Títulos antigos

OTN’s valem para a quitação de tributos

Autor

  • Uarian Ferreira

    é advogado titular do escritório Uarian Ferreira Advogados Associados SS pesquisador e estudioso da utilização de títulos antigos.

10 de agosto de 2009, 4h55

O ano é o de 1964, o presidente é o general Castello Branco e o ministro de Estado da Fazenda é o economista Otávio Gouveia de Bulhões. Além de instituir a correção monetária, ficou o Poder Executivo, através do art. 1º da Lei n. 4.357, de 16 de julho de 1964, autorizado a emitir Obrigações do Tesouro Nacional, títulos reajustáveis de acordo com a variação do poder aquisitivo da moeda.

A lei facultou a emissão de títulos múltiplos, ao portador ou nominativos, com vencimento entre 3 e 20 anos; juros mínimos de 6%, calculados sobre o valor nominal atualizado; valor unitário mínimo de dez mil cruzeiros.

Conquanto a lei as denominasse Obrigações do Tesouro Nacional – OTN, passaram a ser chamadas ORTNs (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional).

Pelo § 4º do art. 1º da Lei 4.357/64, ficaram os portadores dos títulos emitidos em ORTNs autorizados a utilizá-los “para pagamento de qualquer tributo federal”, após decorridos 30 dias do seu prazo de resgate.”

Em 30 de novembro de 1964, 135 dias depois, foi publicada a Lei 4.506/64, que em seu artigo 86 acrescentava mais um parágrafo ao art. 1º da Lei 4.357, qual seja, o § 9º, pelo qual “as obrigações, a qualquer tempo, poderão ser recebidas, pelo seu valor atualizado, como caução fiscal ou contratual perante quaisquer repartições ou autarquias federais.”

Determinou o legislador da Lei 4.506/64 (art. 90), que as disposições do citado artigo 86, entrariam em vigor a partir de 1º de janeiro de 1965, revogadas as disposições em contrário.

Da sequente leitura dos parágrafos 4º e 9º da Lei 4.357/64, depreende-se que, a partir de 1º de janeiro de 1965, as ORTNs emitidas em conformidade com a Lei 4.357/64, poderão, a qualquer tempo, ser recebidas pelo seu valor atualizado como caução fiscal ou contratual perante quaisquer repartições ou autarquias federais, bem como, após decorridos trinta dias da data marcada para o seu resgate, ser utilizadas para pagamento de qualquer tributo federal.

Se não há limite temporal para ser oferecida em garantia de contrato ou caução fiscal, também não há para o poder liberatório de pagamento a qualquer tempo. O acessório segue o principal. A utilização em pagamento é ato consequente que segue o crédito dado em caução ou garantia do contrato eventualmente inadimplido.

Aos portadores que solicitam esclarecimentos acerca da validade das ORTNs na atualidade, o Ministério da Fazenda/Secretaria do Tesouro, oferece a seguinte resposta na internet (www.tesouro.fazenda.gov.br):

2. Os títulos ORTN, OTN, BTN e LTN são papéis ainda em validade? Quais as possibilidades de resgate e de utilização na quitação de dívidas junto à União?

R: As ORTN, OTN e BTN encontram-se prescritos por força do art. 60 da Lei nº 4.069, de 11 de junho de 1962, abaixo transcrito:

“Art. 60 – Incidem em prescrição legal as dívidas correspondentes ao resgate de títulos federais, estaduais e municipais, cujo pagamento não for reclamado decorrido o prazo de 5 (cinco) anos, a partir da data em que se torna público o resgate das respectivas dívidas. Parágrafo único. Consideram-se igualmente prescritos os juros dos títulos referidos neste artigo, cujo pagamento não for reclamado no prazo de 5 (cinco) anos, a partir da data em que se tornarem devidos.” Os últimos lotes das ORTN e OTN títulos venceram até 1994, prescrevendo, portanto, em 1999. Diante disso, esses títulos estão prescritos, não havendo a possibilidade de serem utilizados na quitação de dívidas junto à União, nem cabendo quaisquer procedimentos para resgate ou atualização de valor.

