Babel dos tributos

Reforma Tributária será votada em clima de ceticismo

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22 de agosto de 2009, 5h54

Nem a promessa de votação da Reforma Tributária para o próximo dia 1º de setembro na Câmara dos Deputados tranquiliza os contribuintes. Temendo apenas mais um Frankenstein normativo que aumente a mordida do fisco nos cofres das empresas, advogados tributaristas se reuniram nessa quinta-feira (20/8) em São Paulo para debater o projeto junto com o relator na Câmara dos Deputados, deputado Sandro Mabel (PR-GO). A principal crítica é que a proposta não trata dos tributos municipais.

“É um defeito na espinha dorsal. Não é possível conceber uma reforma que não leve em consideração mais de quatro mil entes tributantes”, disse o advogado Luiz Gustavo Bichara, do escritório Bichara, Barata, Costa & Rocha Advogados. Os municípios são os principais cobradores de instituições financeiras, seguradoras e empresas que terceirizam mão-de-obra — grandes contribuintes do Imposto Sobre Serviços (ISS).

O evento foi organizado pela Aliança de Advocacia Empresarial, em seu II Simpósio de Direito Empresarial. Além do relator da Proposta de Emenda Constitucional na Câmara, deputado Sandro Mabel (PR-GO), também falaram o procurador-geral da Fazenda Nacional, Luis Inácio Adams; o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central; o professor de Direito da Universidade de São Paulo Heleno Tôrres; o ex-ministro da Fazenda do Uruguai Ignacio de Posadas Montero e o tributarista Luiz Gustavo Bichara. A jornalista política Cristiana Lôbo mediou o debate.

Segundo o relator da reforma, deputado Sandro Mabel, a entrada dos tributos municipais no imposto único, o chamado Imposto sobre Valor Agregado (IVA) — carro-chefe da reforma —, não acontecerá imediatamente, mas em uma segunda fase do processo. “A reforma precisa acontecer em partes, senão não sai. Não há como brigar, agora, com mais de cinco mil administrações”, justificou. A implantação do projeto em fases foi apoiada pelo professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo, Heleno Tôrres, para quem matérias em que já há consenso têm que ser destacadas e votadas antes. “Desde 1995 até agora, esse foi o melhor projeto”, opinou. A previsão é de que esta segunda fase ocorra em até seis anos. “O modelo foi criado e vai funcionar para o ICMS. Depois, será mais fácil encaixar o ISS”, explicou o deputado.

Contra o que chamou de incredulidade da opinião pública, Mabel apresentou promessas. As mudanças propostas, segundo ele, garantirão um aumento anual de 1% nos investimentos do governo nos próximos seis anos. Os investimentos em infraestrutura — hoje baseados principalmente nos recolhimentos das contribuições de intervenção no domínio econômico, que variam conforme os preços praticados no mercado — passarão a ser fixos e não variáveis. Com a adoção de apenas um único tributo federal — o IVA —, os fundos de participação de estados e municípios receberão uma porcentagem de toda a arrecadação federal e não apenas do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), como é hoje. Para isso, a criação do Fundo de Equalização de Receitas dependerá de uma lei complementar. “A União aumenta o PIS e a Cofins porque são receitas unicamente dela, mas faz promoção no IPI, que é dividido. Isso não será mais possível”, disse o deputado.

A guerra fiscal entre os estados, vilã da concorrência e causadora dos principais entraves para o consenso na arrecadação nacional, será extinta com o fim da tributação na origem, de acordo com a proposta. “Tributar no destino fortalecerá os estados e fará com que o que é produzido fique na região”, disse Mabel.

A tributação será mais pesada sobre a renda e não mais sobre o consumo, mas quem ganha até cinco salários mínimos deixará de contribuir. Com as mudanças, o governo pretende aumentar o PIB em 0,5%. “Ninguém vai perder”, defendeu Mabel, para quem o aquecimento na economia provocado pelas desonerações compensará as perdas fiscais do Estado. “A Previdência terá R$ 11 bilhões a mais, os estados terão outros R$ 30 bilhões e os municípios receberão mais R$ 10 bilhões.”

Já para o economista Gustavo Franco, presidente do Banco Central do Brasil de 1997 a 1999, a ideia não tem lógica. “Não é possível uma reforma em que todo mundo ganhe e ninguém perca.” Para ele, “todos precisam perder um pouco, e ninguém deve ser indenizado por isso”. Segundo o economista, o problema não está só na arrecadação, mas nos gastos do poder público. “Os representantes do povo deveriam deliberar, ao mesmo tempo, a tributação e os gastos”, disse. “Se não houvesse contingenciamento, a carga tributária seria de 70% a 80% do Produto Interno Bruto.”

Ministro da Fazenda no Uruguai entre 1992 e 1995, Ignacio de Posadas Montero afirmou que a alta carga tributária brasileira dá espaço para o que chamou de perversidades. “Tributos não são pagos por quem a lei determina, mas por quem não pode repassar. Com uma carga de 36% do PIB, a maior da América, não há como não haver perversidades.”

Uma das maiores dificuldades em fazer passar as mudanças no Congresso, segundo o procurador-geral da Fazenda Nacional, Luís Inácio Adams, é a previsão constitucional de alguns temas, que só podem ser mudados com emendas constitucionais — como no caso da Refoma —, o que engessa o assunto. “Algumas garantias foram incluídas na Constituição de 1988 apenas porque havíamos saído de um regime autoritário. A questão tributária precisa ser desconstitucionalizada”, disse.

Mas não são apenas as regras que atrapalham quem paga. Segundo o advogado Luiz Gustavo Bichara, a relação entre o fisco e o contribuinte é truncada, o que demanda tempo e trabalho para arrecadar impostos no país. “Alguns procuradores e fiscais tratam os contribuintes como se todos fossem sonegadores contumazes e delinquentes.” O advogado lembrou que o tempo gasto para o tratamento de assuntos fiscais — o chamado compliance — pelas empresas no Brasil é um dos mais altos do mundo.

O problema é conhecido da Fazenda nacional, mas não é exclusivo da relação entre contribuintes e a administração tributária. O procurador-geral Luís Adams afirmou que os próprios órgãos do fisco perdem tempo com a dificuldade em compartilhar informações. “Existe um projeto de uma norma que unificará os procedimentos da Receita e da PGFN. O contribuinte resolverá tudo em uma só sala”, disse.

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