Administração Pública

A importância do poder hierárquico

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16 de agosto de 2009, 9h30

A noção e, posteriormente, conceito de Administração Pública surgiu e evoluiu com a de Estado. Certo é que nos primórdios históricos sequer fazia sentido discernir na estrutura de poder uma Administração Pública, porque com a concentração do poder nas mãos do imperador a organicidade e estrutura dos elementos deste mesmo poder se conectavam exclusivamente na vontade do próprio soberano.

Fazendo menção a esse período, Diogo de Figueredo (2003) o denomina fase absolutista, caracterizando-a como àquela administração regaliana. Significando dizer, àquela em que prevalecia os interesses do soberano, pouco importando as demandas dos súditos.

Contudo, rompido o período absolutista, com a Revolução Francesa, constatou-se no seio daquela sociedade uma ausência de leis que regulasse a relação do administrador com os administrados. Vigia naquela sociedade leis que regulavam, tão somente, a relação entre particulares, “inaptas, pois, para reger os vínculos de outra índole, ou seja: os intercorrentes entre o Poder Público e os administrados”. (Mello, 2006)

Certo é que da circunstância fática descrita foi criado na própria França um órgão denominado Conselho de Estado com competência para dirimir conflitos entre o Estado e os administrados. Tal órgão, não obstante com competência precípua de solucionar conflitos estava vinculado ao próprio Poder Executivo, alheio ao Judiciário. (Mello, 2006)

É importante destacar a possível leitura que se faz da criação desse órgão julgador apartado do Poder Judiciário. Infere-se que tal separação denunciava, em grande medida, a flagrante desconfiança no Poder Judiciário Francês daquela época — pelo simples fato de seus integrantes, de certa maneira, serem oriundos do antigo regime.

Ultrapassada a fase do absolutismo, num gigantesco salto histórico, chega-se a fase denominada estatismo, àquela que, na interpretação de Diogo de Figueredo Neto (2003), representou a administração burocrática, com a prevalência dos interesses do Estado.

Numa leitura diferente da trazida pelos doutrinadores administrativistas, Cappelletti ao tratar desse período histórico — a fase burocrática da Administração Pública — faz a seguinte constatação:

“À medida que as sociedades do laissez-faire cresceram em tamanho e complexidade, o conceito de direitos humanos começou a sofrer uma transformação radical. A partir do momento que as ações e relacionamentos assumiram, cada vez mais, caráter mais coletivo que individual, as sociedades modernas necessariamente deixaram para trás a visão individualista dos direitos, refletida nas “declarações de direitos”, típicas dos séculos dezoito e dezenove. O movimento fez-se no sentido de reconhecer os direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associações e indivíduos. Esses novos direitos humanos, exemplificados pelo preâmbulo da Constituição Francesa de 1946, são, antes de tudo, os necessários para tornar efetivos, quer dizer, realmente acessíveis a todos, os direitos antes proclamados. Entre esses direitos garantidos nas modernas constituições estão os direitos ao trabalho, a saúde, a segurança material e a educação. Tornou-se lugar comum observar que a atuação positiva do Estado é necessária para assegurar o gozo de todos esses direitos sociais básicos. […]” (Capelleti, 1988, p. 10).

Não obstante o tom bastante crítico-pejorativo dos doutrinadores administrativistas quanto a fase burocrática, na verdade é de se destacar que a burocratização do Estado, neste período, decorreu, em grande medida, da implementação dos direitos sociais (porque não adjetivá-los de fundamentais?) e da maior intervenção do Estado como garantidor – conforme resta demonstrado no trecho acima.

Decorrido o período de burocratização chegou-se à constatação, pelo menos oficial (1), da insuficiência do modelo vigente. Já alçando as perspectivas de um novo modelo propugnado pela prevalência do interesse da sociedade, envolvida pela ânsia democrática, ascendeu o modelo denominado por Diogo de Figueredo Neto (2003) como administração gerencial.


