Briga pela incumbência

AGU é quem defende autarquias, segundo Constituição

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12 de agosto de 2009, 16h17

Pode parecer novidade para muitos, inclusive para presidentes de agências reguladoras que não conhecem o teor do artigo 29[1] dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, mas a Procuradoria-Geral Federal, órgão da Advocacia-Geral da União, existe e é composta por procuradores federais, e não por procuradores do Cade, do INSS, do Ibama, do Incra etc, e, desde 2002, é a responsável pela (re)[2]presentação judicial e extrajudicial das fundações públicas e autarquias federais, com exceção do Banco Central do Brasil.

Como não poderia deixar de ser, a partir de então foi iniciado o processo de reestruturação da PGF com o escopo de transferir ao Órgão Central, às Procuradorias Regionais Federais, às Procuradorias Federais nos estados, e às Procuradorias Seccionais Federais a (re)presentação judicial das autarquias e fundações, ficando com as Procuradorias junto a essas entidades as atividades de consultoria e assessoramento jurídico.

Com essas necessárias, bem pensadas, e constitucionalmente adequadas vicissitudes, poderá haver uma alteração de entendimento jurisprudencial acerca de uma questão referente à competência territorial para o julgamento de processo em que figurem no polo passivo entidades públicas integrantes da Administração Indireta.

O Código de Processo Civil trata da matéria em seu artigo 100:

Art. 100. É competente o foro:

IV – do lugar:

a) onde está a sede, para a ação em que for ré a pessoa jurídica;

E como se sabe, as autarquias[3] e empresas públicas têm sede no local indicado na lei que as institui.

Com base nesse preceptivo legal, nossa jurisprudência é pacífica no sentido de que o foro competente para o julgamento das ações ajuizadas em face de autarquias e fundações públicas federais é o da sua sede ou o daquele da agência ou sucursal.

Nesse sentido, a título exemplificativo, têm-se os seguintes julgados oriundos do Superior Tribunal de Justiça:

[…] As autarquias federais podem ser demandadas no foro da sua sede ou naquele da agência ou sucursal onde ocorreram os fatos da causa, conforme estabelece o art. 100, IV, "a" e "b" do CPC. Precedentes.[…]

(REsp 788.831/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/05/2009, DJe 24/06/2009)

PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO AJUIZADA CONTRA A AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR – ANS. DE COBRANÇA DA TAXA DE RESSARCIMENTO AO SUS. OBRIGAÇÃO LEGAL. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. ART. 100, IV, "A", DO CPC. PRECEDENTE DA 1ª SEÇÃO.

1. A sede da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS é competente para o ajuizamento de ações contra regras gerais impostas por aquela Autarquia, visto que a demanda não se insurge contra obrigação contratual contraída em agência ou sucursal, incidindo o artigo 100, inciso IV, "a", do Código de Processo Civil.

Precedentes: (CC 88.278/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 23.4.2008, pendente de publicação; CC 66.459/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 28.2.2007, DJ 19.3.2007; REsp 835700/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 15.8.2006, DJ 31.8.2006).

2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 22ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro.

(CC 65.480/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/2009, DJe 01/07/2009)

Pois bem, essa orientação era aceitável e salutar tanto para o ente público quanto para a própria Procuradoria Federal Especializada, pois deixava a causa mais próxima deles, facilitando o acesso às informações a ela atinentes e, por conseguinte, a elaboração da respectiva peça a ser ajuizada.

Hodiernamente, não sabemos se isso resistirá às mudanças por que passa a Procuradoria-Geral Federal, já mencionadas alhures.

A questão em comento se torna mais clara nas causas ajuizadas no interior do país. Ora, onde antes apenas era comum a presença da Procuradoria Federal Especializada do INSS, hoje existem (ou existirão) as Procuradorias Seccionais Federais e os Escritórios de Representação da PGF, (re)presentando não só o ente previdenciário como também as outras 150 autarquias e fundações públicas federais.

