Herança concorrida

Conflitos na separação de fato na sucessão legítima

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13 de agosto de 2009, 8h14

O presente artigo tem como escopo, propor algumas reflexões sobre a separação de fato na sucessão legitima. O ponto crucial de tal reflexão é a concorrência entre o cônjuge separado de fato e do convivente da união estável nessa espécie de sucessão.

Isto porque, se quando o marido falece, o casal estava separado de fato há menos de dois anos, haverá uma situação interessante: a esposa e a companheira serão consideradas herdeiras em concorrência. Assim, ambas serão chamadas a suceder em razão do disposto no artigo 1830, do Código Civil Brasileiro, que assim se expressa: “Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente”.

Essa situação estranha se deve ao fato de o artigo 1830 do Código Civil admitir a participação do cônjuge na sucessão do falecido nas hipóteses de separação de fato, há menos de dois anos. Por outro lado, ocorrendo união estável, tem o (a) companheiro (a) também direito de participar da sucessão do (a) falecido (a), nos termos do artigo 1790 do Código Civil, que assim se expressa: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”.

Conjugando-se as disposições dos artigos 1830 e 1790, pode-se concluir que o cônjuge e o (a) companheiro (a) serão chamados a dividir a herança do (a) falecido (a). Resta saber como se dará tal divisão.

O Novo Código Civil criou controvérsias quando dispôs em seu artigo 1.830 os requisitos para a sucessão legitima. Há uma clara desconexão entre os dispositivos existentes na legislação civil quanto à pessoa que será legitimada a receber a herança deixada pelo de cujus. Temos aqui uma primeira reflexão, seria legitimado a receber a herança, o cônjuge separado de fato ou convivente?

Pelo Código Civil anterior, o cônjuge separado de fato não era excluído da sucessão legítima. Isso porque se falava em dissolução da sociedade conjugal para que houvesse a exclusão do mesmo. Não bastava a mera separação fática, nem tampouco, a medida judicial preparatória da separação de corpos. Tal exclusão apenas ocorria com a sentença de separação ou de divórcio, com o trânsito em julgado. Separação de fato, ainda que por tempo razoável, não bastava para que o cônjuge fosse excluído da linha sucessória. Porém, a existência de união estável no sistema do Código Civil anterior, não transformava o companheiro ou companheira em herdeiro. Podia a união estável ou o concubinato gerar efeitos patrimoniais em seu desfazimento, mas não a título de herança. (1)

De acordo com Stella Ramos (2), “por definição, a separação de fato se situa à margem do direito, que impõe aos esposos uma comunidade de vida. Sob este ponto de vista, o princípio aparece cristalino: a separação de fato não altera, em nada, o direito, pois os cônjuges separados de fato permanecem sempre na situação de pessoas casadas”.

Em seu artigo 1.830, o atual Código Civil, prescreve: “Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separadas judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente”.

Vê-se, assim, o conflito e as divergências que o artigo supracitado causará no ordenamento jurídico brasileiro, pois se há separação de fato do casal, a união estável pode ser admitida. Assim, as regras da união estável seriam aplicadas, inclusive no tocante à sucessão.

Essa inovação trazida pelo nosso Código Civil nos mostra a possibilidade que se tem do cônjuge separado de fato, constituir uma união estável. Ou seja, a pessoa que se separa de fato pode se unir a outra pessoa sem qualquer problema ou empecilho. Preleciona o artigo 1.723, “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

O dispositivo acima permite a constituição de união estável de pessoa casada, desde que separada judicialmente ou de fato, sem determinar prazo de duração da união para ser considerada estável, nem o tempo da separação de fato que justificaria a cessação dos deveres matrimoniais ou o momento a partir de quando se permitiria a pessoa casada assumir uma união estável, de modo a diferenciá-la do instituto do concubinato. Apenas fala-se em união duradoura, pública e contínua, sem precisar o tempo necessário para sua caracterização.

Assim, desde que constituída a união estável, nos termos do artigo 1.723, a companheira ou convivente tem direito a herança deixada pelo de cujus. De acordo com o artigo 1.790 do Código Civil, “a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável”.

Com isso há o surgimento de um imenso conflito, se a morte do de cujus se der em menos de dois anos da separação de fato, ambas, (o) a atual companheira (o) e a (o) ex-cônjuge herdarão conjuntamente a herança. Fica evidente, portanto, o antagonismo entre o artigo 1.830 e o artigo 1.790 do Código Civil.

Surge, assim, uma regra de difícil harmonização com o direito sucessório do (a) companheiro (a) que simultaneamente venha a concorrer com cônjuge nestas condições.

 


[1] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Direito das Sucessões. 7ª Ed., São Paulo: Editora Altas, 2007.

[2] Lago, L. S. R. do. Separação de Fato Entre Cônjuges. Efeitos Pessoais. São Paulo: Editora Saraiva, 1989. P. 3

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