrido mais de três meses desde o fato.

No mérito, afirma que o interesse na produção das reportagens era apenas o de divulgar fatos de interesse do público, tendo agido apenas com animus narrandi.

Diz que as reportagens não são ofensivas, pois relatou fatos suspeitos objeto de sindicância interna e de investigação da Procuradoria da República, tendo como fontes Marise Dias Ribeiro e Paulo Braun.

Sustenta que as suspeitas não desmentidas levaram a quebra do sigilo bancário dos autores e que não houve excessos, mas os fatos foram descritos sob o "espírito narrativo da imprensa".

Argumenta que, por terem os autores vida pública, sofrem compressão do direito da personalidade e que não houve menção a qualquer fato da vida privada ou intimidade.

Diz que inexiste dever de indenizar, porque atuou no exercício legal do dever de informar.

Aduz que o valor da indenização deve ser limitado ao que prevêem os arts. 51 a 53 da Lei n. 5.250/67 e aos arts. 944 e 953 do Código Civil, sendo fixada de forma equitativa.

Pede a improcedência do pedido. Juntou os documentos de fls. 545/574.

Em réplica (fls. 581/590), os autores rebatem a prejudicial de decadência e repisam os argumentos iniciais.

Oportunizada a especificação de provas (fl. 592), as partes apresentaram requerimentos (fls. 593/594), tendo sido lançada decisão que indeferiu a produção de outras provas e determinou o julgamento antecipado da lide (fl. 595).

Preclusa a decisão (fl. 598), vieram os autos conclusos para sentença.

É o breve relatório.

DECIDO.

Não há questões processuais a serem decididas, razão pela qual passo a examinar o mérito.

Decadência

Não obstante a previsão legal da ocorrência de decadência em três meses, não há decadência, nem deve ser entendido como adequado o prazo previsto em Lei.

Decadência é o direito de exercer uma faculdade jurídica no prazo concedido pela Lei. No caso não há faculdade a ser exercida pela vítima da publicação, mas exigibilidade de obrigação decorrente do fato. O caso, portanto, é de prescrição, pois a omissão no cumprimento da obrigação implica em violação do Direito.

Sobre o prazo, o lapso de três meses é extremamente curto para a propositura de ação em juízo, com o que se restringe, sem motivação adequada, a reparação do dano moral, o que caracteriza violação, por restrição ao art. 5º., inciso X da Constituição Federal.

O dispositivo do art. 56 da Lei de imprensa que impõe tal prazo é incompatível com o texto da Constituição Federal, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (REsp 191004 / RJ RECURSO ESPECIAL 1998/0074323-5).

Nesse contexto, aplicável o prazo prescricional de três anos esculpido no art. 206, §3º, inciso V, do Código Civil, atentando-se, contudo, que o prazo prescricional teve o início de seu cômputo somente a partir da vigência do Novo Código Civil, tendo em vista que, quando da vigência deste diploma legal, havia transcorrido menos da metade do prazo vintenário então aplicável, na forma da norma de transição trazida pelo art. 2.028 do CC.


Rejeito, pois, a prejudicial ao mérito suscitada.

Da questão principal

A responsabilidade civil tem como pressupostos a prática de ato ilícito ou de risco, o dano e a relação de causalidade entre esses.

De outra parte o dano moral consiste na violação aos direitos da personalidade, direitos esses que abrangem os dados essenciais da pessoa como tal e que se expressam em bens como a vida, a integridade física e psíquica, a honra, a imagem, o nome, dentre outros.

No caso presente, o ato ilícito que, segundo os autores, teria sido praticado pelo réu, e que teria atingido a sua honra, foi a conduta de promover publicação jornalística que não corresponde a realidade e que teria atingido a sua honra.

Segundo demonstram os autos, a revista produzida pelo réu efetuou diversas publicações reportando-se aos autores.