Salutar é mencionar que, apesar de ser relatado como um movimento evolutivo, a criação da administração gerencial não pode ser plenamente avaliada como a melhor solução para os problemas não resolvidos pela administração burocrática; isto em razão de, pelo menos, dois motivos: I) – o fato de ser recente – principalmente, no Brasil – os institutos jurídicos e diretrizes desse modelo; II) – o fato de, eventualmente, ter sido positiva a implementação jurídica do modelo gerencial, em outros países, principalmente se desenvolvidos (o que não é o caso do Brasil) não significa que alcançará os mesmos resultados auferidos em outras experiências. Destaca-se que os países – analogicamente, como os indivíduos – guardam características que os singularizam (história, cultura, IDH, etc.). Logo, dentro do contexto global pretender que modelos prontos sejam autoaplicáveis e, pior, que seus resultados sejam garantidos é, no mínimo, bastante perigoso.

Todavia, o argumento mais utilizado para o implemento de modelos importados é, basicamente, contra-argumentar que a inércia, no sentido de ausência de locomoção, é pior!

De fato a inércia não é capaz de promover avanços. Sua condição, a imobilidade, por natureza, já é incapacitante. Contudo, a proposta que, me utilizo deste para fazer, é de um maior aproveitamento da Acadêmia Jurídica, a fim de que, aprioristicamente, esta seja inserida no contexto do processo legislativo, com o fito de, através de estudos científicos, os quais poderiam se consultados, por exemplo, por meio de audiências públicas especializadas, resguardar o país de atrocidades. Resumidamente poderia-se dizer que é ordem é consultoria jurídica especializada!

Não é segredo que as avaliações das comissões são pautadas, quase sempre, por interesses causídicos — pra não denominá-los políticos, pois neste sentido, atribuiria-lhes legitimidade. Em outras palavras, muitas vezes criam-se argumentos jurídicos para dar legitimidade a leis. Ao passo que deveria-se desenvolver o processo inverso — dentro do processo legislativo — cujo primado não é a subsunção ao caso concreto, antes a máxima abstração, cientificidade, juricidade para atingir máxima excelência enquanto produto jurídico, pois a lei o é.

Indiscutivelmente a sociedade brasileira está vivenciando, nestes dias, a mutação do paradigma acerca da Administração Pública, passando da administração burocrática para a administração gerencial.  Não obstante a forma de enxergar a Administração Pública esteja em modificação, os critérios clássicos de definição da mesma permanecem intocados. Para doutrina mais difundida, neste aspecto conceitual, são dois os critérios de definição da Administração Pública (objetivo e subjetivo).

O critério objetivo, também nomeado de material, substancial ou funcional pretende caracterizar a Administração Pública a partir de seus elementos intrínsecos. Ou seja, este critério delineia a Administração Pública a partir das atividades administrativas exercidas, a partir da função administrativa desempenhada. Busca-se sob esta perspectiva analisar o serviço público, a atividade de polícia e o fomento.

Já o critério subjetivo, formal ou orgânico da Administração Pública faz referência aos sujeitos que a integra. Esse critério mantém-se fito no estudo dos agentes públicos, órgãos públicos e pessoas jurídicas da Administração Pública. Ressalta-se que esses critérios não são os únicos meios de análise da estrutura administrativa estatal. O próprio Professor Diogo de Figueredo (2003) desenvolve uma classificação diferente para a estrutura administrativa a qual, segundo o autor, é classificada em administração introversa e extroversa.

A Administração extroversa se ocupa do alcance dos interesses públicos primários ou materiais, ou seja, para o Professor Diogo de Figueredo, a Administração Pública extroversa se realiza a medida que são implementadas suas atividades. Para ele são cinco tipos de atividades, pela Administração Pública, desenvolvidas: polícia, prestação de serviços públicos, a execução do ordenamento econômico e social e, por último, o fomento público.


Já a Administração introversa abrange, para o Autor, as questões relacionadas a gestão interna da Administração Pública, a saber: pessoal, bens públicos, finanças públicas, serviços burocráticos. Se permitida a conexão das doutrinas; mesmo que estabelecida de maneira mais superficial possível, devidas as inúmeras diferenças quanto as implicações da conceituação dos diversos critérios apontados; poderia ser dito que a administração extroversa está para objetiva, assim como a introversa estaria para a subjetiva.

