Volta aos trilhos

"Quem não respeita pode ser desrespeitado"

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5 de dezembro de 2009, 7h52

O desembargador Antonio Carlos Viana Santos vai dirigir a partir de 4 de janeiro o maior Tribunal de Justiça da América Latina. Sob seu comando estarão 45 mil servidores, 2.296 magistrados, um orçamento estimado de R$ 4,5 bilhões. Além disso, a responsabilidade de encontrar uma solução para reduzir o acervo de processos que beira os 19 milhões, no primeiro grau, e cerca de meio milhão no segundo. Vianinha, como é chamado pelos amigos, é um magistrado que tem uma característica rara entre os desembargadores paulistas: ele conhece e sabe fazer política institucional. Desde a gestão de Odyr Porto (1992-1993), o Tribunal de Justiça de São Paulo não tem em sua presidência um desembargador que saiba transitar com desenvoltura por gabinetes que não sejam apenas os de seus colegas de toga.

Aos 67 anos, Viana Santos, nascido em Sorocaba (SP), já presidiu a Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis) por dois biênios (1996-1997) e (1998-1999). Depois comandou a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), de 2000 a 2001. Foi à frente dessa entidade que conheceu mais de perto lideranças que hoje estão em cargos dos três poderes da União. Formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado em Direito Civil e Processual Civil Viana na PUC de São Paulo, o atual presidente da Seção de Direito Público foi o principal interlocutor na crise, que teve seu ápice em maio, entre a corte paulista e o Conselho Nacional de Justiça.

Amigo do ministro Gilson Dipp, corregedor nacional da Justiça, com quem trabalhou na AMB, Viana Santos fez a campanha para a presidência do Tribunal de Justiça de modo inverso dos seus adversários. Sem deixar de dizer que era candidato – fato que só anunciou em setembro –, ele passou a maior parte do ano percorrendo gabinetes em Brasília e São Paulo para tirar o seu tribunal do isolamento. Trouxe Gilson Dipp e o ministro Gilmar Mendes, presidente do CNJ e do STF, a São Paulo. Depois da visita, as relações entre o TJ e o CNJ entraram num período de calmaria.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, o futuro presidente disse para o que veio. Elegeu a informatização como o principal nó que pretende desatar no prazo de até dois anos. Entre os planos de Viana Santos, uma das principais prioridades será acabar com o que ele chama de “arquipélago de ilhas”, que não se comunicam no Judiciário paulista. Como exemplo ele citou o município de São José dos Campos, pólo industrial na estratégica região do Vale Paraibano, centro da indústria aeronáutica do país. “A comarca tem 22 varas e conta com uma população de quase 700 mil habitantes. A informatização da justiça local começou na semana passada”, disse o Viana Santos. 

Segundo ele, outro exemplo do atraso tecnológico que isola o Judiciário paulista acontece no município de São José do Rio Preto, onde a filha do futuro presidente trabalha como juíza. De acordo com o desembargador, os processos são feitos “na unha”, porque ainda não foram implantadas redes e servidores de tecnologia. “E são mais de 150 mil execuções fiscais que tramitam na comarca”, conclui. 

Para Viana Santos, esse quadro de isolamento em plena era digital na Justiça do maior e mais rico estado do país é resultado de anos sem investimentos num setor estratégico do Judiciário, da falta de pessoal especializado e da existência de quatro sistemas de gerenciamento de informação em uso no Tribunal. “É uma verdadeira torre de babel”, afirma o futuro presidente. “É uma herança da unificação dos três tribunais de alçada com o Tribunal de Justiça. Cada tribunal tinha seu próprio sistema, que a gente está demolindo e criando um gerenciador único na Justiça estadual”, completa.

