À beira da falência

Justiças Estaduais não dão conta do trabalho

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8 de agosto de 2009, 9h57

Jeferson Heroico
Tabela Evolução das Justiças estaduais - home - Jeferson Heroico

A Justiça Estadual se expandiu nos últimos cinco anos. Prova disso é o aumento na quantidade de atendimentos. Em 2004, 14,1 milhões de ações foram ajuizadas nos fóruns estaduais. Em 2008, esse número aumento 32%, chegando a 18,6 milhões. Também por esse motivo, o Judiciário regional encareceu. Os custos aumentaram 36% entre 2004 e 2008. Há cinco anos, o total de gastos foi de R$ 14 bilhões. No ano passado, foram R$ 19 bilhões. Só a Justiça paulista, que tem o maior tribunal do país, foi responsável por um quarto desse valor. As receitas em todo o país também aumentaram de R$ 3 bilhões para R$ 5 bilhões, mas os R$ 2 bilhões a mais não cobriram o crescimento das obrigações.

Os números fazem parte do primeiro relatório comparativo do Conselho Nacional de Justiça sobre o funcionamento da Justiça Estadual, parte integrante do projeto Justiça em Números. O órgão de controle do Judiciário reuniu os dados que tinha arquivados desde 2004 para fazer uma análise das mudanças pelas quais passaram os tribunais.

Os relatórios mostram que a alta das despesas das cortes se deve quase que integralmente às despesas com pessoal, que cresceram 34% no período, o equivalente a R$ 4 bilhões a mais. Ao todo, os estados e o Distrito Federal gastaram em 2008 R$ 17 bilhões com folha de pagamento. Na maior parte, o aumento se deve à contratação de servidores para varas e tribunais. Foram 52.527 novos contratados desde 2004, um aumento de 32% desde o início da contagem. A multidão à disposição da Justiça Estadual chega a 216 mil pessoas, o equivalente à toda a população da cidade de Marília, em São Paulo. O número não inclui juízes e desembargadores, que somam 11 mil a essa conta. Desde 2004, foram nomeados 1,4 mil novos magistrados.

Jeferson Heroico
Tabela Evolução das Justiças estaduais 2 - Jeferson Heroico

No ano passado, 88% dos gastos das Justiças Estaduais foram com recursos humanos. O restante, foi para a aquisição de bens e serviços. O inchaço na folha de pagamento chama a atenção. No Piauí, 99% do orçamento foi para salários e bonificações. Em 11 estados, a rubrica representou mais de 90% dos gastos, incluindo Rio Grande do Sul (94%), São Paulo (92%), Rondônia (91%) e Rio de Janeiro (90%).

Na Bahia, a despesa com pessoal em 2008 equivaleu a apenas 56% dos gastos, mas a diferença se deve a um aumento repentino de despesas com bens e serviços. Esses gastos orbitavam os 5% desde 2004, mas foram a 29,5% no ano passado. Outros estados em que a folha não enforcou o orçamento foram Sergipe (70%) e Rio Grande do Norte (75%), que têm, respectivamente, 3,18 mil e 4 mil contratados, incluindo magistrados e servidores.

Os números mostram que essa massa de funcionários está mal distribuída. Na relação “magistrado por habitante”, o Espírito Santo é o estado que mais privilegia a população. São 13 magistrados a cada cem mil habitantes. O Distrito Federal tem 11 magistrados para o mesmo número de pessoas e o Rio Grande do Sul tem sete. Já São Paulo e Rio de Janeiro têm 5,5 cada um, número muito próximo do que tem o Pará para atender à população: quatro magistrados para cada grupo de cem mil habitantes, a pior relação do país. A média nacional é de seis magistrados estaduais a cada cem mil brasileiros.

Em número de servidores, o Distrito Federal também está entre os proporcionalmente maiores. Nesse quesito, porém, supera em muito os demais estados, com 273 funcionários para cada grupo de cem mil habitantes. No Rio, segundo melhor colocado, há 160 servidores para o mesmo número de pessoas e em São Paulo, 136. A maior defasagem está no Piauí, que conta com 30 funcionários a cada cem mil pessoas. O Paraná é o único nas regiões Sudeste e Sul que conta com menos de cem servidores para cada cem mil pessoas. A relação no estado é de 65 para cada cem mil.