Os apontamentos técnicos dos sentidos possíveis de Administração Pública demonstram a complexidade de sua estrutura, bem como suas vertentes no ente estatal; haja visto que, a constatação objetiva de tais critérios, independem da função estatal exercida. Em outras palavras, os critérios destacados são verificáveis em quaisquer dos Poderes do Estado – Legislativo, Judiciário e Executivo – pois todos, desempenham atividade administrativa – mesmo que de forma atípica; no caso dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Compreendidas as circunstâncias que envolvem a atual Administração Pública, bem como os possíveis conteúdos que lhes são atribuídos, mister apontar os fenômenos organizacionais a que esta foi acometida. Este tópico do estudo parte do critério objetivo para sua construção. Destaca-se que o estudo dos fenômenos da desconcentração e da descentralização são vinculados ao critério objetivo de análise da Administração Pública, a medida que tais fenômenos só existiram em razão da impossibilidade da Administração, por si só, alcançar seu fim, qual seja: o interesse público.

A descentralização é um fenômeno que se realiza a partir da movimentação centrífuga da Administração Pública, na qual ela tende a extirpar, algumas de suas competências e atribuições, para outras pessoas jurídicas ou, até mesmo, naturais. É importante, neste ponto, considerar que a Administração Pública, ao se movimentar para a descentralização ela se recria, se reinventa. Tal proposição ganha força ao se retomar a análise do tópico precedente, quando se falava da atual mutação da Administração Pública burocrática para a de gestão, pois mesmo quando fixada no paradigma precedente — o da administração burocrática — já se verifica, no Brasil, por exemplo, a movimentação centrífuga da Administração Pública. Ou seja, com a manifestação desse novo paradigma — de gestão administrativa — inova-se não no aspecto de mobilidade da Administração Pública; pois, como já dito, esse tipo de movimento ela já desempenhava; todavia, inova na maneira, na forma de consubstanciação desse movimento.

Dessa verificação uma importante questão, salta aos olhos: será que, de fato, era insuficiente a maneira como se consubstanciava o movimento da Administração Pública? Esse movimento de repúdio da centralização de suas atribuições levou o Estado ora a criar pessoas jurídicas (pela descentralização política, por exemplo, criou-se os entes federativos e, pela lei, criou empresas privadas, sociedades de economia mista, as autarquias e autorizou-se fundações), ora contratar com pessoas privadas (concessões e permissões), ora autorizá-las. Enfim, o fenômeno de descentralização repartiu as tarefas, as ingerências administrativas visando dar mais alcance e liberdade a Administração Pública para implemento de suas atividades.

Quanto a desconcentração está é um fenômeno verificável intrinsecamente na Administração Pública. Dele decorre a distribuição das atribuições administrativas dentro da própria estrutura interna da Administração Pública. A desconcentração é um fenômeno centrífugo da Administração Pública, mas que não repele para fora de sua estrutura suas tarefas, antes trata do deslocamento interno das atribuições.


Enquanto, na descentralização, o objetivo é possibilitar a execução da atividade fim com mais liberdade, na desconcentração é, ao mesmo tempo: I – especialização; II- responsabilidade e III – a proximidade com o administrado.

Inclusive, é da realização dos objetivos da desconcentração, acima mencionados, que se obtém o estabelecimento de critérios para este fenômeno, quais sejam: a) – Critério Material; b) – Critério hierárquico e c) – Critério Geográfico. Para exemplificar, pode-se dizer que pelo critério material tem-se a divisão dos ministérios (Fazenda, Comunicações, Educação, etc); já quanto ao critério hierárquico tem-se o escalonamento da estrutura em órgãos menores, subalternos, por exemplo, a Secretária da Receita Federal; e, por fim, quanto ao critério geográfico, tem-se as Superintendências da Receita Federal espalhadas por todo território nacional, ou as Procuradorias da Fazenda Nacional, também distribuídas pela União.

Neste ínterim constata-se que a desconcentração é um fenômeno de organização da estrutura da Administração Pública, para torna-se viável enquanto ente.

A delimitação do objeto do presente trabalho manifestou-se pelo recorte do poder hierárquico como elemento concatenador da Administração Pública no seu âmbito interno, nascido da realização do fenômeno da desconcentração. Denominado pelo Professor Diogo de Figueredo (2003) como um Princípio da Administração, a hierarquia revela-se como instrumento da administração para realização dos seus fins, a medida que por meio do emprego deste sistema hierárquico, o qual pressupõe o escalonamento fixando entre os órgãos e agentes públicos uma relação superioridade e autônima, para uns, e de sujeição e dependência, para outros.

A Constituição da República de 1988 traz em seu bojo principiológico, reescrito pela Emenda Constitucional número dezenove de 1998 os princípios gerais explícitos e norteadores da Administração Pública, dos quais, inclusive, decorrem os princípios implícitos. São os princípios constitucionais explícitos da Administração Pública: Legalidade, Impessoalidade, Publicidade, Moralidade e Eficiência.

