Honra e imagem

Ex-funcionário do Bradesco deve receber R$ 40 mil

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5 de dezembro de 2009, 8h25

“Ora, a higidez física, mental e emocional do ser humano são bens fundamentais de sua vida privada e pública, de sua intimidade, de sua auto-estima e afirmação social e, nessa medida, também de sua honra.” Com estas palavras, o Tribunal Superior do Trabalho condenou o banco Bradesco a pagar R$ 40 mil de indenização por danos morais a um ex-funcionário gago, que ouviu algumas vezes de sua gerente que não era competente para atender telefonemas e nem para trabalhar com ela. O processo levou 10 anos para receber esta decisão.

Para os ministros da Corte, a atitude da gerente violou a honra e a imagem do trabalhador. E, por isso, como prevê o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, ele tem direito a indenização pelo dano moral sofrido. “Ao dispensar tratamento desrespeitoso ao empregado, tem-se que o Reclamado ultrapassou os limites de atuação do seu poder diretivo para atingir a honra, a moral e a dignidade do trabalhador.”

Em primeira instância, o trabalhador, representado pelo advogado Carlos Augusto Marcondes de Oliveira Monteiro, do escritório Monteiro, Dotto e Monteiro Advogados Associados, teve o seu pleito reconhecido pelo juiz. O banco recorreu e o Tribunal Regional do Trabalho concluiu que não havia provas suficientes de que a ofensa tenha acontecido de forma repetitiva e prolongada, o que caracteriza o assédio moral.

Depoimentos de testemunhas arroladas pela gerente disseram que nunca viram qualquer desrespeito por parte dela. Uma testemunha levada pelo trabalhador disse que presenciou ocasião em que a gerente o desrespeitou na frente dos demais empregados. Mas só viu isso acontecer uma vez.

O TST, a partir da análise do conjunto fático-probatório feita pelo Tribunal Regional do Trabalho, entendeu que, “apesar de não ter sido comprovado o assédio moral (que requer, para sua configuração, a exposição reiterada do obreiro a situações vexatórias e constrangedoras, no exercício de suas funções), constata-se que há elementos suficientes que demonstram a ocorrência do dano moral”.

Com isso, os ministros, por unanimidade, decidiram restabelecer a sentença e condenar o banco ao pagamento de R$ 40 mil.

Leia a decisão

NÚMERO ÚNICO PROC: RR – 2146/2003-902-02-40

PUBLICAÇÃO: DEJT – 04/12/2009

A C Ó R D Ã O

(Ac. 6ª Turma)

GMMGD/kcb/jr

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. Em face de possível violação do art. 5º, X, da CF, determina-se o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido.

RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. Ao dispensar tratamento desrespeitoso ao empregado, tem-se que o Reclamado ultrapassou os limites de atuação do seu poder diretivo para atingir a honra, a moral e a dignidade do trabalhador. Ora, a higidez física, mental e emocional do ser humano são bens fundamentais de sua vida privada e pública, de sua intimidade, de sua auto-estima e afirmação social e, nessa medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição Federal (art. 5º, V e X).

Agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Carta Magna, que se agrega à genérica anterior (artigo 7º, XXVIII, da CF/88). Recurso de revista provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-2146/2003-902-02-40.0 , em que é Recorrente VALDINEI PEREIRA DE LIMA e Recorrido BANCO BRADESCO S.A.

A Presidência do 2° Regional denegou seguimento ao recurso de revista do Reclamante com fundamento na Súmula 126/TST e no art. 896,a, da CLT (fl. 98).

Inconformado, o Reclamante interpõe o presente agravo de instrumento, sustentando que a sua revista reunia condições de admissibilidade (fls. 02-11).

Foram apresentadas contraminuta (fls. 101-104) e contra-razões (fls. 105-108), sendo dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 83, § 2º, do RITST.

É o relatório.

V O T O

I) CONHECIMENTO

Atendidos todos os pressupostos recursais, CONHEÇO do apelo.

II) MÉRITO

1) PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

O Eg. TRT deu provimento parcial ao apelo do Reclamado para excluir da condenação a indenização por dano moral.


Opostos embargos declaratórios pelo obreiro, o Tribunal a quo denegou-lhes seguimento (fls. 84-85).

No recurso de revista,o Reclamante alega que o Eg. TRT, ao não declarar o voto vencido, deixou de prestar jurisdição. Lastreia o apelo em violação dos arts. 93, IX, da CF; 832 da CLT e 458, II, do CPC.

Em face do disposto no art. 249, §2º, do CPC, deixo de analisar a

preliminar em apreço.

2) DANO MORAL

O Eg. TRT excluiu da condenação a indenização por dano moral, nos seguintes termos:

Dano moral

A letra ´d´ pleiteia o fator da indenização por danos morais em decorrência de assédio moral sofrido pelo obreiro, no importe de 200 salários mínimos.

