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STF rejeita ação de Estadão e censura continua

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10 de dezembro de 2009, 18h41

O jornal O Estado de S. Paulo continuará proibido de falar no nome do filho do senador José Sarney, Fernando Sarney. A decisão é do Plenário do Supremo Tribunal Federal, que rejeitou, por maioria, a reclamação apresentada pelo jornal na tentativa de derrubar a censura imposta pela Justiça do Distrito Federal. Os ministros consideraram que o instrumento usado pelo Estadão para contestar a proibição — uma Reclamação por descumprimento de decisão do STF —, não era adequado. Eles não conheceram o pedido, sem entrar no mérito da correção ou não da decisão do Tribunal de Justiça.

A votação terminou em seis votos a três. O relator do processo, ministro Cezar Peluso, considerou que a Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental 130, na qual o Supremo julgou a Lei de Imprensa inconstitucional, não definiu o que seria censura prévia, alegada pelo jornal. O argumento do Estadão foi de que estaria sendo censurado pela Justiça, fato que contraria a decisão do STF no julgamento da ADPF, que considerou a liberdade de imprensa impassível de repressão.

Com Peluso, votaram os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Toffoli apontou que, caso a corte admitisse a Reclamação, todos os temas ligados à liberdade de imprensa passariam a ter de ser vinculados ao julgamento da ADPF, que não encerrou a discussão.

Quem abriu a divergência foi o ministro Carlos Britto, relator da ADPF 130. Segundo ele, cabia a Reclamação porque os magistrados de Brasília teriam usado a Lei 5.250/67, declarada inconstitucional pelo Supremo, de forma velada. “A única base legal que dava poder de censura prévia ao juiz era a Lei de Imprensa, mas nenhum juiz vai admitir que a usou”, disse. Britto admitiu o recurso e votou pela concessão da medida cautelar pedida pelo jornal, sendo seguido pela ministra Cármen Lúcia.

O ministro Celso de Mello foi mais além, e criticou os magistrados que aprovaram a proibição. “A decisão é arbitrária e discriminatória. É lamentável ter de dizer isso de alguns magistrados. As decisões do TJ transgrediram os limites da ADPF 130”, disse.

O julgamento abordou ainda resquícios deixados pelo acórdão relatado por Carlos Britto em relação à Lei de Imprensa, tema em que os ministros parecem ainda não ter se entendido. “Todos aqui concordamos com a liberdade de imprensa, salvo o ministro Marco Aurélio, que votou pela improcedência da ação”, disse o ministro Cezar Peluso em relação ao julgamento da ADPF. “Não sou contrário à liberdade de imprensa, que é direito público do cidadão. A premissa do meu voto foi outra”, interrompeu Marco Aurélio.

Gilmar Mendes e Carlos Britto também discordaram quanto ao veredicto em relação ao julgamento da ADPF, cujo acórdão foi publicado em novembro. “Há posições do ministro Carlos Britto que não mereceram o apoio dos outros ministros, como a impossibilidade de haver lei regulando a imprensa”, disse o presidente da corte. “Mas eu não afirmei isso”, protestou Britto.

Adiantando seu voto, já que, pela ordem, seria o último a se manifestar, Mendes afirmou que a questão da censura ainda precisa ser debatida. Direitos fundamentais previstos na Constituição, como o direito à honra, de acordo com o ministro, devem ser protegidos contra “lesão ou ameaça de lesão”, o que, em seu entendimento, significa manter barreiras antes mesmo que a publicação ofenda o cidadão, e não somente depois que o direito já tiver sido transgredido. “Se são direitos invioláveis, não podem ser violados”. Britto devolveu: “O artigo 5º da Constituição não fala em ameaça de lesão. A Constituição não autoriza censura prévia”.

Para Mendes, a liberdade de imprensa é sobrevalorizada, por ter sido um direito conquistado de forma marcante na redemocratização. “O direito de imprensa suporta limitações”, afirmou. Segundo ele, se tivesse havido restrição prévia no conhecido caso da Escola Base — em que a imprensa deu ampla divulgação à acusação feita pela polícia de que os diretores da escola abusaram sexualmente das crianças, o que acabou sendo desmentido pela Justiça —, os danos à imagem dos envolvidos poderiam ter sido evitados. Britto refutou o argumento. “Não é pelo temor do abuso que se vai proibir o uso”, defendeu.

Engrossando a linha dos que rejeitavam a ação, Eros Grau se manifestou afirmando que, havendo lei, não se pode falar em censura, “como disse um pensador do século XIX”. A frase foi repetida duas vezes, até que o ministro Carlos Britto, regente do tema “liberdade de imprensa” na corte, cedeu à curiosidade. “Quem foi o pensador?”, questionou. “Carlos Marx”, disse Eros, talvez atrapalhado pela portenta barba. “Carlos Marques?”, espantou-se Britto. "Sim, Karl Marx", esclareceu Eros Grau. 

A decisão do TJ-DF, segundo o voto de Eros Grau, se baseou em lei e, por isso, não foi uma censura. “Quero discutir isso, mas não por meio da Reclamação, que pode se tornar também um instrumento repressor”, disse. Em seguida, ao ouvir o voto do ministro Celso de Mello, que novamente defendeu a liberdade absoluta da imprensa e discorreu sobre a história das restrições à imprensa no país, Eros Grau afirmou sentir-se “oprimido”. “Eu paguei um preço alto por causa da censura, mas não é isso que votamos aqui”, afirmou. Mello ressalvou: “Não critico nenhum ministro desta corte, apenas os magistrados que transformam o sistema em mecanismo inaceitável de censura e inibição das comunicações. O poder geral de cautela é o novo nome da censura no país”.

Reclamação 9.428

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