Em recursos de informática — que podem otimizar o trabalho de toda essa mão-de-obra —, foram gastos apenas 2% do total despendido no país. Em 2008, os valores destinados à modernização de sistemas e aquisição de computadores chegou a R$ 417 milhões, um aumento de 54% desde o início da verificação do CNJ. Dos 11 estados que mais gastaram com folha de pagamentos, seis estão entre os que menos investiram em informática proporcionalmente à despesa total de cada um. Os gastos de Piauí, Distrito Federal, Minas Gerais, Amazonas, Goiás e Ceará com informatização não representaram mais do que 1,9% do orçamento. No Espírito Santo, apenas 4% das despesas da Justiça foram com esse tipo de modernização — e foi a relação mais arrojada entre todas as Justiças.

Fonte insuficiente
O aumento no número de processos trouxe novas receitas, como mostra a pesquisa. Os valores de custas e taxas processuais e aqueles levantados em execuções somaram R$ 3 bilhões em 2004. No fim do ano passado, o valor calculado foi de R$ 5 bilhões, ou 80% a mais. Os depósitos judiciais também aumentaram. O montante de R$ 22 bilhões, em 2004, dobrou até 2008. O total apurado no fim do ano passado foi de R$ 43 bilhões. São Paulo é de longe o estado onde há maior volume de depósitos. A Justiça mantém R$ 20 bilhões nas contas — objeto de desejo dos bancos. É o equivalente à soma dos depósitos nas Justiças Estaduais do restante do país — R$ 22,5 bilhões.

A relação entre receitas e despesas do Judiciário não é exatamente como a de uma empresa. Tudo o que é recebido em taxas e custas processuais é remetido aos cofres do governo estadual, que então repassa ao tribunal o valor que determinar, com base no pedido feito pela corte, nunca superior a 6% do orçamento estadual, com base na Lei de Responsabilidade Fiscal. A Justiça do Rio de Janeiro, porém, conseguiu desvincular sua receita dos repasses do Executivo. Tudo o que o tribunal arrecada fica no Judiciário, que decide onde irá investir. Nesse caso, a vantagem é ainda maior, já que a despesa mais volumosa da Justiça — a folha de pagamentos — fica na conta do estado, uma vez que juízes, desembargadores e servidores são funcionários públicos e estão vinculados ao orçamento do governo.

Mas se os Judiciários estaduais fossem empresas, apenas dois teriam fechado  2008 no azul. O Maranhão conseguiu arrecadar 19% a mais do que gastou e o Tocantins, 3%. Mas foram exceções. O total arrecadado pelos tribunais foi equivalente a apenas 27% de tudo o que foi gasto em todo o país. As receitas incluem valores recebidos a título de custas e taxas processuais, emissão de alvarás e certidões, e serviços de fotocópias, além da arrecadação com execuções fiscais — maior fonte de recursos.

No Rio de Janeiro, onde a Justiça não depende de repasses do governo estadual para investir, as receitas representaram 43% do total gasto — incluindo gastos com folha de pagamento, mas tirando fora o pagamento de precatórios, requisições de pequeno valor e despesas que sobram de anos anteriores. Em Roraima e no Distrito Federal, os recebimentos equivalem a apenas 1% do total de compromissos da Justiça, que depende integralmente do orçamento do Executivo.

Fonte inesgotável
Problema crônico da Justiça, o ajuizamento de novos processos cresceu 27% na Justiça ordinária dos estados. Do total de casos novos em 2008, um terço foi protocolado em São Paulo. Mesmo aumentando a uma taxa de 9% a cada ano, a quantidade de sentenças não conseguiu acompanhar esse crescimento — São Paulo também foi responsável por um terço delas no ano passado. Em 2004, eram 24 milhões de casos pendentes de julgamento em todas as Justiças Estaduais. No fim do ano passado, eram 33 milhões.