Quando da propositura da demanda, o valor do salário mínimo era de R$ 180,00. No máximo, a condenação seria de R$ 36.000,00. O valor foi fixado em torno de R$ 41.829,48.

A base da condenação é o pedido. O pedido da exordial é certo e determinado. Certo, quanto ao fator do que se pleiteia (tutela condenatória pedido direto ou imediato; bem da vida. Determinado, quanto ao fator da sua extensão, sendo que a exordial indica o valor (art. 286,CPC).

A valoração e a fixação do valor da indenização, em função do que dispõem os arts. 128 e 460, do CPC, em sua aplicação subsidiária, de forma concreta, não podem ser superiores ao montante declinado na formulação dopedido.

Portanto, acolhe-se a preliminar, para a fixação do valor do dano moral nos moldes pretendidos pelo próprio autor.

Contudo, ainda, resta necessário o exame para se fazer se há ou não o fator desse dano moral.

O dano moral está presente quando se tem a ofensa ao patrimônio ideal do trabalhador, tais como: a honra, a liberdade, a imagem, o nome etc. Não há dúvidas de que o dano moral deve ser ressarcido (art. 5º, V e X,CF). O que justifica o dano moral, nos moldes da exordial, é o assédio moral.

O assédio moral é a exposição do trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.

O empregador, pela culpa na escolha e na fiscalização, torna-se responsável pelos atos de seus prepostos (Súmula n. 341, STF). A responsabilidade é objetiva do empregador.

Contudo, torna-se necessária a prova do preposto, logo, temos o fator da responsabilidade subjetiva, pela modalidade extracontratual (art. 159, Código Civil de 1916, atual 186, Código Civil de 2002).

Os requisitos da responsabilidade civil subjetiva são: a) ato comissivo ou omissivo; b) dano moral; c) nexo causal; d) culpa em sentido amplo (dolo) ou restrito (negligência, imprudência ou imperícia).

Após, o exame desses aspectos legais e doutrinários, vamos analisar a prova oral: a) o reclamante, em seu relato pessoal às fls. 203, declinou: 1) era destratado pela gerente, diariamente, de nome Marta Alves Pereira; 2) essa pessoa dizia que o depoente não era competente para atender telefones, como também não era competente para trabalhar com ele; 3) essas alegações, segundo o depoente, eram ditas para clientes e colegas de trabalho; b) a reclamada, em seu relato pessoal às fls. 204, aduziu: a sra. Marta nunca destratou ou humilhou o reclamante, ou mesmo o chamou de incompetente; c) o sr. Marcelo, a primeira testemunha do autor, declinou: 1) em uma determinada situação, a Sra. Marta retirou o reclamante das funções de dar telefonemas, desrespeitando-o na frente dos demais empregados, dizendo que ele não tinha condições de ligar para clientes diante deste fato; nunca presenciou outro fato no restante do período trabalhado; 2) chegou a presenciar a sra. Marta destratando outros funcionários, falando em tom alto e grosseiro; nunca presenciou qualquer xingamento por parte da Sra.Marta; presenciou a Sra. Marta chamando os empregados de incompetentes em tom alto e fora do horário de expediente;d) consta do relato da segunda testemunha do autor, o Sr. Miguel, às fls. 205: ´que já chegou a presenciar a Sra. Marta destratando o reclamante, o chamando de inútil, incompetente e ficou caçoando do reclamante em uma oportunidade que o colocou para fazer ligações para clientes em razão do mesmo gaguejar, tendo feito imitações do mesmo ; que às vezes que o depoente presenciou tais fatos estes ocorreram na frente de empregados; que a sra. Marta adotava esse procedimento também com outros funcionários da agência; que a sra. Marta tinha a intenção de humilhar e os ameaçava de demissão; e) a reclamada trouxe duas testemunhas, uma delas, a Sra. Marta, a qual negou os fatos narrados pelas testemunhas (fls. 205).


A Sra. Maria Cleide, a segunda testemunha, apesar de não se recordar se o reclamante efetuou ligações, afirmou que a Sra. Marta não tinha o hábito de gritar ou falar alto, como também nunca presenciou a sra. Marta destratando, humilhando ou xingando qualquer empregado.

O exame global das provas indica que não há elementos seguros para justificar a ofensa moral ou as agressões da Sra. Marta não só em relação ao autor, como também em relação aos demais funcionários.

A prova há de ser cabal e robusta para o reconhecimento do dano moral.

Não há elementos para se indicar a presença do assédio moral. Se não há o elemento do ato, deixa de se justificar a existência do próprio assédio.

E, por fim, o dano moral é questionável, notadamente, quando o próprio autor disse que nunca procurou orientação psicológica ou reclamações perante o Ministério do Trabalho ou a Delegacia Regional do Trabalho.