Percebe-se, pois, que os entes públicos passarão a ter (re)presentação judicial e extrajudicial em diversos rincões do país.

E diante disso, certamente o magistrado atuante no interior não se sentirá confortável em acolher eventual exceção de incompetência, determinando a remessa dos autos para alguma capital do país, localizada até mesmo fora do estado em que ele exerce a jurisdição, tendo conhecimento de que ali próximo existe uma ramificação (órgão de execução) da Procuradoria-Geral Federal, (re)presentante do ente público demandado.

Dessarte, a fixação do foro territorialmente competente, ao nosso ver, não pode mais ter como referência a sede da entidade pública. Mais justo e razoável então é deixarmos essa regra apenas para as pessoas jurídicas de direito privado.

Mas, nesse caso, os legalistas indagariam: qual norma aplicar então?

Buscando socorro no texto constitucional, verificamos que ele estabelece regras especiais de competência territorial, mas  elas dizem respeito tão somente à União.

Eis o teor do dispositivo pertinente:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

[…]

§ 2º – As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.

Repita-se: a redação é clara ao se referir apenas à União.

Entrementes, por meio de uma interpretação sistemática e teleológica, é possível extrair o entendimento segundo o qual essa regra prevalece não só nas causas em que a própria União figure como parte, mas também uma de suas autarquias, empresas públicas ou fundações.

Ora, é oportuno frisar que tal preceito existe não para beneficiar a União, mas sim a outra parte, o particular, que assim terá melhores condições de com ela litigar.

Não faria sentido, então, negar-lhe essa mesma benesse quando o adversário for um longa manus da própria União. O pássaro que gorjeia lá é o mesmo que gorjeia cá.

Entendemos, portanto, que a disposição presente no parágrafo 2º do artigo 109 da nossa Carta Magna abrange a Fazenda Pública Federal como um todo e não somente a União como pessoa jurídica distinta de suas emanações.

É isso que aqui estamos defendendo.

Quem sabe não seria o momento de se pensar em uma mutação constitucional, em prol daqueles que litigam contra as entidades públicas federais?

Assim, podemos concluir que, com essa racional e eficiente reestruturação orgânica por que vem passando a Procuradoria-Geral Federal, apesar de ainda carente e desprestigiada no que diz respeito a recursos orçamentários, a pessoal de apoio e a estrutura material, é possível sim estender a aplicação do referido dispositivo constitucional às autarquias e fundações públicas federais, como já vinham defendendo diversos processualista de nomeada, como, por exemplo, Cândido Rangel Dinamarco. Recomendamos apenas que se aguarde o final desse processo de reestruturação, para que, enfim, ocorra essa reviravolta jurisprudencial.


[1] Art. 29. Enquanto não aprovadas as leis complementares relativas ao Ministério Público e à Advocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, as Procuradorias e Departamentos Jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das Procuradorias das Universidades fundacionais públicas continuarão a exercer suas atividades na área das respectivas atribuições.

Por meio de uma interpretação a contrario sensu desse dispositivo, após editados os diplomas legais nele referidos, tais “atividades” passariam para a Advocacia-Geral da União, absorvendo todas as Procuradorias ali elencadas.

A intenção do constituinte, com a criação da Advocacia-Geral da União, foi a de criar um órgão jurídico único da Fazenda Pública Nacional, (re)presentando não só a União, mas também as suas emanações.

[2] O papel do Advogado/Procurador Público é o de presentar a pessoa jurídica e não representá-la. Os Procuradores […] não são, em rigor, advogados. Assim como o juiz é o órgão da função jurisdicional os são órgãos estatais, encarregados da defesa e do ataque judiciais. No dizer de Pontes de Miranda, eles presentam, não representam a pessoa jurídica estatal. (REsp 401390/PR, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2002, DJ 25/11/2002 p. 200)

[3] Entenda-se que as fundações estão inclusas no conceito de autarquia, para se evitar, também, repetições desnecessárias.

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