Benefício para exportador

Crédito-prêmio acabou em 1990, decide Supremo

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13 de agosto de 2009, 17h42

O crédito-prêmio do IPI, benefício fiscal instituído pelo governo federal aos exportadores há 40 anos, foi extinto em 1990. Essa foi a interpretação do Supremo Tribunal Federal que, em decisão unânime dada nesta quinta-feira (13/8), frustrou as expectativas das indústrias que vendem produtos para o exterior. Os contribuintes pretendiam que a corte declarasse que o incentivo continuava vigente até hoje.

Segundo levantamento feito pela Fundação Getulio Vargas, estavam em jogo R$ 70 bilhões em impostos a serem pagos com os créditos, dos quais R$ 50 bilhões já foram compensados e R$ 20 bilhões ainda terão de ser quitados. Já o fisco dizia que, para os cofres públicos, o valor chegaria a R$ 280 bilhões, caso todos os 30 mil exportadores exigissem o benefício.

A tese vencedora foi a de que, como o benefício foi criado antes da Constituição Federal de 1988, teria de ser revalidado por uma lei em até dois anos depois da promulgação do texto constitucional. Como isso não aconteceu, o direito aos créditos expirou em 5 de outubro de 1990. Para os contribuintes, no entanto, a regra — prevista no artigo 41, parágrafo 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias — só se aplica a benefícios setoriais, o que exclui os exportadores por não serem um setor.

“Esse é o julgamento mais fácil com que me deparei desde que entrei na corte. Se resume à interpretação de um vocábulo”, disse o ministro Eros Grau. E foi exatamente esse o ponto discutido: se os exportadores podem ser considerados ou não um setor. “Segundo o Aurélio — não o Marco, mas o Buarque de Holanda —, setor significa ramo de atividade, e a atividade industrial é que se beneficia do crédito”, disse o ministro Marco Aurélio com bom humor.

Ao conversar com jornalistas depois do julgamento, o ministro Ricardo Lewandowski, autor do voto vencedor e relator dos recursos levados ao Supremo, disse que pretende sugerir a edição de uma Súmula Vinculante sobre o tema. Mesmo que isso não aconteça, a decisão tem caráter geral e os ministros podem decidir individualmente os casos semelhantes, já que os recursos foram julgados sob o regime da Repercussão Geral.

Regras sobrepostas
A discussão considerada simples pelos ministros, no entanto, era apenas a ponta do iceberg. Fisco e empresas se digladiam nos tribunais desde que o Executivo decidiu acabar com o crédito-prêmio, em 1979. Uma sequência de atos deu prazos diferentes para a extinção, que levou o debate ao Supremo em 2004, enquanto a briga continuava no Superior Tribunal de Justiça. Uma das normas foi declarada parcialmente inconstitucional, colocando ainda mais lenha na fogueira. Inconstante, o STJ mudou de posição pela última vez em 2005, declarando extinto o crédito em 1990, com base no ADCT.

O crédito-prêmio do IPI foi instituído pelo Decreto-lei 491 em 1969, durante o regime militar, para incentivar as exportações de produtos industrializados, permitindo que empresas compensassem o imposto recolhido por meio de créditos no mercado interno. O decreto isentava de IPI os produtos exportados e permitia que as indústrias se creditassem do imposto pago na compra de matérias-primas. O crédito foi mantido até 1983, quando expirou o prazo previsto pelos Decretos-lei 1.658 e 1.722, de 1979. As normas definiam uma redução trimestral de 5% do benefício, até sua extinção. No entanto, esses decretos foram revogados pelos Decretos-lei 1.724/79 e 1.894/81, que acabaram não estipulando uma nova data para a extinção, mas deram ao ministro da Fazenda o poder de fazê-lo.

Em 2004, o Supremo declarou os dois últimos decretos inconstitucionais quanto ao poder de extinção e redução do benefício pelo ministro da Fazenda — decisão aplicada pelo Legislativo por meio da Resolução 71/05 do Senado. Assim, não havia mais normas que afirmassem que o crédito-prêmio tinha acabado, voltando a vigorar o que dizia o Decreto-lei 491/69, segundo as empresas. Para o fisco, revogada uma norma que também revogou outra, a anterior teria voltado a valer, de acordo com o disposto na Lei de Introdução ao Código Civil — o Decreto-lei 4.707/42 —, que estabelece a chamada repristinação.  

O Superior Tribunal de Justiça mudou duas vezes de entendimento. Primeiro, afirmou que o crédito não havia terminado devido à revogação dos decretos que o extinguiam. Em 2005, afirmou que o benefício acabou em 1983, como queria o fisco. Dois anos depois, a 1ª Seção entendeu que o benefício estava vigente até 1990, prazo dado pelo ADCT para a confirmação dos benefícios setoriais vigentes antes da Constituição. Como o argumento para a decisão foi constitucional, as empresas apelaram ao Supremo, alegando que a corte superior havia invadido a competência do STF.

Jogo das teses
Na defesa das empresas, nomes de peso se revezaram em sustentações orais na tribuna, nesta quinta-feira. O ministro aposentado do Supremo Carlos Velloso foi um deles, hoje advogando pelos contribuintes. Ele afirmou que o crédito-prêmio não poderia ser extinto com base no ADCT porque não é um benefício setorial, mas “se aplica a todas as empresas exportadoras, independentemente da atividade”. O tributarista Nabor Bulhões, autor da tese da manutenção atual do crédito, disse que as empresas seguiram a orientação do STJ mostrada em centenas de decisões e que, por isso, não poderiam ser punidas com uma decisão contrária. “Empresas que respondem por 75% das exportações brasileiras já usaram o crédito-prêmio para compensar débitos”, afirmou. Ele criticou o STJ por levantar a hipótese da extinção em 1990 usando argumento constitucional quando já havia Recursos Extraordinários admitidos no Supremo com a mesma tese.

