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Os 20 anos de Celso de Mello em defesa da liberdade

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20 de agosto de 2009, 7h53

Débora Pinho - SpaccaSpacca" data-GUID="debora-pinho.png">

Quando o procurador de Justiça de São Paulo José Celso de Mello chegou para tomar posse como ministro do Supremo Tribunal Federal, nomeado pelo presidente José Sarney, no dia 17 de agosto de 1989, os brasileiros se preparavam para ir às urnas na primeira eleição direta do país em 25 anos — naquele mesmo ano, Fernando Collor foi eleito presidente. A Constituição Cidadã, promulgada em outubro de 1988, ainda não completara um ano. O maior desafio do novo ministro era renovar a jurisprudência até então baseada na velha carta outorgada pelo regime militar, e garantir os direitos fundamentais, tão vilipendiados em mais de duas decadas de ditadura e repressão. Celso de Mello foi à luta. Hoje, ao completar 20 anos no STF, é reconhecido pela defesa da Carta de 1988 e das liberdades individuais.

Os votos que redigiu com esmero técnico e profundidade jurídica são o melhor testemunho da obra e do pensamento de Celso de Mello no Supremo. Em 2007, por exemplo, ele poderia simplesmente negar o pedido de Habeas Corpus de um preso com câncer e portador do vírus HIV que literalmente apodrecia na cadeia, como prescrevia a fria letra da lei.

O preso não era transferido para tratamento de saúde por falta de escolta, em São Paulo. Diante do mau cheiro de suas feridas, ninguém queria ficar na mesma cela que ele. Em causa própria, ele pediu Habeas Corpus. Celso de Mello negou o pedido porque não foi indicada a autoridade coatora e não existia nos autos elementos para reconhecer a competência do STF para analisar a causa. Mas o ministro não encerrou o caso aí.

No mesmo despacho que negou o HC, ele deu ordens ao Ministério Público, à Defensoria Pública, e às secretarias estaduais de Administração Penitenciária e da Justiça para que viabilizassem os meios de atenuar o sofrimento do preso e criticou a burocracia administrativa. “Em virtude da extrema gravidade de seu estado de saúde, está sendo submetido a tratamento médico, cuja eficácia, no entanto, parece não se revelar satisfatória, consideradas as razões administrativas (sempre elas!!!) invocadas pelas autoridades penitenciárias, como a (recorrente) falta de escolta policial-militar, resultando na falta de atendimento a que o detento tem direito”, disse ele na ocasião. O ministro lembrou, ainda, que a Lei de Execução Penal, nos artigos 10, 11, inciso II, 14, 40 e 41, inciso VII, garante ao detento que o Estado dê tratamento médico-hospitalar.

Em 2009, não foi diferente ao se deparar com outro caso grave de omissão do poder público. O ministro se emocionou e chegou a chorar em um julgamento. Na ação, o Ministério Público pediu o pagamento de indenização para a mãe de uma criança portdora da Síndrome de West, doença que a deixou ao nascer com paralisia cerebral, cegueira, tetraplegia, epilepsia e malformação encefálica. As anomalias genéticas eram decorrentes de infecção por citomegalovírus, contraído por sua mãe durante o período de gestação, enquanto trabalhava no berçário de hospital público do Distrito Federal.

Emotivo, o ministro afirmou: “Esse caso mostra que há processos em que o próprio juiz se emociona e se angustia, tal o grave quadro de desamparo social que se abateu sobre um ser humano tão vulnerável, causado pela frieza burocrática do aparelho de Estado e agravado pela insensibilidade governamental. O STF, no entanto, restaurou a ordem jurídica violada e fez prevalecer, em favor de um menor injustamente posto à margem da vida, completamente ultrajado em sua essencial dignidade, as premissas éticas que dão suporte legitimador ao nosso sistema de Direito e aos nosso sentimento de Justiça!”

Ele mandou o governo do Distrito Federal depositar, em até 30 dias, a título de pensão mensal, desde o nascimento da criança dois salários mínimos por mês, enquanto for viva. E, ainda, mandou o governo do Distrito Federal pagar 80 salários mínimos por dano moral.

Defensor também da presunção da inocência, Celso de Mello privilegiou esse princípio em um caso polêmico em 2008. Em um voto de 90 páginas, no julgamento de ADPF ajuizada pela da Associação dos Magistrados Brasileiros, ele decidiu que políticos não podem ter a candidatura barrada se respondem a processos criminais ou tenham sido condenados, sem uma decisão definitiva no caso.

Segundo ele, a exigência da coisa julgada representa antes de mais nada um juízo de prudência que o próprio constituinte formulou e que o próprio legislador ordinário estabeleceu. “Isso porque é tão grave a sanção que decorre de uma condenação transitada em julgado que ela afeta até a capacidade eleitoral do cidadão. Ela retira a pessoa do atributo da cidadania. Sendo assim, é razoável que se exija o transito em julgado para que se justifique tamanha restrição de um direito básico que é o de ser votado”, fundamentou.

Na ocasião, ele ressaltou que o prejuízo seria irreparável à vida desses candidatos se fosse atendido o pedido da AMB de barrar as candidaturas sem condenação definitiva. “Os valores éticos devem pautar qualquer atividade no âmbito governamental. Somente os eleitores dispõem sobre o poder soberano de rejeitar candidatos desonestos, mas essa Corte não pode ignorar o principio da presunção de inocência”, afirmou o ministro.

Além dessa visão humana e constitucional que tem dos casos, Celso de Mello também é visto no mundo jurídico como um defensor das prerrogativas dos advogados. Em 2005, no calor da CPI do Mensalão, ele não temeu a voz das ruas para garantir que cidadãos intimados a depor na comissão parlamentar pudessem dispor de seu direito de defesa e contar com a assistência de advogados. 

O pedido de liminar foi feito em Mandado de Segurança ajuizado pela seccional do Distrito Federal da OAB. Celso de Mello em decisão favorável afirmu que “o Poder Judiciário não pode permitir que se cale a voz do advogado, cuja atuação, livre e independente, há de ser permanentemente assegurada pelos juízes e pelos Tribunais, sob pena de subversão das franquias democráticas e de aniquilação dos direitos do cidadão”.

O reconhecimento de prerrogativas de advogados era apenas mais um, além de outros tantos julgados. Em 2009, nessa mesma linha, ele declarou à revista Consultor Jurídico que não iria subscrever a proposta que desobrigava ministros de receber advogados sem a presença da parte contrária. “Recebo abertamente em meu gabinete todos os advogados e representantes do Ministério Público que me procuram. E esse é um sistema que, no que me concerne, não tem revelado qualquer tipo de constrangimento ou de comportamentos inoportunos ou inadequados”, afirmou na ocasião. O assunto acabou morrendo no STF.

Este ano, aconteceu também outro fato marcante na carreira do ministro. No exercício da Presidência do Supremo, coube a ele negar a liminar no pedido de Habeas Corpus de número 100 mil. O HC entrou para a história da Suprema Corte brasileira porque foram necessários mais de 138 anos para se chegar a esse número. No caso, Celso de Mello entendeu que não houve necessidade de conceder a ordem para acelerar o julgamento do pedido — feito anteriormente no Superior Tribunal de Justiça.


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