Diante da inexistência dos requisitos da responsabilidade civil, descabe a indenização por dano moral.

Acolho, pois, o teor do apelo para retirar da condenação qualquer indenização por dano moral.

Diante dessas assertivas, resta prejudicado o apelo do próprio reclamante. E se não bastassem esses argumentos, o apelo do reclamante estaria prejudicado em face da própria limitação posta nos autos(fls. 64-74-g.n).

No recurso de revista, o Reclamante alega, em síntese, que: as provas produzidas nos autos demonstraram que a sua honra foi violada; a gerente não tratava de forma digna os empregados do Reclamado; o Eg. TRT levou em consideração o depoimento da própria agressora para exclusão do dano moral, contrariando as demais provas dos autos. Lastreia o apelo em violação dos arts. 131 do CPC e 5º, X, da CF.

Com razão.

A partir da análise do conjunto fático-probatório delineado pelo Eg. TRT, verifica-se que, apesar de não ter sido comprovado o assédio moral (que requer, para sua configuração, a exposição reiterada do obreiro a situações vexatórias e constrangedoras, no exercício de suas funções), constata-se que há elementos suficientes que demonstram a ocorrência do dano moral.

Depreende-se do relato das testemunhas do obreiro que a Sra. Marta (gerente) chegou a humilhá-lo e destratá-lo, inclusive na frente dos demais empregados. Nesse sentido, ao dispensar tratamento desrespeitoso ao empregado, tem-se que o Reclamado ultrapassou os limites de atuação do seu poder diretivo para atingir a honra, a moral e a dignidade do trabalhador.

Ora, a higidez física, mental e emocional do ser humano são bens fundamentais de sua vida privada e pública, de sua intimidade, de sua auto-estima e afirmação social e, nessa medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição Federal (art. 5º, V e X). Agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Carta Magna, que se agrega à genérica anterior (artigo 7º, XXVIII, da CF/88).

A reparação do prejuízo subjetivo tem como fim amenizar o sofrimento causado ao empregado, bem como o caráter pedagógico/punitivo ao agente causador do dano.

As circunstâncias dos autos, portanto, dão suporte à indenização por dano moral reconhecida na origem, razão pela qual merece ser restabelecida a sentença neste aspecto.

Contudo, no tocante ao valor da indenização, arbitro o valor da condenação em R$ 40.000,00, que deverão ser considerados a partir da data de publicação deste acórdão.

CONHEÇO do apelo por violação do art. 5º, X, da CF.

II) MÉRITO

DANO MORAL

Como conseqüência do conhecimento do recurso de revista por violação ao art. 5º, X, da CF, DOU-LHE PROVIMENTO para restabelecer a sentença, em parte, quanto ao dano moral, e arbitrar o valor da condenação em R$ 40.000,00, que deverão ser considerados a partir da data de publicação deste acórdão.

ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – dar provimento ao agravo de instrumento, para determinar o processamento do recurso de revista; II conhecer do recurso de revista, por violação do art. 5º, X, da CF e, no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer a sentença, em parte, quanto ao dano moral, e arbitrar a condenação em R$ 40.000,00, que deverão ser considerados a partir da data de publicação deste acórdão.

Brasília, 25 de novembro de 2009.
MAURICIO GODINHO DELGADO
Ministro Relator

Secretaria da Sexta Turma
Processo Nº RR-2146/2003-902-02-40.0
Relator Min. Mauricio Godinho Delgado
Recorrente(s) Valdinei Pereira de Lima
Advogado Dr. Carlos Augusto Marcondes de Oliveira Monteiro
Recorrido(s) Banco Bradesco S.A.
Advogada Dra. Doralice Garcia Borges Olivieri

DECISÃO: , por unanimidade: I – dar provimento ao agravo de instrumento, para determinar o processamento do recurso de revista; II – conhecer do recurso de revista, por violação do art. 5º, X, da CF e, no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer a sentença, em parte, quanto ao dano moral, e arbitrar a condenação em R$ 40.000,00, que deverão ser considerados a partir da data de publicação deste acórdão.

EMENTA : AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. Em face de possível violação do art. 5º, X, da CF, determina-se o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. Ao dispensar tratamento desrespeitoso ao empregado, tem-se que o Reclamado ultrapassou os limites de atuação do seu poder diretivo para atingir a honra, a moral e a dignidade do trabalhador. Ora, a higidez física, mental e
emocional do ser humano são bens fundamentais de sua vida privada e pública, de sua intimidade, de sua auto-estima e afirmação social e, nessa medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição Federal (art. 5º, V e X). Agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Carta Magna, que se agrega à genérica anterior (artigo 7º, XXVIII, da CF/88). Recurso de revista provido.
 

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