O advogado André Martins de Andrade também afastou, diante dos ministros, o argumento do fisco de que o reconhecimento do benefício traria problemas ao Brasil na Organização Mundial do Comércio, que consideraria o crédito-prêmio um subsídio comprometedor do Estado à concorrência com empresas estrangeiras. “Não há nenhum painel na OMC contra o benefício. A desoneração é regra mundialmente consagrada”, afirmou.

“Se mantido o crédito-prêmio, teríamos subsídio em duplicidade”, advertiu o procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional, Fabrício da Soller. Ele lembrou que a Lei 9.363/96, que concede crédito presumido de IPI, já exonera as indústrias de impostos como PIS e Cofins, dos quais elas podem ser ressarcidas. “Teríamos que enfrentar a OMC”, disse, considerando a possibilidade de os ministros votarem a favor das empresas.

Benefício setorial
Como o IPI só incide sobre produtos industrializados e as indústrias compõem o setor secundário da economia, o crédito-prêmio é um benefício setorial, extinto em 1990 com base na determinação do ADCT. O raciocínio levou o ministro relator dos casos, Ricardo Lewandowski, a negar provimento a dois dos três recursos que ocuparam toda a tarde do Plenário do Supremo, e a não admitir o outro. “O ADCT reviu todos os incentivos fiscais, exceto os regionais”, disse. Sobre a possibilidade de compensação dos créditos entre 1983 e 1990, o ministro disse que os casos deverão ser analisados isoladamente, mas que o período a se levar em conta é o da prescrição quinquenal prevista no Código Tributário.

Embora todos os ministros tenham votado no mesmo sentido que o relator, os motivos foram diferentes. Segundo Carlos Britto, o crédito-prêmio do IPI é setorial porque a Constituição divide os benefícios em apenas “nacionais, regionais e setoriais”, e o incentivo não se enquadra nas duas primeiras. Para Cezar Peluso, a interpretação da palavra “setorial” é ampla e envolve o conjunto de todos os exportadores, “sejam da indústria ou do comércio”. Ele discordou do ministro relator quanto à invasão de competência do STJ ao analisar matéria constitucional. “Qualquer juiz pode aplicar definição constitucional”, disse.

Os ministros Ellen Gracie e Celso de Mello se manifestaram expressamente a favor da extinção em 1983, mas como essa tese não poderia ser analisada pela corte, por ser de natureza infraconstitucional e não ter sido trazida ao Supremo por recurso da Fazenda contra a posição do STJ, eles se limitaram a acompanhar o voto do relator.

O presidente da corte, ministro Gilmar Mendes, foi o único a mudar de posição. Ao julgar o Recurso Extraordinário 208.260, em 2004, ele foi enfático ao dizer que o crédito-prêmio ainda estava em vigor. Nesta quinta, porém, ao analisar a matéria sob o argumento do ADCT, considerou o benefício extinto em 1990, como entenderam os demais ministros.

Despojos da batalha
A decisão deve alimentar uma reação do governo às vitórias das empresas conseguidas tanto no Judiciário quanto no Legislativo. Segundo o procurador-geral adjunto Fabrício Da Soller, a decisão da corte fortalecerá os argumentos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nas ações rescisórias, que visam rever decisões já transitadas em julgado na Justiça em favor dos contribuintes. Empresas que tenham conseguido compensar débitos tributários com créditos-prêmio de IPI podem ter de ressarcir a Receita Federal pagando os valores em dinheiro ou compensando com outros créditos.

Outra vitória dos contribuintes que pode ir por água abaixo é a aprovação, no Congresso Nacional, da Lei de Conversão da Medida Provisória 460, que estende o direito ao crédito-prêmio até 2002. A lei, que aguarda sanção da Presidência da República, não tem apoio do Ministério da Fazenda quanto à extensão do crédito-prêmio — proposta que pegou carona na MP, que trata da tributação das construtoras inscritas no programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida. Segundo o fisco, não houve qualquer acordo entre governo e empresas exportadoras quanto à prorrogação do crédito.

No julgamento do Supremo desta quinta, o ministro Carlos Britto deu mais um argumento para que o presidente Lula vete esse trecho, como aposta a PGFN. Ao alegar que nenhuma norma manteve o crédito-prêmio depois da promulgação da Constituição, ele afirmou que seria necessária uma lei específica, “monotemática”, que tratasse do assunto. Como a lei de conversão da MP inclui diversos outros temas, a referência ao benefício seria inconstitucional, de acordo com o procurador Fabrício Da Soller. “Além disso, o prazo para a manutenção do benefício expirou em 1990, o que torna a pretenção atrasada em 19 anos”, diz.

O julgamento foi acompanhado pelo advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, que, no entanto, não fez sustentação oral. Ele havia pedido o adiamento do julgamento para esta quinta, já que acompanharia o julgamento nessa quarta-feira (12/8) do STJ sobre os empréstimos compulsórios da Eletrobrás. O processo sobre o crédito-prêmio havia sido incluído na pauta de quarta pelo Supremo, mas foi adiado a pedido de Toffoli.

Clique aqui para ler o voto do ministro Ricardo Lewandowski.

RE 561.485, 577.348 e 577.302

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