Dentre os cinco princípios, pelo texto constitucional explicitados, o princípio da eficiência é o mais recente, tendo sido incluído pela referida emenda constitucional. O princípio da eficiência tem como escopo a qualidade dos serviços prestados pelo Estado – direita ou indiretamente – , ou seja, o melhor fim para as atividades estatais.

Tal princípio é mensurado a partir da análise dos critérios de economia entre o produto e os insumos (Neto, 2003), bem como permeado e oriundo do conceito de boa administração, (2) empregado no direito italiano e construído por Falzone, em 1953, que “passou a ser respaldado pelos novos conceitos gerenciais, voltados à eficiência da ação administrativa pública” (Neto,2003).

Certo é que o ponto de contato entre a necessária eficiência da Administração Pública com a hierarquia decorre do fato de tal fenômeno propiciar, pragmaticamente, o atingimento da eficiência, na medida que o fenômeno da hierarquia organiza a ação administrativa para a consecução de suas finalidades. Nas palavras do professor Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Tais poderes consistem no (a) poder de comando, que o autoriza a expedir determinações gerais (instruções) ou especificações a um dado subalterno (ordens), sobre o modo de efetuar os serviços; (b) poder de fiscalização, graças ao qual inspeciona as atividades dos órgãos e agentes que lhe estão subordinados; (c) poder de revisão, que lhe permite, dentro dos limites legais, alterar ou suprimir as decisões dos inferiores, mediante revogação, quando inconveniente ou inoportuno o ato praticado, ou mediante anulação, quando se ressentir de vício jurídico; (d) poder de punir, isto é, de aplicar sanções estabelecidas em lei aos subalternos faltosos, (f) poder de dirimir controvérsias de competência, solvendo os conflitos positivos (quando mais de um órgão se reputa cpmpetente), e (f) poder de delegar competências ou avocar, exercitáveis nos termos da lei." (Mello, 2006, p. 147)


Enfim, comprova-se a partir das constatações do Professor Celso Antônio que, além de garantir a eficiência dos serviços ofertados pela Administração Pública, o Princípio Hierárquico, ou fenômeno hierárquico, aponta, também, para o controle e fiscalização das atividades dos administradores, confirmando, assim a natureza organizacional deste fenômeno jurídico.

Por fim, não é de se estranhar a consideração da hierarquia como elemento concatenador da Administração Pública, em geral.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

De todos os apontamentos feitos quanto a Administração Pública — àqueles pertinentes a técnica-dogmática, natural da Ciência Jurídica restou-nos apontar reflexões que possibilitem apreciar aspectos mais profundos das implicações destes conceitos. Neste sentido, o primeiro apontamento, não mais relevante que os demais, que serão feitos, mas com função meramente elucidativa, trata da diferença entre poder político e poderes do Estado .

A construção realizada, ainda quando vigia, exclusivamente, a ordem do Estado de Direito (SILVA, 2003) tratava de estabelecer o Direito Administrativo tradicional tendente a desvincular os Poderes do Estado — Legislativo, Executivo e Judiciário — em razão da antiga Teoria Tripartite dos Poderes (ou funções), segundo a qual o processo político não tinha grande importância haja vista o império da legalidade estrita.

Ou seja, pode-se dizer que a concepção tradicionalista liberal tratou do enaltecimento da separação dos poderes elaborada por Locke e sistematizada, no século XVIII, por Montesquieu em L’ésprit des Lois (1748) (3), associada a noção liberal do império estrito da lei sem a atribuição de qualquer importância maior a origem da lei, não quanto o lugar de onde ela vem, mas daí dizer; do poder político externador da lei.

Desta visão imperante, inclusive na vigência do Estado Social, porque este tratava, tão somente, da difusão das atribuições estatais, da maior ingerência do Estado na satisfação de necessidades sociais dos cidadãos, a legalidade estrita foi elemento de orientação da gestão estatal, pouco importando o interesse propulsor da lei a ser cumprida. Exatamente a partir desta ideia que muitos países chegaram aos regimes autoritários. Bastando ao Estado, tão somente, cumprir com seus fins, pouco importando qual a motivação da regra.

