Escândalo do mensalão

Revista Veja não precisa indenizar José Dirceu

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17 de agosto de 2009, 17h18

A desonra não é resultado da publicação de um fato ou de um crime, mas, sim, do próprio fato ou do crime cometido. A imprensa divulga uma conduta e somente poderá ser responsabilizada quando, a partir de fato que não existe, inventa ou cria um acontecimento irreal ou fictício para denegrir a imagem e reputação de inocentes.

Com esse fundamento, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou recurso do ex-deputado José Dirceu. Ele queria que a revista Veja fosse condenada a pagar R$ 200 para ele por causa de reportagens sobre o escândalo do mensalão. Dirceu acusa a Veja de comandar uma campanha difamatória contra ele. Além da condenação da Editora Abril, que publica a revista, ao pagamento de danos morais, José Dirceu pediu à Justiça a condenação da empresa a publicar a sentença judicial na Veja com o mesmo destaque.

A decisão, por votação unânime da 4ª Câmara de Direito Privado, referendou sentença de primeira instância. A turma julgadora entendeu que a pretensão de Dirceu tinha caráter de censura e que não houve abuso por parte da revista. Para os desembargadores paulistas que analisaram o pedido, a função do jornalismo é tratar e divulgar os acontecimentos que estão sob julgamento popular. De acordo com os desembargadores, realçar a biografia de pessoas públicas é trabalho que se deve encomendar aos historiadores, capazes de prestar esse tipo de serviço.

“A pessoa que se torna figura pública ou celebridade por seu desempenho social não sofre restrições e sequer ganha privilégios na órbita dos direitos de personalidade, continuando, como todos os mortais, digna de proteção e tutela contra as lesões de valores essenciais do ser humano”, destacou o desembargador Ênio Zuliani, relator do recurso.

Dirceu se queixou à Justiça dizendo que a revista referia-se a ele como “chefe de quadrilha” porque possuía contas bancárias de forma ilegal em outros países e praticava tráfico de influências. De acordo com o ex-parlamentar, as reportagens eram “manifestamente inverídicas” e tinham o “flagrante ânimo” de difamá-lo e injuriá-lo.

José Dirceu alegou ainda que as reportagens refletiam verdadeira campanha difamatória por parte da Editora Abril contra ele e que essa conduta acarretou prejuízos de ordem moral, diante da repercussão negativa das reportagens na opinião pública e em sua família e parentes.

A Editora Abril sustentou a improcedência do pedido, sustentando que a revista Veja é conhecida pela publicação de reportagens de “jornalismo investigativo” e, nessa linha, todas as mazelas de qualquer governo são expostas. Disse que o caso levado ao Judiciário não se tratava de simples arranjo orquestrado para prejudicar José Dirceu, enquanto exercia as funções de ministro Chefe da Casa Civil do governo Lula. No final, ressaltou que as reportagens são de interesse público porque informam o destino dado ao dinheiro público arrecadado.

Em primeira instância, a juíza Valéria Longobardi Maldonado, da 29ª Vara Cível Central da Capital, em decisão de maio do ano passado, julgou a ação improcedente e condenou José Dirceu a pagar R$ 2 mil de custas processuais e honorários advocatícios. A magistrada entendeu que não houve intenção da revista de prejudicar o ex-deputado, nem difamação ou injúria, mas que a empresa simplesmente exerceu o direito de informar a opinião pública sobre fatos ocorridos no país.

A turma julgadora que apreciou o recurso de José Dirceu contra a sentença da magistrada entendeu que, ao contrário do que afirmou o ex-deputado, não existia o “mais tênue” indício da prática por parte da revista de uma teoria da conspiração contra o político, com o objetivo de desgastar sua imagem e projeção.

De acordo com o relator, as reportagens destacaram fatos reais que abalaram o sistema político brasileiro, com denúncias de compra de votos de parlamentares da base aliada pelos líderes do governo, fenômeno que ficou conhecido da opinião pública como mensalão.

“Não seria permitido calar a imprensa sobre tal ocorrência e isso dá, nos dias atuais, com a descoberta de ‘atos secretos’ do Senado Federal, que os jornais propagam como corrupção cometida pela própria organização e funcionalidade das mesas diretoras e das diretorias administrativas, de sorte que, se for aprovada alguma sanção por essas reportagens, a provocação dos interesses em impedir a divulgação soa como espécie de censura oblíqua, o que é um desastre em termos de democracia e eficácia do regime do direito livre e responsável”, afirmou o desembargador Zuliani, comparando o caso do mensalão com os escândalos envolvendo o senador José Sarney.

No caso do mensalão, José Dirceu foi denunciado pelo procurador-geral da República por formação de quadrilha, peculato e corrupção ativa. O mensalão consistiu na movimentação de dinheiro encaminhado aos partidos políticos durante campanha e que seriam distribuídos para a cooptação ideológica de parlamentares.

De acordo com o Tribunal de Justiça, a liberdade de expressão é um direito que se exerce observando e respeitando valores individuais, e quando há conflito, deve ser preservado o direito particular, desde que se prove o abuso e a lesão e, na opinião da turma julgadora, não foi o caso da disputa judicial entre José Dirceu e a revista Veja.

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