A Fazenda Nacional rejeita o título de crédito em ORTN, unicamente baseada na tese da prescrição que estaria impressa no art. 60 da Lei 4.069/62.

Com todo o respeito, a Lei 4.069/62 é inaplicável aos Certificados de ORTNs, emitidos com base na Lei 4.357/64, não só pela inserção do § 9º, ordenado no art. 86 da Lei 4.506/64, como também por texto inserto na Lei do Plano Cruzado II, de 1989.

Do art. 43 da Lei 4.357/64, lê-se que “entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”, determinação que se repete no art. 90 da Lei 4.506/64.


Segundo o § 1º do art. 2º, do Decreto-lei 4.657/42, a Lei de Introdução ao Código Civil: “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria que trata a lei anterior.”

A regra ditada no art. 60 da Lei 4.069/62 é absolutamente incompatível com a regra posterior prevista nos parágrafos 4º e 9º do art. 1º da Lei 4.357/64, pela qual as ORTNs podem ser recebidas, a qualquer tempo, ou seja, por tempo ilimitado, como caução fiscal ou contratual e, por consequência, poder liberatório para pagamento de qualquer tributo federal.

No art. 86 da Lei 4.506/64, que acrescentou o § 9º ao art. 1º da Lei 4.357, o legislador foi preciso e objetivo na determinação de banir todo e qualquer limite temporal para a utilização dos títulos representativos de crédito em ORTN.

Se o certificado de crédito em ORTN emitido pelo Tesouro é apto para, a qualquer tempo, ser recebido em caução fiscal ou contratual perante os órgãos federais, também, de consequência, é a sua utilização para quitação de quaisquer tributos, passado o prazo de 30 dias anotado para o seu resgate.

Os defensores da tese que conclui pela aplicação do art. 60 da Lei 4.069/62 às ORTN não atentaram para o precedente existente no § 2º do art. 53 que, ao excluir as cambias de “Obrigações do Reaparelhamento Econômico” da aplicação do art. 60, também as tornou imprescritíveis.

Impensável seria a incidência de prescrição sobre títulos em ORTNs emitidos com prazo de resgate de três, cinco ou dez anos dados em caução ou garantia de contratos com duração de dez, quinze ou vinte anos.

Impossível imaginar os projetos e obras dos governos militares, atravancados por prazos prescricionais incidentes sobre os títulos que o próprio Poder Executivo emitia e as construtoras, por exemplo, ofereciam como garantia e caução dos contratos para com o mesmo Poder.

O pagamento pelo uso do crédito dado em caução ou garantia é ato acessório e consequente que segue à obrigação do contrato inadimplido. Ora, como dar em garantia de contrato de quinze anos um crédito cujo prazo de resgate prescreve em cinco, oito ou dez anos?

Por determinação do art. 6º do Dec. Lei 2.284/86, que congelou preços e criou o Plano Cruzado I, as ORTNs da Lei 4.357/64 passaram a ser denominadas OTNs.

Em 1989, no Plano Cruzado II, as ORTNs/OTNs foram extintas, porém, assegurada a liquidação dos títulos em circulação. Assim ficou determinado no art. 15, da Lei 7.730, de 31 de janeiro de 1989: “Ficam extintas: I – em 16 de janeiro de 1989, a Obrigação do Tesouro Nacional com variação diária divulgada diariamente pela Secretaria da Receita Federal – “OTN fiscal”; II – em 1º de fevereiro de 1989, a Obrigação do Tesouro Nacional de que trata o art. 6º do Decreto-Lei nº 2.284, de 10 de março de 1986, assegurada a liquidação dos títulos em circulação.”

Conquanto extintas, aos títulos ainda em circulação representativos desse crédito, emitidos sob a égide da Lei 4.357/64, ficou assegurada a sua liquidação e/ou utilização em pagamento de tributos e/ou caução fiscal ou garantia contratual perante órgãos e autarquias federais.