No exemplar de n. 1610, datado de 09 de agosto de 2000, noticiou o requerido que (fl. 30):

"Acusado de fazer lobby para empresas de computação conseguirem contratos na administração pública, Eduardo Jorge tem um poderoso aliado no setor de informática estatal: amigo do peito e apadrinhado do ex-ministro, o economista Sérgio Otero Ribeiro é desde 1994 presidente do Serpro, a principal empresa de processamento de dados do governo federal. Chegou lá pelas mãos de Eduardo Jorge com quem faz dobradinha há três décadas quando participaram da montagem do Prodasen, o serviço de informática do Senado Federal. Com Eduardo Jorge e Sérgio Otero no governo, começa a meteórica ascensão da TBA Informática, uma pequena empresa da ex-funcionária pública Cristina Boner, que cresceu na esteira de dois milionários contratos com o governo, consolidou uma parceria com a gigante Microsoft e abocanhou novos negócios em toda a administração pública. Em seis anos, a TBA virou uma holding com nove empresas, e seu faturamento anual pulou de R$ 85 mil para 100 milhões. (…) Outro negócio que ajudou a anabolizar a TBA a TBA foi o contrato firmado em outubro de 1995 com o Serpro, na gestão de Sérgio Otero. Ao contrário da CEF, esse negócio foi conseguido na concorrência pública 1200/95. De acordo com o Siafi, o banco de dados dos pagamentos da administração federal, só em 1996 o Serpro desembolsou R$ 7,2 milhões para a TBA. De lá para cá a estatal pagou mais de R$ 45,1 milhões à empresa de Cristina. Meses antes de fechar o contrato, Sérgio Otero conheceu Cristina Boner e a gerente de conta da TBA em Belo Horizonte, Rosane Rodrigues Batista.

Segue referindo-se, então, ao relacionamento do primeiro com a segunda autora:

"Romance

Um ano depois, Rosane mudou para Brasília e passou a morar com o presidente do Serpro, com quem tem uma filha. Em julho de 1997, já fora da TBA, ela criou a RBB Serviços de Informática Ltda., empresa conhecida no mercado por se oferecer para abrir portas no governo federa. A atual mulher de Otero também integra a filial brasiliense da Prolan Soluções Integradas. Segundo dados do Siafi, a sucursal brasiliense da Prolan recebeu só este ano R$ 2,6 milhões do Serpro. Enquanto Rosane ganhava vôo próprio, Cristina Boner montava seu império."

No exemplar n.1611, de 16 de agosto de 2000 (fl. 34), destacou a revista a seguinte manchete:

"O vôo do emergente – Apadrinhado de Eduardo Jorge, Presidente do Serpro está milionário sendo funcionário público."

O texto destacava que luxuosa festa fora realizada em comemoração ao aniversário do primeiro autor, com valores arrecadados pela segunda autora perante empresários que mantinham contratos com o Serpro, destacando na seqüência, o incremento patrimonial dos autores:

"O aniversariante Otero é presidente do Serpro desde 1994 e foi nomeado graças à influência do parceiro Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-secretário geral da Presidência da República. Como EJ, Otero sempre foi funcionário público e, a exemplo do padrinho, também melhorou muito de vida nos últimos anos. O ex-ministro Eduardo Jorge declarou ao Imposto de Renda que dobrou seu patrimônio líquido no ano passado. A evolução patrimonial de Otero, porém, não consta em seu nome nos registros do Fisco.

Sempre no ar – O presidente do Serpro é proprietário, por exemplo, de um Seneca bimotor de seis lugares, prefixo PT-EMT, avaliado em R$ 200 mil e recentemente reformado. O avião está em nome da RRB Serviços de Informática Ltda., empresa da mulher, Rosane, conhecida no mercado por se oferecer para abrir portas no governo federal, mas quem vive cortando os ares de Brasília a bordo da aeronave é o próprio Otero. Ao mesmo tempo que acompanham as agruras do amigo Eduardo Jorge, Sérgio Otero e Rosane estão contratando engenheiros e arquitetos para construir uma mansão, que terá inclusive elevador, numa área exclusiva e nobre de Brasília, próxima ao Iate Clube. O terreno vale R$ 600 mil, e também não está registrado no nome do casal, mas sim da Prolan Soluções Integradas, empresa que tem Rosane em sua filial brasiliense e milionários contratos com o Serpro. Ao contrário de Eduardo Jorge, acusado de praticar tráfico de influência nas sombras, Rosane sempre foi uma lobista escancarada. Chegou a ganhar no Serpro o apelido de primeira-dama por cobrar, inclusive de diretores da estatal, o atendimento de pleitos de seus clientes privados.


