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Jornal e jornalista se livram de indenizar deputado

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13 de agosto de 2009, 16h20

O Jornal do Brasil e o jornalista Augusto Nunes, hoje na revista Veja, não terão de pagar indenização ao deputado petista João Paulo Cunha. O parlamentar pediu R$ 100 mil porque se sentiu ofendido quando, em dezembro de 2005, o colunista escreveu que ele teria usado o cargo de presidente da Câmara dos Deputados para contratar as agências de Marcos Valério para fazer publicidade da casa. Cabe recurso da decisão.

Testemunhas ouvidas pelo juiz Paulo Campos Filho, da 4ª Vara Cível de Osasco (SP), deixaram claro que, na época da publicação da coluna, João Paulo Cunha já passava por momentos difíceis porque diversos meios de comunicação tratavam do assunto em suas reportagens. Isto é, toda a imprensa noticiava as acusações de irregularidades nos contratos fechados com as agências de publicidade de Marcos Valério.

O nome de João Paulo Cunha foi envolvido no esquema do mensalão, quando veio à tona a informação de que um saque em nome de sua mulher apareceu nas contas de Valério, acusado de comandar o esquema de pagamento de parlamentares.

Diante desses dados, o juiz Paulo Campos Filho concluiu que caberia ao autor da ação demonstrar como aquela notícia, especificamente, lhe causou prejuízo à honra e imagem. “Não comete ilícito, sublinhe-se, a matéria jornalística que faz crítica a uma situação que envolve uma autoridade pública, salvo se extrapolar, falseando a verdade, os limites do razoável”, observou na sentença de 28 de julho de 2009.

Ao propor a ação, o parlamentar sustentou que o jornalista fez acusações sem qualquer comprovação e que não houve qualquer irregularidade na contratação da agência de Marcos Valério para a campanha da presidência da Câmara. Segundo João Paulo Cunha, foram feitos ataques injuriosos e difamatórios.

A defesa de Augusto Nunes argumentou que o texto tem cunho crítico informativo e que, para embasar o que escreveu, usou acórdão do Tribunal de Contas da União que apresentava restrições ao contrato firmado pela Câmara e a agência de Marcos Valério. “O artigo expressa o sentimento de reprovação da sociedade eleitora”, afirmou, acrescentando que o deputado era réu em ação criminal no Supremo Tribunal Federal, por acusação de participação no mensalão. A liberdade de imprensa também foi invocada.

A Companhia Brasileira de Multimídia, representante do Jornal do Brasil, alegou que o texto jornalístico tem conteúdo narrativo e crítico e que os fatos narrados culminaram com o recebimento de denúncia do Ministério Público Federal pelo Supremo Tribunal Federal.

Como o deputado não conseguiu comprovar os prejuízos causados em sua vida pela publicação da notícia, o juiz da 4ª Vara Cível de Osasco não aceitou o pedido de indenização. “A matéria guerreada abordou fatos abundantemente veiculados em todos os órgãos de imprensa, não sendo possível vincular os danos reclamados apenas a ela”, decidiu.

Leia a decisão

Processo Nº 405.01.2008.050275-2

Texto integral da Sentença

Vistos. JOÃO PAULO CUNHA ajuizou “ação de indenização por danos morais pelo procedimento ordinário” contra CBM – COMPANHIA BRASILEIRA DE MULTIMÍDIA e AUGUSTO NUNES alegando, em síntese, que: a co-Requerida é responsável pela publicação do “Jornal do Brasil”; no dia 20.12.05 foi publicado, no referido jornal, artigo de autoria do co-Requerido que causou dano ao Autor; os Requeridos acusaram o Autor de prática de crimes, sem comprovação; inexistiu irregularidade na contratação da empresa de Marcos Valério para campanha de presidência da Câmara dos Deputados, tampouco para realização de pesquisa de opinião sobre aquela Casa; os Requeridos não trouxeram a conhecimento público o desdobramento dos fatos; foram feitos ataques injuriosos e difamatórios pelos Requeridos contra o Autor. Pede sejam os Requeridos condenados a lhe pagar indenização por danos morais no valor de R$ 100.000,00, e que a co-Requerida seja obrigada a publicar a sentença condenatória.