Se na mente do legislador do Plano Cruzado II subsistisse a ideia de que os títulos estavam sujeitos ao prazo de prescrição ditado no art. 60 da Lei 4.069/62, com certeza ele teria restringido a amplitude da garantia.

Mas o legislador não restringiu, não excetuou, não distinguiu e não declarou a existência de ORTNs em circulação prejudicados ou colhidos por prescrição.

Daí dizer que até a edição da Lei 11.079, em dezembro de 2004, os certificados de crédito em ORTNs, ao portador, eram admitidos e recebidos sem qualquer restrição para garantia das contratações públicas. Eis o texto do art. 56 da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações), que trata das garantias, antes a alteração: “A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras. § 1o  Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia: I – caução em dinheiro ou títulos da dívida pública”; depois da alteração: “I – caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda” (Redação dada pela Lei 11.079, de 2004).


Foi a exigência da Lei 11.079/2004 — de registro em central de custódia autorizada pelo BC —, aliada à legislação que permite a sua utilização no ambiente tributário, que fez com que as ORTNs saíssem das gavetas, vez que até então eram aceitas em licitações e/ou garantia de contratos com estados e municípios.

A preferência para utilização junto a tais entes teve sua razão na redação do parágrafo único do art. 3º do Dec. 1.737/79, que então expropriava aos titulares os juros no período de depósito na CEF, quando em garantia de contratos com órgãos federais.

O Decreto-lei 1.737/79 disciplina os depósitos e pagamentos de interesse da União na Caixa Econômica Federal, determinando o seguinte: “Art 1º – Serão obrigatoriamente efetuados na Caixa Econômica Federal, em dinheiro ou em Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTN, ao portador, os depósitos: I – relacionados com feitos de competência da Justiça Federal; II – em garantia de execução fiscal proposta pela Fazenda Nacional; III – em garantia de crédito da Fazenda Nacional, vinculado à propositura de ação anulatória ou declaratória de nulidade do débito; IV – em garantia, na licitação perante órgão da administração pública federal direta ou autárquica ou em garantia da execução de contrato celebrado com tais órgãos. § 1º – O depósito a que se refere o inciso III, do artigo 1º, suspende a exigibilidade do crédito da Fazenda Nacional e elide a respectiva inscrição de Dívida Ativa. § 2º – A propositura, pelo contribuinte, de ação anulatória ou declaratória da nulidade do crédito da Fazenda Nacional importa em renúncia ao direito de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso interposto. Art 2º – Os depósitos serão efetuados à ordem do Juízo competente, nos casos dos incisos I, II e Ill do artigo anterior, e da autoridade administrativa competente, nos demais. Art 3º – Os depósitos em dinheiro de que trata este Decreto-lei não vencerão juros. Parágrafo único. Os juros das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional depositadas reverterão, em todos os casos, à Caixa Econômica Federal, como remuneração pelos serviços de depósito dos títulos.”

Se o depósito do crédito em ORTN vinculado à ação anulatória de débito (item III, artigo 1º), “suspende a exigibilidade do crédito da Fazenda Nacional e elide a respectiva inscrição de Dívida Ativa”, muito mais razão e direito tem o contribuinte que oferece a ORTN em ação para pagamento do tributo, quando a autoridade administrativa desatende à previsão da parte final do art. 2º.

Em outras palavras, se a norma garante a suspensão da exigibilidade e elide a inscrição na Dívida Ativa do contribuinte que deposita a ORTN para discutir judicialmente a anulação do débito, melhor direito assiste ao contribuinte que se vale da ORTN para promover ao pagamento ou à remição do débito frente à resistência administrativa da autoridade fazendária.

Com todo o respeito, a invocação, seja do Decreto 20.910/32, seja do art. 60, da Lei 4.069/62 ao caso das ORTNs, são postulados que auguram contra o Estado de Direito, contra a República, contra a moralidade pública, contra a poupança das famílias e empresas detentoras destes créditos.

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