Além da desenvoltura da mulher, Sérgio Otero é acusado de aceitar vantagens de um dos maiores fornecedores do Serpro, a gigante da informática IBM. Ex-diretor de investimentos do fundo de pensões do Serpro e atual ouvidor-geral da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará, Paulo Roberto Braun revelou a ISTOÉ (leia entrevista à pág. 29) ter ouvido do próprio presidente do Serpro que a IBM estava bancando suas viagens a passeio no Exterior e ajudando seu filho Dalmo Ribeiro a montar uma sofisticada academia de ginástica em Brasília. Braun conta ainda que abortou uma negociata que estava sendo armada entre a turma de Otero e um empresário. Mais uma vez, Otero não quis falar a ISTOÉ.

Os procuradores da República já estão de olho na dupla Eduardo Jorge/Sérgio Otero em outro caso suspeito. Dez dias depois da reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, a turma de Otero propôs e o ministro da Fazenda, Pedro Malan, assinou a portaria 273 que, de maneira inusitada, tirou do Serpro e entregou à iniciativa privada os serviços de informática em quase toda a administração direta e indireta – e até no Congresso. Com a desculpa de cortar despesas e enxugar a máquina, o Serpro abriu mão, por exemplo, de negócios superiores a R$ 7 milhões com o Ministério da Agricultura e R$ 5 milhões com o da Saúde. O que chamou a atenção dos procuradores foi o contrato, sem licitação, assinado entre o Ministério da Justiça e a Montreal Informática, em janeiro de 1999."

No exemplar de n. 1612, de 23 de agosto de 2000 narra novamente os fatos anteriormente noticiados a atribui o afastamento do primeiro autor aos mesmos, destacando em manchete:

"A queda do amigo – Sérgio Otero, parceiro de Eduardo Jorge, é afastado do Serpro depois de enriquecer e ser acusado de favorecer empresas privadas"

Na notícia, destaca-se:

"Na esteira dos escândalos que envolvem o ex-secretário-geral da Presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira, no final da tarde da quinta-feira 17 caiu o presidente do poderoso Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), Sérgio de Otero Ribeiro. Com uma canetada, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, afastou o apadrinhado e parceiro de Eduardo Jorge e criou uma comissão de sindicância para apurar denúncias publicadas por ISTOÉ: o favorecimento a empresas privadas de informática com negócios com o Serpro e o enriquecimento de Otero com a aquisição de um avião e de outros bens não declarados em seu nome à Receita Federal. Na segunda-feira 14, Malan resolveu investigar as acusações e escalou seu chefe de gabinete, João Batista Magalhães, para ouvir a defesa de Otero. No dia seguinte, durante quatro horas o presidente do Serpro deu explicações ao Ministério da Fazenda, mas não conseguiu convencer de que não tinha culpa no cartório. Ao final da conversa, pediu para falar com o ministro, mas não foi recebido. Sua sorte já estava selada e Otero ainda terá muito que justificar à comissão de sindicância e ao Ministério Público. Por exemplo, as atividades empresariais de sua mulher, Rosane Rodrigues Batista.

