Efeitos da repercussão

Supremo é generoso ao aceitar tantos recursos

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5 de dezembro de 2009, 8h16

“O Supremo Tribunal Federal é muito generoso ao receber tantos recursos”, afirmou o ministro Ricardo Lewandowski, durante encontro na Associação dos Advogados de São Paulo, nesta sexta-feira (4/12). Ao falar sobre os efeitos da Repercussão Geral, ele lembrou que apenas 1/3 dos recursos recebidos foram rejeitados até agora. Apesar da “bondade” do tribunal, o ministro comemorou a queda de 43,7% de ações julgadas pelo Supremo a partir das medidas previstas pela Reforma do Judiciário.

“É incontestável que a Repercussão Geral já traz efeitos positivos ao funcionamento da Justiça”, afirmou Lewandowski. Ele lembrou que em 2007 foram somados 82 mil processos no STF. E que este ano, até o momento, as ações quase não ultrapassaram os 30 mil processos. “Esses dados também mostram que a Justiça está mais próxima da população, pois os casos estão sendo resolvidos na segunda instância”, afirma o ministro.

Apesar dos efeitos positivos, o ministro reconhece que o sistema ainda precisa de aperfeiçoamento. Lewandowski reclama de, às vezes, ser o único ministro que entende que o tema é infraconstitucional e mesmo assim é obrigado a discuti-lo em Plenário. A outra dificuldade são os processos em que há muitas questões envolvidas. “O ministro Cezar Peluso é também um dos defensores do desmembramento deste tipo de processo, para que seja analisada apenas a questão que envolve a repercussão geral. O tema está em estudo no Supremo”.

Outro ponto positivo da Repercussão Geral, defendida pelo ministro, é que, ao contrário da Suprema Corte norte-americana, no Brasil todas as decisões são publicadas no Diário Oficial. Nos casos de Repercussão Geral, qualquer pessoa pode ter acesso aos temas que foram deferidos ou negados, enquanto nos Estados Unidos os ministros se reúnem para decidir o que deve ou não ser julgado sem dar a menor justificativa. “Esse motivo e outros, como o fato das sessões do STF serem televisionadas, mostram que o Judiciário brasileiro está entre os mais modernos”.

O advogado Luis Roberto Barroso, que dividiu a mesa com o ministro, endossou a importância que a Repercussão Geral trouxe para a visibilidade da Justiça. “Com a seleção e divulgação dos processos que afetam uma grande parte da sociedade, essas decisões chegam aos ouvidos da população mais rapidamente”, afirma.

Para Lewandowski, assim que o Supremo conseguir baixar seu acervo de processos — hoje, há mais de 500 processos na mão de cada ministro — a ideia é que o tribunal julgue o que realmente deve “tomar tempo dos ministros de uma corte superior”, como questões envolvendo fetos anencefálicos e pesquisa com células-tronco.

Aos advogados, Lewandovski afirmou que sabe como é subjetiva a definição de temas de Repercussão Geral e a dificuldade de defendê-la nos pedidos. “Há tentativas de clarificar o tema com definições, como a de que deve tratar-se de uma matéria que afetará uma grande quantidade de pessoas ou terá grande impacto econômico ou social, mas sabe-se que são definições genéricas”, afirma. Para o ministro, pouco a pouco, conforme as decisões do Supremo forem publicadas, será possível deixar mais claro o que se trata ou não de Repercussão Geral.

Súmula vinculante
Lewandowski reconheceu que a súmula vinculante também contribui para a segurança jurídica e traçou um histórico sobre o assunto. Para o ministro, a súmula faz com que os processos não passem anos na Justiça por insistência de um tribunal que teima com uma tese já pacificada pelo Supremo. Ele conta que nos Estados Unidos, a súmula surgiu a partir da ideia de que a Constituição está acima de tudo. Por isso, é entendido que as decisões do Supremo devem ter força vinculante. “Na Inglaterra, por exemplo, faz parte da rotina dos advogados decorar os precedentes da Suprema Corte”, conta o ministro.

No Brasil, a expressão súmula vinculante foi citada na década de 60 pelo ministro Nunes Leal, que afirmou tê-la criado para sanar um grave “problema de memória”, contou o ministro. “A Súmula foi criada por ele pela dificuldade de memorizar as decisões do Supremo. Ele mesmo disse ser um subproduto de sua falta de memória”. Na época, a iniciativa foi criticada pelo medo de haver uma cristalização da jurisprudência e a súmula chegou a ser apelidada de “túmulo da jurisprudência”. “Ainda criticou-se o fato de a súmula dar poder legislativo à Justiça e prejudicar o princípio da ampla defesa, mas ela é o entendimento da jurisprudência sobre o um determinado momento histórico, que pode ser futuramente alterada ou até mesmo cancelada”, defendeu o ministro.

Para o advogado Luis Roberto Barroso, no futuro, a súmula vinculante deve desaparecer, já que a evolução desta ideia é a de que todo o entendimento do Supremo deva ser seguido como precedente por todos os tribunais. “Isso contribui para a eficiência da Justiça e da segurança jurídica, pois se cada tribunal julgar da maneira que lhe convier, viveremos num mundo jurídico lotérico”, diz. 

Na visão do advogado, o problema se agrava no Brasil, por conta do país ter uma cultura em que tudo é resolvido na Justiça, até a legalidade da cobrança de assinatura da linha telefônica. “Como fica se dois vizinhos tiverem a mesma questão jurídica resolvida de formas diferentes? Claro que há exceções, mas a maioria dos casos deve seguir uma linha de pensamento”.

Os poderes
O pensamento de Victor Nunes Leal, que atuou como ministro do Supremo na década de 60, durante nove anos, foi ilustrado por Eros Grau no fim do encontro. Para o atual ministro do Supremo, Nunes Leal pode ser comparado a pensadores como Kelsen e Montesquie. “Ele é mais atual do que os nossos pensadores contemporâneos”. 

Uma das ideias defendidas por Nunes Leal é que não há divisão entre os três poderes, pois o poder é único. “Não se pode falar em ativismo judicial, por exemplo, quando se pensa que o Executivo e o Judiciário tem poder de veto sobre o Legislativo. As grandes decisões foram tomadas pelo conjunto dos poderes”, defende Eros Grau.

O ministro lembrou também do conceito defendido por Nunes Leal de que os textos dizem o que seus intérpretes dizem sobre ele. “Assim como uma pauta musical é transformada em música, o texto escrito é traduzido pelo juiz de acordo com a interpretação que ele faz dele, a partir da realidade vivida no momento”. Para Eros Grau, o entendimento disso pode ir além. “A Constituição não é de 1988, ela é um texto interpretado de acordo a realidade que vivemos hoje”.

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