Garantia de justiça

Brasil precisa de mais tempo de Celso de Mello no STF

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17 de agosto de 2009, 9h21

Não vou fazer um retrospecto dos 20 anos em que Celso de Mello engrandeceu o Supremo, muito menos editar seus “melhores momentos”, já que hoje temos uma imprensa especializada na comunidade jurídica e esta o fará melhor do que eu.

O que me surpreende nesse filho das Arcadas que entrou no ofício do Direito pelas portas do Ministério Público, passou por funções importantes na Secretaria de Cultura de São Paulo, na Assembléia Legislativa, na Consultoria-Geral da República em trânsito para Advocacia-Geral da União é que ele nunca tenha se dedicado formalmente à Academia.

E digo “formalmente” porque o vejo, antes de tudo, como um professor de mão cheia. E uma de suas expressões que mais me toca é “magistério constitucional da Suprema Corte”. Sim, seus votos levaram – quantas vezes! – o tribunal a ensinar ao Brasil a importância de sua Constituição e da estrita observância dos direitos que ela consagra, independentemente de quem vai se beneficiar dessa garantia, se preto ou branco, rico ou pobre, honesto ou salafrário, crucificado ou beatificado pela mídia, já que as garantias são de todos.

Sua atuação foi relevantíssima no processo penal. Ex-promotor, impôs a seus antigos colegas a observância – que nunca deveria ter sido abandonada – do dever de acusar fundamentadamente, com respeito aos direitos individuais. Quando começou a vicejar certa jurisprudência que falava em “abrandamento dos rigores” de dispositivos legais que corporificavam garantias constitucionais, os votos de Celso viravam o norte para a direção oposta, mostrando que o que se pode abrandar são restrições à defesa, mas que as garantias desta têm que ser rigorosamente observadas.

Sua visão sempre foi a de que a Constituição não é um documento voltado apenas a resolver as grandes questões de Estado – como conflitos entre os altos poderes da República ou querelas de entes políticos – mas também os problemas do dia-a-dia do cidadão comum.

Como Pedro Aleixo, o advogado criminal e vice-presidente da República que verberou o Ato Institucional nº 5 dizendo “tenho medo é do guarda da esquina”, Celso de Mello é também capaz dessa visão. Capaz de perceber que a Constituição pode ser violada e a cidadania destruída por qualquer representante do poder estatal, ou seja, pelo guarda da esquina, pelo beleguim, pelo fiscal, pelo carcereiro, tanto quanto pelo presidente, governador, juiz ou tribunal. É um homem capaz de enxergar quão grandes são as coisas pequenas e como se abala a ordem jurídica quando, de qualquer forma, se oprime alguém sem justa causa.

Nunca se deixou pressionar, nunca vergou. Forças políticas, imprensa, opinião pública, nada disso o afeta, ainda que por isso tenha sofrido incompreensão e injúrias.

Se o jurisconsulto é firme e justo em sua atividade que é mormente didática, o ser humano é doce.

Trabalhador obstinado (não raro até mesmo excessivo) mergulha nos processos e os devora com a ajuda de seu indefectível marca-texto. E ainda – sabe-se lá como! – encontra tempo para a cultura geral, para a literatura e para a tão prezada História, seja da humanidade, do Direito, do Brasil, do Supremo.

Ele tem uma virtude dos grandes juízes, a que outrora chamávamos lhaneza. Quem for ao Aurélio atrás dessa palavra que a rudeza da vida pôs em desuso, verá que ela sintetiza as virtudes de Celso de Mello: “Franqueza, sinceridade, lisura, singeleza, candura, simplicidade, afabilidade, amabilidade, delicadeza”. E aquela pureza interiorana de quem saiu de Tatuí mas de quem Tatuí nunca saiu, no que isso significa de melhor.

E como um juiz assim haveria de receber os advogados? Com uma atenção, um respeito, uma paciência e uma simplicidade que não deveriam faltar a nenhum magistrado, mas que infelizmente são qualidades raras. Não há patrono que não saia enlevado de seu gabinete.

O Brasil precisa de mais tempo de Celso no Supremo. E – sem esquecer as qualidades de outros grandes Ministros que lá estão – de gente dessa cepa por lá.

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