O aumento não foi por falta de trabalho. Os juízes estaduais decidem mais a cada ano. Em 2004, foram dadas sete milhões de sentenças e, em 2008, nove milhões. O problema é que o número de novos processos a cada ano é desproporcionalmente maior. Entre janeiro e dezembro de 2004, foram ajuizados dez milhões. No mesmo período do ano passado, entraram 12 milhões. A carga de trabalho foi de 4,6 mil processos para 5,3 mil para cada juiz. Se cada um deles deu 859 sentenças em 2004, em 2008, teve de concluir 1.076 julgamentos. A taxa de congestionamento — casos que dependem apenas de uma decisão final do juiz — permanece há cinco anos em torno de 80%.

Nos Juizados Especiais, o movimento é um pouco mais equilibrado. O aumento de casos novos foi de 20%, fazendo a quantidade saltar para 4,2 milhões no ano passado. O número é próximo ao que os Juizados têm em estoque para julgar: quatro milhões de casos, assim como a quantidade de sentenças dadas em 2008, também quatro milhões. Em todos os casos, o aumento foi de cerca de 20% nos últimos cinco anos. Cada magistrado dá hoje mil sentenças a mais do que dava em 2004, chegando a 4,5 mil decisões. No entanto, isso não impediu o crescimento na carga de trabalho, que foi de 7,7 mil para nove mil para cada um.

Na segunda instância da Justiça ordinária, nem a entrada de 400 novos julgadores e a produção acelerada deu conta do aumento do estoque de recursos, que foi de 112% nos últimos cinco anos. Foram 1,9 milhão só no ano passado. Cinco anos atrás, subiram apenas 878 mil. Os julgadores dão hoje 137% mais decisões que em 2004, chegando à casa de 1,8 milhão no ano passado, o que fez a taxa de congestionamento regredir de 53% para 42%. Mesmo assim, cada um dos 1,5 mil desembargadores e juízes de segundo grau em todo o país tem de dar conta de dois mil recursos, em média. O estoque de casos pendentes chega a 1,2 milhão. Há cinco anos, era quase a metade: 696 mil.

Os recursos também se acumulam nas Turmas Recursais, a segunda instância dos Juizados Especiais Estaduais. São 120 mil aguardando julgamento definitivo. Em 2004, apenas 25 mil estavam nesta situação, o que reflete o aumento de processos que chegam todos os anos. Foram 321 mil no ano passado, um aumento de 167% desde 2004. A quantidade de decisões aumentou em maior proporção. Foram 60 mil em 2004 e 254 mil em 2008. A carga de trabalho foi de 955 para três mil processos para cada um dos 99 julgadores atuais. A taxa de congestionamento foi de 37% para 42%, embora tenha aumentado a quantidade de decisões. Há cinco anos, de cada dez recursos novos que chegavam nas turmas, cinco tinham solução definitiva. No ano passado, oito entre cada dez recursos novos foram resolvidos.

Avalanche mapeada
Em todo o país, de cada cem pessoas, seis entraram com alguma ação na Justiça ordinária estadual no ano passado. O Rio Grande do Sul é o estado que mais ajuíza ações por número de habitantes. Foram 1,5 milhão em 2008. A relação foi de mais de 14 processos novos para cada cem habitantes. Em São Paulo, embora o número tenha sido bem maior — 4,6 milhões —, a proporção foi de 11,2, pouco mais que em Santa Catarina, 10,8. Pará e Maranhão não tiveram mais do que duas ações a cada cem pessoas. Foram os menos judicantes proporcionalmente.

O ritmo é menor quando se fala em ações de pequeno valor ou de crimes de penas de até um ano, que entram nos Juizados Especiais. A porta que aumenta o acesso ao Judiciário para quem não pode pagar um advogado teve, em todo o país, dois novos processos para cada cem pessoas em 2008. O Acre foi onde mais se ajuizou: seis processos para cada cem habitantes, seguido pelos gaúchos, com cinco.

