30 anos da Anistia

Lei da Anistia racha governo e chega ao STF

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23 de agosto de 2009, 18h06

Trinta anos depois de sancionada pelo general João Baptista Figueiredo (1979-1985), o último presidente da ditadura, a Lei da Anistia, que possibilitou a volta dos exilados, é hoje o pivô de um racha no governo. O debate jurídico gerado por investigações abertas pelo Ministério Público Federal para punir torturadores levou setores do governo a defender uma nova interpretação da lei, pela qual seria possível levar a julgamento militares e agentes do Estado que praticaram torturas e assassinatos na ditadura. A reportagem é da Folha de S.Paulo.

De acordo com o texto, a discussão está agora no colo do Supremo Tribunal Federal. Em outubro passado, o Conselho Federal da OAB ingressou no tribunal com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental pedindo que o STF declare claramente que a anistia concedida pela lei 6.683 "não se estende a crimes comuns praticados por agentes da repressão contra opositores políticos durante o regime militar".

O ministro relator do caso, Eros Grau, mandou ouvir os órgãos envolvidos. Em pareceres, apoiaram a OAB o Ministério da Justiça, a Secretaria de Direitos Humanos e a Casa Civil. Contrários estão a AGU (Advocacia Geral da União), o Ministério da Defesa e o Ministério das Relações Exteriores.

"É uma falsidade dizer que punir torturadores é um ataque contra as Forças Armadas. Pelo contrário, arguir isso é que é usar o prestígio das Forças Armadas para defender torturadores", disse à Folha o ministro da Justiça, Tarso Genro.

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, que comanda os militares, afirma que a anistia, para todos, não pode ser revogada. "Se você inventasse de revogar a Lei da Anistia, a revogação não teria efeito retroativo. O anistiado está anistiado."

Torturadores
A história da lei está resumida no processo de nove volumes que acompanha o Projeto de Lei 14/79, hoje no Arquivo do Senado. A lei foi aprovada pelo Congresso, numa sessão conjunta tumultuada, no dia 22 de agosto de 1979, e assinada por Figueiredo seis dias depois.

O processo revela que a necessidade de prever punição aos torturadores já surgiu no dia da votação, ainda que lateralmente, em discursos de parlamentares do MDB, como Airton Soares (MDB-SP) e Walter Silva (MDB-RJ). As maiores críticas do MDB, porém, giravam em torno de a lei não libertar imediatamente os presos políticos (alguns ficaram na cadeia até dezembro) e da falta de garantias para o retorno dos servidores públicos atingidos pelos atos institucionais e medidas persecutórias baixadas pela ditadura entre 1964 e 1969.

Em minoria no Congresso, o MDB cedeu à Arena, que apoiava o regime militar. O próprio substitutivo da oposição, também rejeitado, não previa punição aos torturadores. O MDB queria aprovar o que achava possível no momento.

O senador pelo MDB de Alagoas Teotônio Vilela (1917-1983), que percorrera presídios e recebera 43 manifestações de entidades representativas de advogados, jornalistas e artistas, criticou o projeto do governo, mas encerrou seu discurso em tom conciliatório: "Se houve morte de parte a parte, houve sangue de parte a parte. A substância profunda da anistia está em reconciliar a nação".

O maior protesto pelas punições dos torturadores vinha de fora do Congresso, dos que tinham sofrido as violências do regime. Quando a lei foi aprovada, havia 53 presos políticos em presídios de sete Estados, a maior parte em greve de fome. O protesto durou 33 dias. Eles enviaram uma carta a Teotônio, que listou nomes ou apelidos de 251 militares e carcereiros envolvidos em torturas contra presos políticos (dos quais 80 "nos torturaram diretamente") e 27 "centros de torturas" espalhados pelo país.

Um dos autores da carta foi Gilney Viana, preso em 1970 e libertado em dezembro de 1979. Ex-militante da ALN (Ação Libertadora Nacional), Viana assaltou bancos e uma drogaria no interior de Minas Gerais. Disse ter sido torturado, com pancadas, choques elétricos por todo o corpo e pau-de-arara, durante 36 dias seguidos no 1º Batalhão de Polícia do Exército do Rio de Janeiro. Viana sabe o nome do oficial que comandou as torturas e quer que o STF decida que ele pode ser punido. Ele diz que os ex-presos políticos "estão se articulando" para cobrar o STF.

"O chefe da tortura foi um capitão do Exército. Está vivo e aí, todo flozô [boa vida]. Foi visto em Brasília, almoçando. Este era um torturador que já tinha torturado em Minas e o deslocaram para o DOI-CODI do Rio. Ele vai a juízo, vai ser denunciado por crime de tortura. Eu o estou acusando de tortura. Ele tem que responder a esse processo na Justiça como eu respondi ao meu processo", disse Viana, que nos anos 90 foi deputado federal pelo PT-MT.

O ex-senador da Arena Murilo Badaró (MG), 77, líder do governo Figueiredo no dia da votação, atacou a rediscussão da lei: "É ação de gente desocupada. Como não tem ação política nem voto nem prestígio, fica criando matéria de jornal para poder ficar no foco do noticiário. É impossível reabrir esse assunto depois de tantos anos de uma espécie de anistia recíproca. Acho que é um assunto impertinente, desnecessário e sobretudo aumenta as dificuldades do Brasil numa hora tão difícil, de degradação política". 

A Lei da Anistia poderá ser discutida em outra frente judicial, esta internacional: o Estado brasileiro é réu na Corte Interamericana de Direitos Humanos em um processo sobre a guerrilha do Araguaia.

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