A outra marca que Viana Santos quer dar a sua passagem pela presidência do tribunal paulista é uma nova forma de gestão administrativa, calçada num plano de governo sintonizado com o planejamento estratégico da corte para os próximos cinco anos. Para isso criou o que ele chama de “estado maior”, um núcleo, formado unicamente por desembargadores e juízes substitutos de segundo grau, responsável por formular e acompanhar o programa de gestão que o futuro presidente quer ver implantado. O “estado maior” será o intermediário entre o presidente e a alta e média burocracia do Tribunal, que hoje é formada por nove secretarias.

Viana Santos falou antes de viajar para a Turquia onde fará palestra sobre a atuação das organizações criminosas em São Paulo. O futuro presidente ainda destacou seus planos sobre orçamento, as relações do Judiciário com o Executivo e o Legislativo paulista, o controle externo exercido pelo CNJ, o projeto de construção da nova sede da Justiça paulista. Leia a seguir:

ConJur — Qual será o maior desafio dessa jornada de dois anos à frente do maior tribunal da América Latina?
Viana Santos: A informatização completa do Judiciário paulista. Pretendo acabar com as ilhas que não se comunicam na Justiça de São Paulo e quero concluir esse projeto até o final do mandato. Será um amplo programa de informatização que vai começar pelas varas de execuções fiscais e de execuções criminais. São duas áreas que foram eleitas por atender interesses não só do Judiciário, mas do Executivo, tanto estadual como municipal.

ConJur — Como assim?
Viana Santos: Do total de 19 milhões de processos em andamentos na primeira instância da Justiça estadual, as varas de execuções fiscais respondem por 10 milhões de feitos. É um volume assustador, mais de 50%. Débitos pequenos, de bagatela, se misturam com cobranças de dívidas fiscais elevadas. O primeiro passo é separar o joio do trigo. Vamos fazer um mutirão separando os feitos pelos valores dos débitos. Será um trabalho braçal. Segundo estimativa, na capital há uma ação de execução fiscal de grande valor para cada 10 de valor irrisório. E quando não há separação termina demandando o mesmo trabalho. Uma saída será eliminar essas pequenas dívidas é por meio de anistia. Na cidade de São Paulo, a Procuradoria Geral do Município já está autorizada a não ajuizar ações ou execuções fiscais de débitos tributários e não tributários em valores inferiores a R$ 610,00. A Procuradoria Geral do Estado estuda proposta que segue linha semelhante. Esse trabalho nas varas de execuções fiscais pode render ao Executivo algo acima de R$ 200 bilhões.

ConJur — E de onde virá o dinheiro para o projeto de informatização?
Viana Santos: Do Tesouro do Estado. Já está fixado e acertado. Serão 400 milhões repassados pelo governo estadual ao Tribunal de Justiça. Compromisso do governador. É claro que os recursos não virão todos de uma vez. Hoje já recebemos algo em torno de R$ 70 milhões. Esse dinheiro está aplicado numa conta específica e só pode ser usado no programa de informatização. A área de informática é uma das mais debilitadas, arcaicas e atrasadas do Tribunal, tanto em termos de recursos e material como de pessoal. Mas vamos fazer uma mudança profunda, acabar, como eu disse, com o isolamento tecnológico, como, por exemplo, o que estava acontecendo na comarca de São José dos Campos. Ali são 22 varas e uma população de quase 700 mil habitantes. A informatização da Justiça local começou na semana passada. Não dá para se imaginar isso. Outro exemplo é São José do Rio Preto. Minha filha é juíza na comarca. São mais de 150 mil execuções fiscais, mas ainda não foram implantadas redes e servidores de tecnologia. Então os processos são quase feitos à mão, na unha como se diz.

ConJur — Que outra característica, além da informatização, o senhor pretende implementar em sua gestão?
Viana Santos: Um núcleo estratégico de gestão administrativa, que será responsável pelo cumprimento do plano estratégico qüinqüenal e de controle interno, aprovado recentemente pelo Órgão Especial, e pelo programa de metas de nossa equipe de governo. Esse núcleo, que costumo chamar de “estado maior” ainda servirá de ligação entre as diversas áreas da administração do Tribunal com a Presidência. É um novo modelo de gestão, que irá primar pela distribuição planejada e rigorosa de recursos financeiros, humanos e tecnológicos.