Os números mostram que a quantidade de processos despejados na Justiça pelos gaúchos no ano passado sobrecarrega os juízes estaduais. Cada um dos 640 magistrados de primeiro grau no Rio Grande do Sul ganhou 2,5 mil novas ações para julgar na Justiça ordinária — e incríveis 23 mil nos Juizados Especiais. Para se ter uma ideia, os Juizados Especiais de São Paulo, que receberam o maior número de casos — 902 mil —, distribuíram apenas oito mil processos para cada um dos 107 juízes. A carga de trabalho — processos pendentes de julgamento em 2008 — dos Juizados do Rio Grande do Sul foi para 34,5 mil para cada um dos 24 julgadores. A carga também é alta em São Paulo — 24 mil — e em Mato Grosso — 23 mil.

Se o gaúcho é o maior ajuizador de ações do país, em contrapartida, os juízes do estado são os que mais decidem. Cada magistrado deu três mil decisões em 2008, incluindo primeiro e segundo graus e Juizados Especiais. É o maior índice estadual do Brasil. São Paulo vem logo atrás, com duas mil decisões por julgador. O pior índice é da Justiça alagoana, que teve apenas 353 decisões por magistrado.

Levando em conta a quantidade de processos que entraram e o número de decisões proferidas em 2008, a primeira instância das Justiças do Piauí, Rondônia, Roraima, Sergipe, Mato Grosso e Espírito Santo foram as mais eficientes. Elas foram as únicas a ir além dos processos que entraram no ano, atacando também seus antigos estoques. Nos demais estados, o Judiciário, em primeiro grau, decidiu menos do que o número de ações que entraram. São Paulo está entre os piores, com decisões no equivalente a apenas 67% dos casos novos. As Justiças de Tocantins (61%), Paraná (59%), Bahia (52%) e Alagoas (43%) foram as que menos deram conta do trabalho.

Já no segundo grau, os tribunais de Roraima, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Acre e São Paulo foram os mais ágeis, conseguindo julgar mais do que a quantidade de novos recursos, avançando sobre os estoques. No ano passado, Roraima decidiu o equivalente a uma vez e meia o número de recursos ajuizados no tribunal. No Piauí, pior colocado nesse quesito, a Justiça só conseguiu julgar, em segunda instância, o equivalente a 9% dos recursos que entraram em 2008, ficando a quilômetros dos processos antigos.

Nas Turmas Recursais, os melhores desempenhos foram do Paraná, Amazonas, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Tocantins e Bahia. A segunda instância dos Juizados Especiais desses estados conseguiram dar conta do equivalente a 100% dos recursos novos no ano passado. No Distrito Federal e no Amapá, a quantidade de decisões deixou a desejar nas Turmas. Apenas o equivalente a 2% dos recursos novos, no Amapá, foram julgados. No DF, de acordo com o relatório, não houve decisões de Turmas Recursais em relação aos novos processos em 2008.

Somada, a carga de trabalho nas Justiças ordinária e Especial em São Paulo é de longe a maior. Em 2008, em primeiro e segundo graus, em média dez mil casos esperavam julgamento nas mãos de cada julgador. No Rio Grande do Sul, eram sete mil. Santa Catarina (seis mil), Mato Grosso do Sul (5,4 mil) e Paraná (4,9 mil) vêm em seguida. As cargas mais leves estão na Justiça de Tocantins (933), do Amapá (964) e do Piauí (1,4 mil).

As maiores taxas de processos que aguardam uma decisão — as chamadas taxas de congestionamento — foram registradas nos estados do Norte e do Nordeste. Em primeiro grau, estão Pernambuco (92%), Bahia (88%), Amazonas (87%) e Alagoas (86%). Na segunda instância, o acúmulo maior é no Ceará (90%), Pará (78%), Pernambuco (69%) e Bahia (66%).

A situação é a mesma nos Juizados Especiais. Maranhão (67%), Bahia (67%), Alagoas (65%) e Piauí (63%) têm os Juizados mais congestionados, enquanto o Amapá conseguiu zerar o estoque. Nas Turmas Recursais, o Distrito Federal conseguiu chegar à marca negativa de 100% de congestionamento, seguindo do Amapá, com 99%. Já as Turmas do Paraná, Amazonas e Rio Grande do Norte não têm mais processos pendentes.

[Notícias alterada em 11 de agosto de 2009, às 19h, para correção de informações.]

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