Arte de recrutar

Concurso público ainda enfrenta desafios para a sua consolidação

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5 de dezembro de 2009, 7h59

A histórica política do Brasil sempre esteve ligada ao patrimonialismo, ao nepotismo e ao aparelhamento do Estado. Essa confusão entre o público e o privado ficava nítida no ingresso no serviço público. Nomeava-se quem queria, na quantidade desejada e sem o menor compromisso com a qualificação ou eficiência para o desempenho do cargo. Tudo ficava ao alvedrio do governante. Tinha até cargos hereditários, como o de tabelião. Não havia limites para o absurdo.

Felizmente, a Constituição de 1988 pôs fim — pelo menos essa é a intenção — à boa parte desses descalabros, já que estabeleceu o concurso público como a regra para o ingresso nos quadros da Administração Pública, sendo obrigatório para o provimento de cargos e empregos públicos.

Ainda existem, contudo, os cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, mas restritos às funções de chefia, direção ou assessoramento. Sem dúvida, esses cargos de confiança continuam dando margem a inúmeros abusos, como a nomeação de parentes, amigos e aliados políticos, devendo as instituições de controle exercer forte fiscalização nas nomeações.

De qualquer modo, deve ser comemorado o prestígio que a Constituição deu ao concurso público, que é, seguramente, um dos institutos mais democráticos de nosso ordenamento, conferindo a qualquer cidadão, do mais humilde ao mais aquinhoado, a mesma oportunidade de acesso a um cargo público.

Contudo, o próprio concurso público, que surgiu como remédio para os vícios no método de recrutamento, enfrenta desafios para a sua consolidação.De um lado, há resistências de algumas instituições públicas em abrir concurso para prover cargos vagos, preferindo fazer contratações temporárias, ou, quando abrem o certame, verificam-se sérios problemas na condução ou demora na nomeação dos aprovados.

Na outra ponta, há um exército de candidatos que tem crescido em proporção inversa ao número de vagas. A concorrência está cada vez mais acirrada, sendo certo que, nesse quadro, nem sempre os candidatos têm o far play necessário para aceitar uma reprovação. Tem aumentado vertiginosamente o número de demandas judiciais questionando concursos. Demandas com ou sem razão, o que dificulta muito a análise do Poder Judiciário.

Por vezes – e há um número preocupante aqui – os candidatos querem garantir a todo custo a sua aprovação, ainda que seja perante o Poder Judiciário, quando inconformados com a correção de suas provas. É preciso, quanto a este ponto, autocrítica dos candidatos (para se tornarem merecidos vencedores) e muita cautela dos juízes, afastando-se da tentação – exceto em casos extremos – de substituírem os membros da comissão examinadora. Não custa lembrar que, corrigir a prova de um candidato, e não dos demais, retira a visão comparativa do todo e pode gerar uma injustiça ainda maior.

É preciso reconhecer, contudo, que têm ocorrido muitos abusos em concursos públicos por parte dos órgãos de execução. Erros grosseiros, como a negativa de recursos, ausência de fundamentação na correção, quebra de sigilo das provas, anulação de questões já preclusas, sem contar os casos mais graves — até crimonosos — de venda de gabaritos e favorecimento a candidatos.

Tirando os notórios desvios éticos – da comissão ou dos candidatos –, verifica-se que um dos principais fatores de instabilidade e gerador de irregularidades nos concursos é a falta de uma regulamentação mínima e vinculante para orientar a administração e os candidatos. Precisa-se urgentemente de regras objetivas e claras.

Esse vazio normativo é um dos grandes responsáveis por tanta divergência e questionamento em concursos. Na maior parte das vezes, a comissão do certame está de boa-fé, querendo acertar, mas o vácuo legislativo lhe abre tanta discricionariedade que os abusos na preparação e condução são inevitáveis.

Diante de tantas dificuldades, não há dúvidas de que bem conduzir um concurso hoje é uma verdadeira arte.

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