11 de agosto

A Academia é a casa de todos que cultivam o Direito

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11 de agosto de 2009, 0h42

Segundo o diretor da Faculdade de Direito da USP, João Grandino Rodas, comemoração do Dia do Estudante em 11 de agosto remete aos ideais da fundação dos primeiros cursos jurídicos no Brasil, a partir de 1827. Em entrevista a Fábio de Castro, da Agencia Fapesp, o professor fala do impacto cultural e social decorrentes da criação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) há 182 anos.

De acordo com ele, a instituição inaugurou uma tradição de diversidade intelectual e de oposição às arbitrariedades que justifica a transformação do marco do nascimento dos cursos jurídicos em uma data que homenageia os estudantes de todas as áreas.

“Com o tempo, a significação do dia 11 de agosto ampliou-se. A data marca não somente o início dos cursos jurídicos no Brasil mas, praticamente, o começo do ensino superior no país, sendo, portanto data comemorativa de todos os estudantes”.

Exatamente 100 anos depois do decreto de 11 de agosto, em 1927, a data foi escolhida para a comemoração do Dia do Estudante. Assim, em 11 de agosto de 1937, foi fundada a União Nacional dos Estudantes (UNE). De acordo com Rodas, a Faculdade de Direito teve, desde o século 19, uma influência marcante na formação de lideranças brasileiras, gerando alguns dos principais advogados, políticos, poetas, jornalistas e escritores na história do país.

“Um aspecto que sempre foi próprio dos estudantes do Largo de São Francisco é a proatividade em relação às grandes questões nacionais, como a abolição da escravatura e a redemocratização”, disse Rodas, que é professor da Faculdade de Direito da USP desde 1971.

De acordo com o presidente da Fapesp, Celso Lafer, também professor titular da Faculdade de Direito da USP, o dia 11 de agosto é o início simbólico dos cursos superiores no Brasil e, na cidade de São Paulo, o marco inaugural da presença dos estudantes como um grupo específico.

“Isso foi adquirindo um significado que vai além da Faculdade de Direito e terminou por marcar tanto o ensino superior como as atividades culturais de modo geral. O impacto cultural da aglutinação estudantil em São Paulo foi muito amplo”, disse.

A experiência do convívio acadêmico proporcionada pela faculdade, segundo Lafer, levou à criação de uma rede de amizades que reunia, pela primeira vez, a inteligência de diversas regiões do país.

“Esses estudantes foram integrar a classe política, a burocracia do Império, a direção de jornais e os principais círculos literários do país. Todo o romantismo — Castro Alves e Fagundes Varela, por exemplo — beneficiou-se dessa rede”, destacou.

Segundo Rodas, na época colonial da história brasileira não havia instituições de ensino superior. Os estudantes que queriam e podiam estudar dirigiam-se a Portugal. Somente com a vinda de Dom João 6º e da Família Real ao Brasil, em 1808, surgiram as primeiras faculdades.

“A primeira foi a Escola de Medicina da Bahia, em Salvador, então capital do Brasil-Reino. Com o intuito de preparar os dirigentes do recém-fundado império, Dom Pedro 1º instituiu, com o decreto de 11 de agosto de 1827, duas escolas de Direito, uma em Olinda e outra em São Paulo, sendo que esta foi a primeira a entrar em funcionamento, utilizando-se do espaço e da biblioteca do Convento do Largo de São Francisco, que havia sido fundado em 1645”, contou.

Apesar do provincianismo de São Paulo em 1827, a decisão de instalar a nova faculdade na cidade pode ter sido tomada em razão da localização geográfica, capaz de atender à região Sul e Minas Gerais, além do fácil acesso ao porto de Santos.

“Há quem diga que a localização de uma faculdade na insignificante vila de São Paulo — que era então uma mera passagem de tropeiros — deveu-se à influência da Marquesa de Santos, à época já casada com Tobias de Aguiar e moradora vizinha do pátio do Colégio”, disse.

A chegada da Academia e dos estudantes, segundo Rodas, trouxe vida à cidade, que só na década de 1870 seria beneficiada pelas rendas da cafeicultura.

“Pode-se imaginar o que significou a chegada de estudantes no pequeno vilarejo. Os jovens eram cortejados, pois representavam a redenção econômica e social do lugar. Daí a naturalidade do ‘pindura’, o costume dos estudantes do Largo São Francisco de comemorar o dia 11 de agosto fazendo refeições em restaurantes e saindo sem pagar.”

Como os estudantes eram poucos, tinha-se como natural que, na data de aniversário da faculdade, os estabelecimentos não cobrassem dos fregueses do ano inteiro.

“Obviamente que hoje, sendo milhares os estudantes, há necessidade de se repaginar certos aspectos folclóricos mais facilmente aceitáveis no passado, como o ‘pindura’ e a ‘peruada’ — em que os estudantes ‘se apropriavam’ de um peru de um vizinho da faculdade, preparavam-no e em seguida convidavam o dono da ave para almoçar, sem saber que estaria degustando seu próprio peru”, disse Rodas. Mesmo porque já não há perus na vizinhança da faculdade.

Segundo ele, no entanto, as lembranças dessas “estudantadas” ainda permeiam o imaginário dos atuais alunos de Direito e de outras carreiras. “Tanto é assim que os ‘pinduras’ continuam sendo feitos, ainda que na maior parte das vezes em combinação com os proprietários dos restaurantes. Entretanto, ainda acontece de, ao se negar a pagar a conta, os comensais acabarem na delegacia de polícia, para a lavratura de boletim de ocorrência”, disse.

Velha e nova Academia
Aluno da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco na segunda metade da década de 1960, Rodas afirma que mesmo durante o período da ditadura militar as tradições estudantis se mantiveram.

“Posso testemunhar que nos anos difíceis de então, em que mesmos os estudantes se dividiam em campos opostos, o dia 11 de agosto não deixou de ser festejado e a peruada, atualmente um cortejo que passeia pelas ruas do centro da cidade, não deixou de ser realizada. Tratava-se de um momento de congraçamento que punha de lado as divergências”, disse.

Hoje, de acordo com Rodas, a Faculdade de Direito da USP está passando por uma atualização no que se refere a seu projeto pedagógico, à ampliação e modernização de suas instalações físicas, ao aumento do número de professores, à introdução dos meios eletrônicos modernos, à interdisciplinaridade — possibilitando que os alunos cursem disciplinas em outras faculdades da USP e no exterior — e à digitalização da primeira biblioteca pública de São Paulo, inaugurada em 1645 com o Convento de São Francisco.

“A Velha e sempre nova Academia é a casa de todos os que cultuam o Direito no Brasil e não apenas dos que estudaram lá. Daí a responsabilidade de, não se esquecendo de seu passado glorioso, ir-se modernizando e contribuindo para a melhora do ensino jurídico no Brasil”, disse à Agência.

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