Transmissão do HIV

Recomendação que Ministério quer fazer fere lei

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15 de dezembro de 2009, 7h44

Causa espécie a informação segundo a qual o Ministério da Saúde brasileiro está em vias de produzir uma recomendação ao Poder Judiciário para que não trate como criminosa a conduta do portador do vírus HIV que, mesmo sabendo ser soropositivo, tenha mantido relações sexuais sem proteção, ou seja, sem o uso de preservativos. Não é possível visualizar qualquer fundamento jurídico, ético ou mesmo social em uma recomendação desse teor.

A simples possibilidade de transmissão do HIV (vírus da Aids), por uma pessoa que saiba ser portadora do vírus e tenha mantido relações sexuais sem proteção é uma conduta típica, prevista no artigo 130 do Código Penal. Neste crime (“Perigo de contágio venéreo”), o agente sabe, ou deveria saber, que está infectado e, apesar de não ter efetiva intenção de transmitir a doença, mantém relação sexual ou qualquer ato libidinoso com a vítima e, assim, responde criminalmente pela simples exposição (arriscar, colocar em perigo) do outro ao perigo de contágio (pena de detenção de três meses a um ano). Mas se ele tinha a intenção de transmitir a doença, a pena é bem mais pesada — reclusão, de um a quatro anos.

É indiferente para a consumação do crime tipificado no artigo 130 do Código Penal comprovar-se a efetiva contaminação da vítima. Entretanto, havendo contaminação, o agente responderá por lesão corporal gravíssima (pena de reclusão de dois a oito anos); lesão corporal seguida de morte (pena de reclusão de quatro a 12 anos); homicídio doloso, tentado ou consumado (pena de reclusão de seis a 20 anos ou de detenção de um a três anos, para o tentado).

Portanto, trata-se de conduta lesiva grave, já prevista como crime na legislação pátria, em total conformidade com os preceitos constitucionais de proteção à vida, à saúde e à incolumidade física das pessoas. Recomendar ao Judiciário a não aplicação da lei é o mesmo que recomendar ao médico a omissão de socorro e de tratamento dos doentes. O Judiciário tem o dever de aplicar a lei.

Caso a suposta recomendação do Ministério da Saúde fosse dirigida ao Poder Legislativo, a fim de alterar o Código Penal, tal medida também seria inconstitucional e desumana, uma vez que é dever do Estado garantir a vida e a saúde da população, conforme preceitua o artigo 196 da Constituição Federal.

Uma recomendação nesses moldes revela no mínimo imprudência do Ministério da Saúde e, possivelmente, um sorrateiro intuito de promoção de sua imagem perante os “não-instruídos”, na medida em que vai de encontro à sua própria função de "proteger e recuperar a saúde da população, reduzindo as enfermidades, controlando as doenças endêmicas e parasitárias e melhorando a vigilância à saúde, dando, assim, mais qualidade de vida ao brasileiro".

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