A consequência lógica desta ideologia — no sentido científico do termo — tendia a mascarar fraudes ou maquiar os interesses escusos propulsores da máquina administrativa. A lei, em muito, foi instrumento para externar interesses particulares e com a primazia da legalidade estrita tida como dissociada do poder político, violava-se a própria essência do Estado: o povo para o povo. Haja vista que por essa percepção estrita de legalidade a quase nenhum limite se submetia a ordem política outrora instalada.

Outro ponto interessante a ser destacado e que decorrente do primeiro apontamento — desvinculação do poder político em face dos poderes do Estado — é o fato de que se mantida tal concepção o Princípio Hierárquico (ou, tão somente, hierarquia) perde uma de suas fundamentais ingerências: a de fiscalização (tratada em tópico anterior deste artigo). Pode-se concluir que a fiscalização é um dos tentáculos do Controle da Administração Pública amplamente considerada.

O conceito de fiscalização, principalmente se analisado em face da Lei de Improbidade e de Processo Administrativo,  manifesta-se com duas vertentes. A primeira em razão do dever — poder (Mello, 2006) atribuído ao superior para fiscalizar as atividades do subalterno, vertente organizacional da hierarquia — e, numa segunda vertente, a possibilidade de representação contra qualquer ato administrativo, quer entre agentes quer entre estes e terceiros. Ou seja, viu-se ampliada a noção de fiscalização.

Destaca-se inexistir qualquer pretensão de tratar, neste artigo, acerca de Controle da Administração Pública. Todavia, imperioso é o apontamento que se faz uma vez que o mesmo é resultado do desdobramento da noção de Poder Hierárquico ou hierarquia.


Neste sentido, se, como outrora, concebe-se as ações da Administração Pública como aquelas oriundas do cumprimento legal, sem qualquer manifestação de mérito (4) tem-se restrita a possibilidade de fiscalização de uma infinidade de atos da Administração Pública, por serem tai atos considerados discricionários. Logo, aumenta-se, demasiadamente, a possibilidade de fraude de legitimidade quer no processo legislativo, quer na execução das leis.

Por fim, o último apontamento que se fará, decorre da conexão de tudo até aqui exposto. Considerando que hoje vige a ordem democrática, a qual o pressuposto de legitimidade do poder representativo é a outorga popular, deve-se ater, toda a sociedade e, mais ainda, a comunidade jurídica; se possível excluída de partidarismos e casuísmos; as seguintes questões:

I – O Poder Executivo; em seu cume representado pelo seu chefe ( presidente, governador e prefeito); expressa interesses políticos, haja vista que são representantes eleitos pelo povo. Logo, há, indiscutivelmente, uma atuação política na própria Administração Pública, na medida que as diretrizes por estes traçadas, dentro de suas respectivas competências serão norteadoras da atuação administrativa do Estado através da hierarquia que vincula e se desencadeia na organização dos órgãos a ele vinculados.

Neste ponto é importantíssimo considerar que, em última análise, o próprio Poder Legislativo como poder primário mais importante do Estado, pois institui a ordem jurídica (Neto, 2003) e é eminentemente político. Quer em razão de sua constituição ou de sua forma, por decorrer de eleição e representação, quer, em termos materiais ou substanciais,  porque seu objeto de trabalho trata, pelo menos em tese, da manifestação de vontade do povo.

A esta altura dos apontamentos é relevante considerar que hoje, na vigência da ordem constitucional democrática é impossível, por todos os motivos expostos, desvincular o poder político dos poderes administrativos, principalmente na órbita administrativa e legislativa. Daí dizer que o controle dos atos administrativos, que se fazem sob os critérios de legalidade e de legitimidade,  é matéria que demanda o máximo de estudo, aperfeiçoamento e aplicação em nossos dias.

II – A premente necessidade de um controle de legitimidade dos atos do poder público. Com bastante propriedade — que lhe é inerente — o professor Diogo de Figueredo (2003), no capítulo denominado Controle da Administração Pública, discorre sobre as possibilidades de controle da Administração Pública, ele chega a destaca a legitimidade e a legalidade, como critérios de controle.

Em apertada síntese, pode-se dizer, da leitura do referido professor, que o controle de legalidade seria definido como “a sujeição do agir à lei” (Netto, 2003). Essa espécie de controle decorre do princípio da legalidade explícito no texto constitucional e da sua aplicação à Administração Pública; que só pode atuar conforme a lei.

