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Justiça do Trabalho ainda manda prender depositário

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8 de agosto de 2009, 9h03

A proibição de prisão de depositário infiel no país ainda causa discórdia na Justiça do Trabalho. Mesmo depois de o Supremo Tribunal Federal ter considerado que a prisão, embora prevista na Constituição Federal, não pode ser aplicada por violar tratado internacional e de o Tribunal Superior do Trabalho ter reconhecido e aplicado a decisão do STF, o Tribunal Regional do Trabalho do Pará decidiu manter a prisão de um depositário infiel e mostrar que o assunto ainda não está pacificado. Leia abaixo o acórdão.

O acórdão da Seção Especializada I do TRT da 8ª Região, publicado na última segunda-feira (3/8), se baseia no argumento de que créditos trabalhistas são de natureza alimentar e o inadimplemento nestes casos ainda pode ser punido com prisão sem violar a decisão do Supremo, tratados internacionais assinados pelo Brasil ou a Constituição Federal. Em dezembro, o Plenário do STF declarou, ao julgar o pedido de Habeas Corpus 87.585, que as prisões por dívidas contrariam o Pacto de São José da Costa Rica — a Convenção Americana sobre Direitos Humanos —, aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo 27/92 e promulgado pelo Decreto 678/92. O tratado só permite a prisão civil para devedor de pensão alimentícia. 

Como a Constituição Federal permite a prisão de depositário infiel, os ministros encontraram uma maneira de validar o tratado sem elevá-lo automaticamente à condição de emenda constitucional. Os ministros consideraram que os tratados anteriores à Emenda Constitucional 45/04 — que equiparou os tratados a emendas constitucionais, desde que ratificados pelo Congresso Nacional — são hierarquicamente inferiores à Constituição, mas superiores às leis. Assim, embora ainda prevista na Constituição, a prisão do depositário ficou impraticável, já que leis que regulamentam as prisões — o Código de Processo Civil, o Código Civil e o Decreto-lei 911/69 — não podem mais ser aplicadas, por serem inferiores ao tratado.

Na discussão, porém, não entraram dívidas trabalhistas. Em caso de dívidas cobradas na Justiça, boa parte dos processos inclui a penhora de bens dos empregadores, como maquinário, automóveis e imóveis, por exemplo, que ficam sob a guarda do chamado depositário. O fim da prisão do depositário infiel tirou da Justiça o poder de punir o empregador que vender, danificar ou extraviar a garantia da dívida. “O infiel ainda responderá pessoalmente pelo bem, mas não poderá mais ser detido. Perdemos uma arma”, disse o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), o juiz Cláudio José Montesso, dias depois da decisão do Supremo.

Uma forma de manter a prisão nessas situações é entender que, como essas dívidas são de natureza alimentar, podem ser comparadas às de pensão alimentícia, caso em que ainda é permitida a prisão do devedor, conforme o artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal, e o artigo 7º, item 7, do Decreto 678/92, que validou o Pacto de São José da Costa Rica no Brasil.

Para o TRT-8, esse não é o único motivo pelo qual a prisão ainda é possível. Para o desembargador Georgenor de Souza Franco, relator do pedido de Habeas Corpus que levantou a discussão no tribunal regional, o Pacto de São José da Costa Rica não adquiriu status de emenda constitucional por não ter sido ratificado pelo quorum necessário no Congresso Nacional, conforme estabelece a Constituição. O parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição afirma que somente serão equiparados a emendas constitucionais “tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros”. O entendimento contraria o mérito já analisado pelo Supremo.

O mesmo debate já havia ocorrido no Tribunal Superior do Trabalho no ano passado. Dias depois da decisão do Supremo de proibir a prisão, os ministros da Seção Especializada em Dissídios Individuais 2 entenderam, por maioria, que por envolver questão constitucional, esses casos eram de competência do STF. O ministro Ives Gandra Martins Filho discordou. Para ele, as dívidas trabalhistas têm caráter alimentar, podendo motivar as prisões. Os ministros Alberto Bresciani e Renato Paiva foram na mesma linha. “Não havendo Súmula Vinculante do STF, voto conforme minha consciência”, afirmou Paiva. Mas os ministros Barros Levenhagen, Emmanoel Pereira, José Simpliciano, Pedro Manus e Moura França preferiram alinhar a jurisprudência. “Nós vamos abrir aqui no TST uma tese contrária à que está se esboçando e consolidando no STF?”, questionou Levenhagen. Dito isso, a seção concedeu Habeas Corpus no pedido 199.839/2008-000-00-00.3.


Em março, o entendimento foi finalmente compartilhado entre as três principais cortes superiores do país que julgam a questão. A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça mudou sua posição e concedeu, de forma unânime, Habeas Corpus a um depositário infiel, com base na conclusão dos ministros do Supremo. “Tendo em conta a adoção pelo STF do entendimento de que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, aos quais o Brasil aderiu, gozam de status de norma supralegal, deve ser revisto o posicionamento adotado pelo STJ a fim de impossibilitar a prisão civil do depositário infiel”, diz o acórdão do HC 122.251.

Prisão mantida
Já a Seção Especializada I do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, no dia 30 de julho, por unanimidade, resolveu cassar uma liminar concedida em Habeas Corpos preventivo a um devedor de créditos trabalhistas. Ele teve sua prisão decretada pelo juiz do Trabalho da 8ª Vara de Belém. A Empresa de Navegação Bom Jesus teve um representante nomeado pela Justiça como responsável pela guarda de um bem que garantia dívida com os empregados. O bem foi arrematado em leilão em 2007, mas não foi entregue pelo depositário quando requerido pela Justiça, em junho do ano passado.