ConJur — Com será em sua gestão a relação com o CNJ?
Viana Santos: A relação já foi atribulada, conturbada, mas hoje melhorou. Nós conseguimos colocar a Justiça de São Paulo nos trilhos. Eu sempre fui contra o controle externo do Judiciário, defendi essa posição quando na direção da AMB. Mas hoje o controle externo é uma realidade. O CNJ é um dos órgãos do Judiciário, logo abaixo do Supremo Tribunal Federal. Não se pode confrontar as decisões do CNJ como fez o Tribunal de Justiça de São Paulo no passado. Isso porque precisamos dar o exemplo. Quem não respeita pode ser desrespeitado. Ao não seguir uma determinação do Conselho o tribunal está abrindo flanco para que um magistrado decida não seguir decisão de um acórdão emitido pelo Tribunal. Isso, no entanto, não quer dizer que o TJ de são Paulo será submisso. Não. Vamos andar paralelo. Nossa idéia é acompanhar as sessões do CNJ, com a presença de desembargadores paulistas. E, se necessário, fazer sustentação oral nos processos envolvendo os interesses de nossa instituição. No caso de qualquer resolução, decisão, do Conselho for contrária aos interesses do Judiciário paulista poderemos entrar com recurso no STF contra essas decisões.

ConJur — Ainda é possível conseguir mais verba para o orçamento do ano que vem?
Viana Santos: Temos boas relações com o Executivo e com o Legislativo estaduais. A Lei de Responsabilidade Fiscal permite aos Tribunais aplicar até 6% da receita líquida do orçamento do Estado. O que acontece no caso de São Paulo é que a cada ano esse percentual vem sendo reduzido. Hoje estamos usando algo em torno de 4% dessa receita. O orçamento previsto pelo Tribunal era de algo em torno de 7 bilhões de reais [R$ 7,181 bilhões foi a proposta aprovada pelo Órgão Especial]. O Executivo reduziu para R$ 5 bilhões [R$ 5,176 bilhões], incluindo nesse corte verbas que seriam usadas na informatização. Nós sabemos que a autonomia financeira é muito mais retórica do que real. O dono do cofre é o Executivo. Estamos negociando com o Legislativo para alterar essa proposta enviada à Assembléia Legislativa. A previsão de arrecadação pelo estado é de 116 bilhões. Se, pela proposta enviada ao Legislativo, teremos direito a apenas 4% desse orçamento, quando da Lei de Responsabilidade Fiscal permite até 6%, tentaremos conquistar ao menos 1% desse total, o que significaria mais de 1 bilhão de reais. Esse dinheiro daria para pagar os atrasados que temos com servidores e magistrados e ainda sobraria dinheiro para investimentos.

ConJur — Falando em investimentos a construção da nova sede do Judiciário começa ainda em sua gestão?
Viana Santos: A obra estava orçada em 270 milhões. O dinheiro está garantido por meio de acordo com o Banco do Brasil, que vai bancar a construção de duas torres de 27 andares. A nova sede será erguida num terreno entre as ruas Tabatinguera, Conde de Sarzedas e Conselheiro Furtado. O entrave é o mapeamento do subsolo, que aponte as redes de água, esgoto, luz, gás e telefone que possa ter no local e duas construções tombadas pelo patrimônio histórico: a Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e o Castelinho [Palacete Conde de Sarzedas].

ConJur — Na sua gestão os desembargadores de Direito Público finalmente mudam seus gabinetes para o prédio do antigo Hotel Hilton?
Viana Santos: Não. A mudança já começa agora, no próximo dia 16, ainda na gestão do desembargador Vallim Bellocchi. É claro que não dará tempo de fazer tudo até o final do ano.

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