Em tese, a aplicação deste princípio não resultaria em grandes e polêmicas controvérsias, vez que, em certa medida, ele tem sido aplicado há alguns anos e, de certa meneira, pacífica tem sido sua compreensão e utilização. Principalmente se se concluir que decorre, tão somente, da lei o conteúdo dos elementos que compõe o ato administrativo, em hipótese.

Daí dizer que o controle de legalidade realizado pelo poder judiciário é absolutamente diferente daquele realizado pela própria Administração. Ao ser estabelecida a lide o controle outrora objetivo passa a ser estritamente subjetivo. Senão veja:

"Com efeito, o contencioso administrativo colima o controle de legalidade, enquanto controle da legalidade subjetiva, com uma única exceção, no Direito brasileiro, à qual se dedicará um item especial. Isto significa que a provocação do controle através dos meios do contencioso judicial administrativo, em regra, se fará para a tutela em concreto de um interesse juridicamente protegido, motivo pelo qual Seabra Fagundes diz ser a "finalidade e caracterísitica do controle jurisidicional a proteção do indivíduo em face da Administração Pública". Não se considerará, em consequencia, como contencioso administrativo o autocontrole exercido pela Administração sobre seus próprios atos. Desde logo, pode-se observar que é distitnta a finalidade do autocontrole, pois não visa à tutela da legalidade subjetiva, mas a da legalidade objetiva. Não obstante, sempre que o administrado se sentir prejudicado de direito em seus direitos subjetivos poderá promover o autocontrole na relação processual adminstrativa graciosa, não só pelo meio constitucional da petição (artigo5º, XXXIV, a, Constituição Federal), como pelos demais meios de provocação simples e recursais, previstos nos vários e extensos níveis de normatividade administrativa; todavia, o que a Administração examinará, nessa relação graciosa, não será, diretamente, se, em sua ação, lesou dirieto subjetivo individual, mas, simplesmente, se agiu em desacordo com a lei, objetivamente considerada. No autocontrole, a Administração reexamina o próprio ato em face da lei – não há relação litigiosa, porque o objeto do pronunciamento colimado pelo reexame não é o hipotético ferimento de direito subjetivo individual, mas, meramente, a conformidade do ato à vontade da lei. " (Neto, 2003, p. 567,).


Todavia, grande controvérsia é suscitada se o assunto é a legitimidade, porque tratar desta é, antes de tudo ampliar o âmbito do controle, quer prévio ou posterior, quer interno-hierárquico ou impróprio; quer externo. E normalmente há rexistência quanto a ampliação deste.

Aferir legitimidade é, no mínimo, manter coeso o organismo estatal, haja vista que este se realiza para que sejam trazidos a realidade os interesses mais excelentes do Estado, àqueles permeados pelo interesse público primário. Ao tratar desta espécie de interesses é importantíssima a constantação de que, pelo menos conceitualmente, quase inexiste divergência doutrinária. Observe o que diz o Professor Celso Antônio, cuja construção sintetiza a percepção de outros doutrinadores:

"Ninguém duvida da importância da noção jurídica de interesse público. Se fosse necessário referir algo para encarecer-lhe o relevo, bastaria mencionar que, como acentuam os estudiosos, qualquer ato administrativo que dele se desencontre será necessariamente inválido. […] Convém, pois, expor aquilo que nos parece seja o interesse público propriamente dito. Ao se pensar em interesse público, pensa-se, habitualmente, em uma categoria contraposta à de interesse privado, individual, isto é, ao interesse pessoal de cada um. Acerta-se em dizer que constitui no interesse do todo, ou seja, do próprio conjunto social, assim como acerta-se também em sublinhar que não se confunde com a somatória dos interesses individuais, peculiares de cada qual. Dizer isto, entretanto é muito pouco para compreender-se verdadeiramente o que é interesse público. […] Uma vez reconhecido que os interesses públicos correspondem à dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, que consistem no plexo dos interesses individuais enquanto partícipes da Sociedade (entificada juridicamente no Estado), nisto incluído o depósito intertemporal destes mesmos interesses, põe-se a nu a circunstância de que não existe coincidência necessária entre interesse público e interesse do Estado e demais pessoas de Direito Público. É que, além de subjetivar estes interesses, o Estado, tal como os demais particulares, é, também ele, uma pessoa jurídica, que, pois, existe e convive no universo jurídico em concorrência com todos os demais sujeitos de direito. Assim, independentemente do fato de ser, por definição, encarregado dos interesses públicos, o Estado pode ter, tanto quanto as demais pessoas, interesses que lhje são particulares, individuais, e que, tal como os interesses delas, concebidas em suas meras individualiadades, se encarnam no Estado enquanto pessoa. Estes últimos não são intesses públicos, mas interesses individuais do Estado, similares, pois (sob o prisma extrajurídico), aos interesses de qualquer outro sujeito. Similares, mas não iguais. Isto porque a generalidade de tais sujeitos pode defender estes interesses individuais, ao passo que o Estado, concebido que é para a realização de interesses públicos (situação, pois, inteiramente diversa da dos particulares), só poderá defender seus próprios interesses privados quando, sobre não se chocarem com os interesses públicos propriamente ditos, coincidam com a realização desles. Tal situação ocorrerá sempre que a norma donde defluem os qualifiquem como instrumentais ao interesse público e na medida em que o sejam, caso em que sua defesa será, ipso facto, simultaneamente a defesa de interesses públicos, por concorrerem indissociaavelmente para a satisfação deles. Esta distinção a que se acaba de aludir, entre interesses públicos propriamente distos – isto é, interesses primários do Estado – e interesses secundários (que são os últimos a que se aludiu), é de trânsito corrente e moente na doutrina italiana, e a um ponto tal que, hoje, poucos doutrinadores daquele país se ocupam em explicá-los. […]" (Mello, 2006).

Observa-se que a noção de interesse público primário deve ser o elemento motivador da ação estatal, daí dizer que o critério de legitimação envolve a noção de interesse público como aquele que pretende realizar os interesses individuais, coletivamente considerados. Em outras palavras, estabelecer o critério de legitimidade dos atos estatais visa a promoção do interesse público.


Não obstante haja pensamento diverso, pode-se dizer que no exercício da função jurisdicional é possível aferir-se a legitimidade, haja vista que esta, quando aferida pelo processo judicial é permeada pelos interesses subjetivos daquele indíviduo que se diz lesado ou ameaçado tende, não somente fiscalizar e possibilitar ao Estado, como querem alguns, a não mais errar. Antes o exercício jurisdicional tem natureza fiscalizatória com vertente punitiva.

Logo, constatada que a defesa do Estado fundamenta-se em interesse secundário, introverso, por serem estes colidentes com o interesse particular que não obstante revestido de subjetividade venha a representar, em escala inferior ou minimizada, o interesse da coletividade. Haverá de ser imposto ao Estado que ele não só restabeleça a condição do indivíduo como, também, seja compelido a garantir o interesse público representado na ação de garantia do direito subjetivo em juízo.

Certo é que o controle pelo critério de legitimidade é um controle, em sua máxima expressão, de natureza política e que deve permear todas as estruturas e entidades do Poder, caso contrário, a própria existência do Estado como ente jurídico externador dos intresses públicos se esvazia ao ponto de perder sua razão de ser.

Apesar de ter consciência acerca da premente resistência daqueles que detêm o poder em aceitar como possibilidade e, mais que nunca, como ordem constitucional (inserta no parágrafo único do artigo primeiro do texto magno) a execução do controle pelo critério da legitimidade, não há como negar que ele é, se não o único, pelo menos o utilizável para conter a corrupção, muitas vezes legalizada.

Certo é que a corrupção, muitas vezes, utilizando-se do elemento concatenador da democracia (a hierarquia), perpassa as cadeias dos órgãos estatais e atinge do mais subalterno do agentes públicos até os mais altos escalões de decisão, maculando todo organismo estatal.

Eis o porque de tratar do poder hierárquico. Mesmo que mudem a fisionomia da organização estatal tornando-a, talvez, em um empresão, livre, apto a agir sem tantas restrições legais, ágil de nada adiatará, pois a própria amarra dos órgãos e da estrutura de poder o conduzirá a uma possível fiscalização.

Referência
1.
Diz-se oficial em razão da aprovação em 1998 da Emenda Constitucional 19, que propunha a reforma administrativa.
2. Aput Diogo de Figueredo Neto e Celso Antônio Bandeira de Mello.
3. Apud Celso Antôno Bandeira de Mello.
4. No sentido de mérito administrativo (conveniência e oportunidade).

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