Os Requeridos foram citados. Augusto Nunes da Silva sustentou, em síntese, na defesa ofertada que: o artigo jornalístico criticado teve cunho crítico informativo; o acórdão do TCU invocado pelo Autor apresenta restrições ao contrato firmado pela Câmara dos Deputados e a agência de Marcos Valério; o artigo expressa o sentimento de reprovação da sociedade eleitora, refere-se ao Autor como homem público; está, o Autor, em razão dos fatos em que se envolveu, sendo processado em ação criminal, que tramita pelo Supremo Tribunal Federal; inexistiu abuso do articulista que informou e criticou a conduta do Requerente, o que é lícito diante da liberdade de imprensa garantida pela Constituição; inexistem danos morais a serem indenizados, sendo abusivo o valor pleiteado.

CBM Companhia Brasileira de Multimídia alegou, em síntese, na contestação apresentada, que: o artigo jornalístico tem conteúdo narrativo e crítico; os fatos narrados no artigo culminaram com o recebimento de denúncia, feita pelo Ministério Público Federal, pelo Supremo Tribunal Federal contra parlamentares, dentre eles o Autor; a publicação do artigo encontra amparo na liberdade de imprensa, garantida na Constituição Federal; a informação e crítica contidas no artigo dizem respeito não à intimidade ou à vida privada do Autor, mas sim à sua condição de Presidente da Câmara dos Deputados; não há prova da repercussão negativa alegada pelo Autor diretamente ligada ao artigo citado; não praticou ato ilícito; o valor pleiteado a título de indenização por danos morais é abusivo.Pugna pela improcedência da ação.

Houve réplica. O feito foi saneado. Realizada audiência de conciliação, instrução e julgamento, as Partes não se compuseram. Na oportunidade, foram colhidos os depoimentos de duas testemunhas. Em alegações finais, as Partes ratificaram suas teses. É o relatório, decido.

As testemunhas ouvidas em Juízo, arroladas pelo Autor, foram unânimes ao afirmar que, à época da publicação do artigo citado na inicial, já passava ele por momento difícil, em razão das diversas matérias jornalísticas que tratavam do mesmo assunto, e que as reportagens que trouxeram problemas para a vida do Autor eram publicadas em todos os meios de comunicação, e já vinha o Autor sendo alvo de criticas, pelos mesmos fatos, por outros meios de comunicação, (fls. 241 e 242.) Tendo em conta que notícias e artigos com o mesmo teor do sublinhado pelo Autor, e até mais agressivos, dominaram, à época dos fatos, a imprensa falada, escrita e televisiva do País, como é notório, a especificação do dano, causado pela matéria citada na inicial, era de rigor, sob pena de punir um órgão de imprensa, um jornalista, pela veiculação de matéria que monopolizava a imprensa nacional. Caberia ao Autor demonstrar como a matéria jornalística em foco, e por si só, causou prejuízo à sua honra e imagem e qual o dano dela decorrente, mister este dos qual não se desincumbiu, já que, como foi acima gizado, o teor da matéria hostilizada nada teve de exclusivo ou original.

Não comete ilícito, sublinhe-se, a matéria jornalística que faz crítica a uma situação que envolve uma autoridade pública, salvo se extrapolar, falseando a verdade, os limites do razoável, e, em razão deste abuso, causa dano concreto à pessoa alvo da crítica, o que, como acima foi ressaltado, não é o caso dos autos, já que a matéria guerreada abordou fatos abundantemente veiculados em todos os órgãos de imprensa, não sendo possível vincular os danos reclamados apenas a ela. O artigo transcrito na inicial narra fatos e os critica, não há como dele se extrair intenção, deliberada, de ofender o Autor, atingir sua intimidade pessoal, já que o citou como homem público, e as críticas foram motivadas pelo cargo que ocupava, e, repita-se, não foram exclusivas dos Requeridos. Em face deste panorama, não há como se acolher o pleito contido na inicial. Posto isto, JULGO IMPROCEDENTE a ação, condenando o Autor a pagar para ambos Requeridos 10%, (dez por cento), sobre o valor atualizado da causa.

P. R. I. Osasco, 28 de julho de 2009.

PAULO CAMPOS FILHO

JUIZ DE DIREITO

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