Dona da RBB Serviços de Informática Ltda. – em cujo nome está registrado o Seneca bimotor de seis lugares, prefixo PT-EMT, com que Otero cruza os ares de Brasília -, Rosane é conhecida no mercado por se oferecer para abrir portas no governo, especialmente no Serpro. Ela também integra a filial brasiliense da Prolan Soluções Integradas, que tem contratos milionários com o Serpro e adquiriu por R$ 600 mil o terreno em área nobre e exclusiva da capital federal onde o casal Otero planeja construir uma mansão. Rosane costuma ainda pedir dinheiro a fornecedores do Serpro, sob variados pretextos: de pagamento de festas a tratamentos de saúde do marido. Cada empresário é instado a contribuir com R$ 20 mil a R$ 30 mil em cada "vaquinha".

Otero terá de explicar também as denúncias do advogado Paulo Roberto Medeiros Braun – ex-diretor de investimentos do fundo de pensão dos funcionários do Serpro e ex-superintendente da estatal – de que teria recebido favores da multinacional IBM. Braun conta que na primeira semana de janeiro de 1996 ouviu do próprio Otero a informação de que iria às Olimpíadas de Atlanta à custa da IBM. No dia 18 de janeiro, Braun reproduziu a conversa diante da diretoria do Serpro e provocou um irado desmentido de Otero. Curioso é que na defesa que apresentou ao Ministério da Fazenda, Otero acaba confirmando em parte as denúncias de Braun, que, nos próximos dias, vai repeti-las ao Ministério Público. O presidente do Serpro entregou cópia de um ofício da IBM, datado de 8 de julho de 1996, em que a empresa parcela para depois dos Jogos Olímpicos o reembolso em três vezes das despesas que teve com "as diárias de hotel, alimentação, transporte local, ingresso e material de apoio para dois participantes". Otero viajou várias vezes ao Exterior para participar de eventos de multinacionais de informática com todas as despesas pagas pelas empresas patrocinadoras. Ele já ficou três dias em Nova York por conta da IBM e oito dias em Washington em uma das três viagens que fez à custa da Microsoft.


Os investigadores do governo e da Procuradoria da República querem saber também de Sérgio Otero sobre o seu relacionamento com a TBA Informática, um pequena empresa que virou gigante e em seis anos deu um salto no faturamento anual de R$ 85 mil para R$ 100 milhões. De acordo com a funcionária pública aposentada Marisa Dias Ribeiro, ex-mulher do presidente do Serpro, teve dedo de Otero na meteórica ascensão da TBA. ‘O Eduardo Jorge e o Sérgio são muito amigos, um não fazia nada sem consultar o outro’, conta Marisa. As peripécias de EJ e Otero finalmente convenceram o presidente Fernando Henrique a colocar tranca na porta arrombada. Depois de ouvir de Malan um relato sobre o afastamento de Otero, FHC resolveu anunciar na próxima segunda-feira um código de conduta para os servidores públicos. As normas parecem feitas sob medida para a dupla EJ/Otero: os funcionários ficam obrigados a declarar qualquer alteração patrimonial, não podem mais receber presentes que custam mais de R$ 100 e são proibidos de ter passagens, hospedagem e outras benesses pagas por empresas privadas."

Na edição n. 1615, de 13 de setembro de 2000, a revista editada pelo réu publicou novamente fatos relacionados ao incremento patrimonial dos autores, destacando na manchete:

"Amigo Mouse – Sérgio Otero, parceiro de Eduardo Jorge, mentiu ao dizer que não comprou terreno de R$ 600 mil em Brasília"

O texto subseqüente dizia:

"O presidente afastado do Serviço de Processamento de Dados do governo federal (Serpro), Sérgio de Otero Ribeiro, negou em depoimentos ao Ministério Público e à comissão de sindicância criada pelo governo que fosse o verdadeiro dono de um lote adquirido, em fevereiro deste ano, por R$ 600 mil numa área nobre e exclusiva de Brasília. Como fez o parceiro e amigo Eduardo Jorge Caldas Pereira na subcomissão do Senado, Otero não falou a verdade. Sua versão começou a ser desmontada na manhã da quarta-feira 6 quando o corretor de imóveis Anderson Couto Fraga contou aos procuradores da República Guilherme Schelb e Luiz Francisco de Souza que quem negociou e comprou o imóvel foi Rosane Rodrigues Batista, atual mulher de Otero. Na hora de assinar o contrato, surpresa para o corretor e o vendedor Raimundo Correia de Menezes. Anderson contou que Rosane pediu para registrar a propriedade em nome da empresa Amigo Mouse Software, de Rosselito Correa Parra, que tem pendências com a Receita Federal. O cheque administrativo nº024728-6, emitido pelo Bradesco, quitou o negócio. A amigos, Rosane revelou que por trás da transação estaria a Prolan Soluções Integradas, empresa que tem a mulher de Otero em sua filial brasiliense e milionários contratos com o Serpro. A Prolan nega que tenha bancado a compra do terreno. O Ministério Público vai fazer o rastreamento do cheque para identificar de onde veio o dinheiro.

Horas depois do depoimento do corretor, a viúva Geralda Alves Alvarenga, que há 17 anos mora em um barraco dentro do terreno, revelou aos dois procuradores os preparativos do casal Otero para construir no local uma mansão de dois andares, com mil metros quadrados. ‘Ela aparecia quase diariamente. Dizia que tinha pressa em que eu desocupasse o terreno porque o contrato de aluguel da casa ao lado, onde ela morava, estava vencendo e precisava construir logo a nova casa’, disse Geralda aos procuradores. Foram oferecidos R$ 9 mil para Geralda deixar o lote, mas ela bateu pé argumentando que precisava de R$ 15 mil para comprar uma casa em que pudesse morar com seus cinco filhos. No começo de agosto, em companhia de Otero, Rosane esteve lá pela última vez. Logo depois ISTOÉ começou a publicar as denúncias que causaram a queda do presidente do Serpro e eles não deram mais as caras. Filho do dono da Samantha Imóveis, empresa que intermediou o negócio, Anderson Fraga também disse aos procuradores que acompanhou Rosane em algumas visitas a dona Geralda. ‘Quarenta dias depois da venda do lote, a sra. Rosane me procurou para se queixar. Ela disse que tinha feito sua parte e queria o imóvel desocupado’. ISTOÉ teve acesso no Cartório do 4º Ofício de Notas de Brasília a um ‘dossiê de escritura’ em que aparece levemente riscado o nome de Rosane Batista como compradora do lote junto com o da empresa Amigo Mouse. ‘Esses depoimentos claros e consistentes e todas as outras evidências reforçam a necessidade de se criar uma CPI para investigar os negócios do ex-ministro Eduardo Jorge e de sua turma’, avalia o procurador Luiz Francisco.


Enquanto a tropa de choque governista impede a criação da CPI, o Ministério Público vai avançando em suas investigações. Nos próximos dias vai depor Rosane Batista.

Ela tem muito a explicar. Além da compra do terreno, terá de revelar como adquiriu um avião Sêneca bimotor, de seis lugares, que deu de presente ao marido. Em seu depoimento, Otero simplesmente disse que não sabia como a mulher comprou o avião. Os procuradores querem ainda uma explicação para os negócios entre fornecedores do Serpro e a RRB Serviços de Informática Ltda. – empresa de Rosane conhecida no mercado por se oferecer para abrir portas no governo. Otero também poderá ter problemas. Termina na próxima semana o prazo para a comissão de sindicância criada pelo Ministério da Fazenda apurar as denúncias contra o presidente afastado do Serpro. No governo ele já é considerado carta fora do baralho, sem chance de voltar ao cargo. Pode, sim, ser convocado pela Comissão de Fiscalização e Controle no Senado para onde foi encaminhada a investigação sobre as atividades de Eduardo Jorge nas áreas de informática, seguradoras e fundos de pensão.