O depositário apelou à inconstitucionalidade da prisão por dívida entendida pelo Supremo, ao pedir o Habeas Corpus. O recurso levado ao TRT-8 foi relatado pelo desembargador Georgenor de Souza Franco. Ele afirmou que, se a corte negasse a prisão, estaria negando também o direito à alimentação do credor trabalhista, que exigia o pagamento de salários. O relator cassou a liminar e julgou improcedente o mérito do HC. Foi acompanhado pelos integrantes da Seção Especializada.

No entanto, para o advogado Danilo Pereira, do escritório Demarest e Almeida Advogados, o Supremo já sinalizou a abolição de qualquer tipo de prisão por dívidas ao revogar a Súmula 619, quando decidiu a questão no ano passado. A orientação cancelada afirmava que “a prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito”. Porém, como a corte não editou uma Súmula Vinculante a respeito, nada impede que os demais tribunais decidam como bem quiserem. “Mas levados os casos ao TST, serão reformados, já que a corte segue o entendimento do Supremo”, diz.

Segundo o advogado, embora a Constituição ainda preveja a prisão no caso de créditos alimentares, a regra caminha para a extinção. “A detenção não causa o pagamento da dívida. É mais fácil se levantar recursos fora da cadeia. Além disso, o direito à liberdade está acima do direito ao crédito”, afirma. Outro argumento contra a prisão é que, com a possibilidade de penhora online de contas bancárias e do faturamento das empresas pela Justiça, a nomeação de depositários para guardar bens em garantia tende a ser cada vez mais remota.

O advogado Sérgio Schwartsman, do Lopes da Silva Advogados, acredita que uma súmula do TST poderia reduzir o número de ordens de prisão. “Vai depender do número de casos que cheguem à corte, já que súmulas só surgem com um número grande de decisões no mesmo sentido”, diz. A Justiça do Trabalho em São Paulo (2ª Região), de acordo com o advogado, já adotou o entendimento do Supremo e tem negado as prisões na maioria dos casos. Segundo ele, porém, a questão não terá um ponto final. “Há juízes que ainda determinam prisões mesmo em casos não trabalhistas”, afirma.

Para o professor Ingo Wolfgang Sarlet, coordenador de pós-graduação em Direito e professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, a classificação dada aos tratados internacionais pelo Supremo é perigosa. Em palestra no XXIX Congresso Brasileiro de Direito Constitucional, promovido em junho pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, Sarlet afirmou que “a prevalência da Constituição possibilitaria a prisão. Nesse caso, o Supremo está afirmando a supraconstitucionalidade dos tratados”.


O professor considera que os tratados de Direitos Humanos estão no mesmo nível da Constituição — da mesma forma que os ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Eros Grau, votos vencidos no STF. Mas, segundo ele, impedir o legislador ordinário de criar qualquer prisão de depositário infiel significa esvaziar o mandamento constitucional. Para Sarlet, o Supremo fez isso ao, na prática, impedir a edição de leis que regulamentem a prisão prevista na Constituição. O dispositivo constitucional que prevê a prisão do depositário infiel exige regulamentação por lei, mas essa lei não pode ser feita por força do tratado internacional.

HC 00197-2009-000-08- 00-0

Leia o acórdão do TRT-8

Secretaria do Tribunal Pleno e Especializadas

Acórdão

Acordão

RELAÇÃO DE ACÓRDÃO – ESPECIALIZADA I

([email protected] – fone: 40087243)

JULGADO EM 30/07/2009

01. ACÓRDÃO TRT-8ª/ESPECIALIZADA I/HC/00197-2009-000-08- 00-0.

IMPETRANTE: DIOSE THAIS MAMEDE LEAO DE OLIVEIRA (Drª. Diose Thais Mamede Leão de Oliveira).

IMPETRADO: EXMº SR. JUIZ FEDERAL DO TRABALHO DA 10ª VARA DO TRABALHO DE BELEM.

PACIENTE: RAIMUNDO FURTADO REBELO.

RELATOR: Desembargador Federal do Trabalho Georgenor de Sousa Franco Filho.

EMENTA: HABEAS CORPUS. DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO CIVIL. Permanece em vigor a previsão constitucional da prisão do depositário infiel. O Brasil não aderiu à Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), com a observância do quorum previsto no § 3º do art. 5º da Constituição da República, não tendo, portanto, hierarquia de emenda constitucional. NATUREZA DO CRÉDITO TRABALHISTA. NORMA SUPRALEGAL. Considerando possuir o crédito trabalhista natureza alimentar e privilégios especiais, e a regra da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador ser consagrada pela Constituição da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil, e igualmente norma supralegal, cabe a prisão de depositário infiel na Justiça do Trabalho, também por força do § 2º do art. 5º constitucional.

DECISÃO: ACORDAM OS DESEMBARGADORES DA SEÇÃO ESPECIALIZADA I DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA OITAVA REGIÃO, UNANIMEMENTE, EM ADMITIR A PRESENTE AÇÃO; NO MÉRITO, SEM DIVERGÊNCIA, NEGAR A ORDEM DE HABEAS CORPUS PREVENTIVO, CASSANDO A LIMINAR DEFERIDA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.

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