JUSTIÇA NA HISTÓRIA

A luta dos juristas pela democracia no Brasil

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15 de dezembro de 2009, 6h10

Spacca
Coluna Cassio Schubsky - SpaccaIndiscutível o papel que os juristas sempre tiveram como mola propulsora de transformações sociais, na luta por valores essenciais a todos os seres humanos como a Justiça e a Liberdade.

Apenas a título de exemplo, se voltarmos os olhos para a Revolução Francesa, encontraremos entre os seus principais líderes os advogados Danton e Robespierre. Na Conjuração Mineira, ao lado do militar Tiradentes, figuravam o jurista, desembargador e procurador da Coroa Cláudio Manuel da Costa ou o magistrado Tomás Antonio Gonzaga.

Na luta contra o Estado Novo, além da ferrenha resistência dos estudantes do Largo de São Francisco, destacaram-se juristas de Minas Gerais, que se notabilizaram por escrever importante documento contra a tirania, que ficou conhecido como “Manifesto dos Mineiros”, lançado em 1943 e que representou um marco na derrocada da ditadura Vargas.

Hélio Campos Mello
Goffredo lê a Carta aos Brasileiros, no pátio das Arcadas (Faculdade de Direito da USP), em 8 de agosto de 1977, ante numerosa assistência. - Hélio Campos MelloContra o regime militar implantado em 1964, novamente estavam os juristas irmanados, sob as Arcadas, para celebrar a leitura da “Carta aos Brasileiros”, escrita pelo professor Goffredo da Silva Telles Jr. e subscrita por centenas de pessoas, a grande maioria juristas (foto). Estes, afinal, também se reuniam para bradar por democracia e pela volta do Estado Democrático de Direito nas entidades de classe, com destaque para a Ordem dos Advogados do Brasil. 

A COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ DE SÃO PAULO
A resistência pacífica à ditadura militar, que assolou o País de 1964 a 1985, deu-se em variadas frentes. Nas salas de aula, nas tribunas da imprensa e nas barras dos tribunais, democratas lutavam, como podiam, arriscando a própria vida. É certo que os combatentes foram muitos, milhares, muitos e muitos milhares, espalhados pelo Brasil afora, organizados em associações, sindicatos e em diversas outras organizações não-governamentais, ou mesmo nos partidos, legais ou clandestinos.

Na linha de frente da resistência democrática, destacaram-se as Comissões Justiça e Paz nacional e nos estados. Entre elas, com relevante atuação, sobressaiu-se a Comissão Justiça e Paz de São Paulo (CJP-SP).

Concebida, em 1972, por Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo da Cúria Metropolitana de São Paulo, desde logo a CJP-SP ancorou-se no destemor e na disposição de lutas dos juristas. O primeiro presidente da entidade foi Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da USP. Sucederam-no outros luminares do Direito pátrio, entre os quais José Carlos Dias (advogado criminalista e ex-ministro da Justiça), José Gregori (ex-ministro da Justiça e atual secretário municipal de Direitos Humanos da cidade de São Paulo), Antonio Carlos Malheiros (desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo) e Marco Antônio Barbosa (advogado).

Frutuosa foi a atuação da Comissão Justiça e Paz de São Paulo. Em pleno Governo Médici, quando a tortura contra presos políticos tornou-se prática generalizada, envolvendo agentes militares e paramilitares, além de policiais civis, a CJP-SP constituiu-se em pólo de ação jurídica e política. Defendendo os presos políticos e denunciando as arbitrariedades do regime – com eco no exterior –, os juristas da Justiça e Paz, ao lado de outros cidadãos (professores, sociólogos etc.), cerravam fileiras, também acolhendo refugiados políticos de ditaduras congêneres à brasileira em outros países da América do Sul.

As lutas da CJP-SP foram se ampliando, ancoradas no alargamento da noção de direitos humanos – direito à vida, à saúde, à educação etc. Com o fim da ditadura, a Comissão continuou ativa, denunciando as arbitrariedades cometidas por autoridades constituídas contra os despossuídos, na luta pela posse da terra, no direito à moradia, contra a violência no sistema prisional, entre tantas outras frentes de batalha. E, nos últimos anos, a CJP-SP tem se notabilizado por sua atuação em prol da educação em direitos humanos, para que os currículos escolares nos variados níveis da educação contemplem noções fundamentais de interesse de todos os cidadãos. E para que o aprendizado vire, enfim, prática cotidiana de um país mais justo e fraterno.

Reprodução
Fé na Luta - Livro - ReproduçãoHistória em livro
A rica trajetória da Comissão Justiça e Paz de São Paulo tem sido objeto de algumas teses e publicações de uns anos para cá. Em 15 de novembro passado, por ocasião da comemoração dos 120 anos da Proclamação da República, foi lançado o livro Fé na Luta – A Comissão Justiça e Paz de São Paulo, da ditadura à democratização, de Maria Victoria Benevides (Editora Lettera.doc), possivelmente a mais completa obra a traçar o itinerário histórico da CJP-SP.

Em 424 páginas, incluindo fotos históricas e uma detalhada cronologia sobre fatos políticos, culturais, sociais e econômicos das últimas décadas, a obra é fruto de ampla pesquisa coordenada pela socióloga e professora titular de Educação da USP, Maria Victoria Benevides, que também é diretora da Escola de Governo, além de militante histórica dos direitos humanos e da própria Comissão.

Como afirma o professor Antonio Candido, em texto inserido na contracapa do livro, “Maria Victoria Benevides é qualificada de maneira especial para contar a história da benemérita Comissão Justiça e Paz de São Paulo, que, sob a inspiração do grande brasileiro e grande pastor que é Dom Paulo Evaristo Arns, foi um reduto na defesa dos direitos humanos em período terrível da nossa história e continua atuando na luta por eles. Além de participar intimamente dos trabalhos da Comissão e, portanto, de conhecê-la por dentro, Maria Victoria tem o equipamento intelectual e afetivo adequado para expor e avaliar o seu papel, o que pressupõe a capacidade de análise social pertinente, mas também a vibração ante o sofrimento dos que têm a sua humanidade lesada. Como cidadã, professora, militante, estudiosa de visada ampla, ela possui a envergadura necessária para narrar o que tem sido uma instituição que é das mais nobres e eficientes em nosso país”. O prefácio da obra é assinado pelo Ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, e as orelhas estão a cargo do jornalista Eugênio Bucci (bacharel em Direito pela USP, que foi presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, em 1984).

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