Mesmo com todo o empenho do Palácio do Planalto em abafar qualquer investigação que possa chegar a Eduardo Jorge, o casal Otero está no pior dos mundos. Sonhou em construir uma mansão cinematográfica, adquiriu um terreno nobre numa área tão exclusiva que só existem outros 16 e contratou arquitetos renomados para a execução do projeto. Rosane e Sérgio planejaram até a instalação de um elevador para não terem de subir de escada ao segundo andar de onde teriam um vista deslumbrante do Lago Paranoá. Tudo isso corre agora o risco de ir ralo abaixo. Pior: podem perder a oportunidade de serem os felizes proprietários de um lote que tem vizinhos famosos como o ex-senador Luiz Estevão e os ex-deputados Sérgio Naya e Múcio Athaide. Que peninha!"

Por fim, na edição n. 1620, de 18 de outubro de 2000, a revista editada pelo réu novamente cita os fatos trazidos nas edições anteriores e traz a seguinte manchete (fl. 364):

"Comprovada a falcatrua – Sindicância condena favorecimento de Otero a empresas que têm negócios com sua mulher".

Por certo que tais publicações agridem a honra objetiva dos autores.

A reportagem veiculada em 09 de agosto de 2000 atribui ao primeiro autor ter contribuído, na condição de Presidente do Serpro, para a ascensão de empresas de informática, assim como para empresas de sua então mulher, a segunda requerente.

Tais afirmações colocam em jogo a reputação de qualquer servidor público, situação do primeiro demandante, responsável pela condução da coisa pública, assim como da segunda demandante, empresária do ramo de informática.

A reportagem de 16 de agosto de 2000, de forma mais grave, refere-se ao incremento patrimonial dos autores, a despeito de não haver declaração de tal aumento ao fisco, como sendo resultado do recebimento de vantagens e favores de empresas privadas, o que representa ainda maior gravidade, por imputar o favorecimento na condução da coisa pública, assim como de familiares.

Na reportagem de 23 de agosto de 2000, foi noticiado o afastamento do primeiro autor do cargo de Presidente do Serpro diante das denúncias contra ele lançadas, o que, por si só, não representa caráter ofensivo, não fosse pela menção, novamente, ao incremento patrimonial ilícito do autor. Destaca, ainda, a instauração de sindicância no âmbito da Administração Federal e de investigação pelo Ministério Público para apuração dos fatos.

A matéria publicada na edição de 13 de setembro de 2000, de igual modo, historia o incremento patrimonial dos autores e destaca que os mesmos estão sob investigação de sindicância e do Ministério Público. Porém, os fatos narrados não resumem-se ao exercício do direito de informar, liberdade pública assegurada pelo texto constitucional, pois pecam pelo excesso no juízo de valor, degringolando para a desmedida ironia, ao comparar os demandantes com outras figuras públicas envolvidas em escândalos com o desvio de dinheiro público, em especial no trecho "Tudo isso corre agora o risco de ir para o ralo abaixo. Pior: podem perder a oportunidade de serem os felizes proprietários e um lote que tem vizinhos famosos como o ex-senador Luiz Estevão e os ex-deputados Sérgio Naya e Múcio Athaide. Que peninha!"


Por fim, a matéria veiculada em 14 de outubro de 2000 divulga conteúdo inverídico sobre a conclusão da sindicância interna, trazendo em manchete que teria havido condenação do primeiro autor por favorecimento a empresas que mantinham negócio com a segunda autora. Compulsando o relatório final da sindicância (fls. 367/381) não é isso que emerge. Diante dos fatos objeto de investigação, a indicação é de que haja melhor apuração, pois que a provas reunidas não se mostraram suficientes para instauração de processo administrativo.

Assim, há que se reconhecer a violação da honra dos autores na publicação das reportagens acima mencionadas.

Argumenta o requerido que as notícias veiculadas não se mostram ofensivas, pois relataram apenas fatos suspeitos, no interesse público e com animus narrandi.

Todavia, não é isso que se observa dos trechos acima destacados. As primeiras reportagens produzidas foram veiculadas antes do início de qualquer investigação, que somente foi procedida posteriormente. Além disso, pecam pelo excesso da linguagem, atribuindo diretamente aos autores o recebimento de favores, incremento patrimonial e de seus familiares a custa do exercício da função pública pelo primeiro demandante e do lobby "escancarado" que atribuem ser exercido pela segunda demandante.

Sustenta o réu que os fatos veiculados vêm respaldados nas denúncias feitas por Marise Dias, ex mulher do primeiro autor, e de Paulo Braun. Porém, dos textos há menção apenas secundária a acusação formulada por tais indivíduos. O tom da matéria jornalística extrapola a simples menção a acusação formulada por tais pessoas, porque afirma enfaticamente, como sendo fato público e notório, que os autores se beneficiaram da coisa pública, antes da conclusão de qualquer investigação.

A propósito, vale destacar que a fonte citada pelo réu – Paulo Braun – foi denunciado pelo Ministério Público Federal pelas acusações veiculadas na revista editada pelo réu em 16 de agosto de 2000, tendo o processo se encerrado em razão da suspensão condicional do mesmo (fls. 60/354).

Aduz o réu que os fatos noticiados levaram, inclusive, a quebra do sigilo bancário dos autores, como demonstram os documentos de fls. 556/564, o que também não afasta a ofensa a honra dos autores. Isso porque foram tratados como verdadeiros condenados, antes mesmo de procedida qualquer apuração e sem que houvesse evidências consistentes das denúncias veiculadas.

Afirma o réu que as publicações ocorreram no âmbito do direito de liberdade de expressão e que tinham o objetivo de esclarecer a verdade.

Entretanto, não pode ser acolhida esta tese que configuraria o reconhecimento de fato modificativo do direito do autor (art. 326 do CPC). Com efeito, afirmar enfaticamente que os autores se beneficiaram da coisa pública exige uma reflexão, uma apuração maior do órgão de divulgação, para que não sejam os órgãos de imprensa meio de açodamento e de quebra do equilíbrio que deve presidir a relação entre a Imprensa e os cidadãos. Nenhum elemento de prova foi apresentado pela ré no sentido de demonstrar que havia uma suspeita séria sobre este fato. Não afirma em que se baseia, a não ser em pequenos trechos veiculados nas reportagens datadas de 23 de agosto e 13 de setembro de 2000.

Afirmações tão graves, sem respaldo, demonstram, no mínimo a assunção pelo órgão de imprensa de um risco de violação à personalidade de alguém que não pode ser indene de reparação.

A liberdade de imprensa há de ser exercida tendo por limite a preservação de outros direitos, não havendo que se falar em flexibilização por se tratarem os autores de figuras públicas.

Uma verdadeira democracia somente se constrói com a realização plena dos direitos e garantias fundamentais em que todos os valores que são caros a uma sociedade convivam em harmonia. Assim, é que faz-se necessária a ponderação da liberdade de manifestação de pensamento (art. .5º., IX), com a proteção à honra das pessoas (art. 5º., X). Não há um valor maior do que o outro, embora se reconheça que em algumas situações se tente fazer ultrapassar os limites do razoável, como aconteceu no caso presente.


Assim, reconheço a violação do patrimônio moral dos autores, sendo cabível a indenização respectiva.

Do valor da indenização

Não há critérios legais para a fixação da indenização, razão pela qual, com esteio na doutrina, devo considerar vários fatores, que se expressam em cláusulas abertas como a reprovabilidade do fato, a intensidade e duração do sofrimento, a capacidade econômica de ambas as partes (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo. Editora Malheiros, 2000, pág. 81).

Nesses casos, os sentimentos e o sofrimento atingem os mais íntimos direitos da personalidade. Não se pode, entretanto, esquecer que o principal fundamento para a indenização por danos morais é o caráter pedagógico da indenização.

É relevante, neste caso, o valor de desestimulo para a fixação do dano moral, que representa o caráter pedagógico da reparação.

É que, além do aspecto compensatório o dano moral tem um efeito preventivo que é observado pela teoria do valor de desestímulo: "a função presente na teoria do valor do desestímulo do espírito lesivo do agente, exerce papel de relativa importância nos futuros atos que venham a ser praticados pelo ofensor no meio social" (REYS, Clayton. Os novos rumos da indenização do dano moral. Rio de Janeiro. 2003, pág. 162).

Esta tendência é verificável também na jurisprudência, conforme já sinalizou o Superior Tribunal de Justiça: "… Ademais, a reparação deve ter fim também pedagógico, de modo a desestimular a prática de outros ilícitos similares…" (RESP 355392 Min. NANCY ANDRIGHI)

Neste sentido devem ser consideradas as circunstâncias de ser o primeiro autor servidor público de carreira, e segunda autora empresária do ramo de informática, que mantinha contratos na esfera pública.

Destaco que a indenização não deve ser limitada aos patamares trazidos pelo art. 51 a 57 da Lei n. 5.250/67. Isso porque a tarifação de indenização se mostra em dissonância com o texto constitucional, que prevê a indenização na medida do dano experimentado. Nesse sentido, cito o seguinte aresto do colendo TJDFT:

"DANO MORAL – REPORTAGEM VEICULADA EM JORNAIS DE GRANDE CIRCULAÇÃO – NOTÍCIA QUE EXTRAPOLOU O DEVER DE INFORMAR A SOCIEDADE, TRAZENDO INFORMAÇÃO FALSA A RESPEITO DA AUTORA, QUE FOI CITADA NOMINALMENTE – INDENIZAÇÃO DEVIDA – QUANTUM – VALOR DA CONDENAÇÃO MANTIDO – RECURSOS IMPROVIDOS.

I – Tendo-se a certeza da conduta, o que se há de perquirir, para a conclusão de ocorrência do dano moral, é a potencialidade desta, em abstrato, em atingir de forma lesiva os bens guardados sob a égide do instituto do dano moral, quais sejam, a imagem, o bom nome, a privacidade, a honra, dentre outros. E o propósito de ofender é o elemento subjetivo nos crimes contra a honra.

II – Com efeito, o teor da matéria relatada nos autos, a toda evidência, se encontra revestida desta potencialidade, sendo inquestionável que teve o condão de macular a reputação da autora perante os leitores dos referidos periódicos e dos colegas de trabalho, em face do conteúdo nitidamente difamatório.

III – O valor da indenização há de ser fixado com moderação, observadas a posição social e a capacidade econômica das partes envolvidas, sob pena de propiciar o enriquecimento indevido do ofendido ou o estímulo à prática de nova conduta irregular pelo ofensor.

IV – A jurisprudência do colendo STJ é firme no sentido da inaplicabilidade de tarifação prevista na Lei de Imprensa, devendo o magistrado levar em conta o princípio da razoabilidade."

(20060110089856APC, Relator LECIR MANOEL DA LUZ, 5ª Turma Cível, julgado em 19/08/2009, DJ 14/09/2009 p. 191)

Considero, estes elementos e o valor de desestímulo, especialmente a necessidade de se reprimir o abuso na ânsia de captar leitores, as condições econômicas dos autores e do réu, e a veiculação nacional da revista editada pelo réu, para entender que uma indenização de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) é suficiente como resposta para o fato da violação do direito.

ANTE O EXPOSTO, julgo procedente o pedido, para condenar o réu ao pagamento do valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), os quais devem ser corrigidos monetariamente pelos índices oficiais e acrescidos de juros de 1% a partir da presente data.

Condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação, além das custas do processo.

Cumpra, o réu, a obrigação de pagar ora imposta, no prazo de 15 dias, sob pena de multa de 10%, na forma do art. 475-J do CPC.

Publique-se, registre-se e intimem-se.

Brasília – DF, segunda-feira, 14/12/2009 às 14h59.

Jaqueline Mainel Rocha de Macedo
Juíza de Direito Substituta

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