Protesto de aluguel

Sindicatos compram manifestantes em Brasília

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4 de agosto de 2009, 14h00

Spacca
Diskgent - motoboy - maior - SpaccaSindicalistas de Brasília inventaram um método prático, econômico e seguro de fazer protestos e promover manifestações sem precisar deslocar manifestantes do resto do país ou de convencer ninguém sobre a causa a ser defendida. Para isso, criaram o manifestante profissional. Com R$ 40 por cabeça, é possível reunir até duas mil pessoas na Esplanada dos Ministérios, para defender ou atacar qualquer coisa, tomar partido contra ou favor de qualquer um.

Uma das maiores especialistas no novo método de manifestação sob encomenda é a Nova Central Sindical. Por R$ 80 mil, a nova entidade conseguiu, em duas oportunidades, mobilizar pessoas por algumas horas em defesa de “suas causas”. Tudo pago com notas de R$ 20. Encomendas de manifestantes podem ser feitas com tranquilidade e sem qualquer relutância pelo telefone, por qualquer pessoa. Além dos manifestantes, a organização fornece todo o know-how da manifestação.

Em seu site, a Nova Central Sindical diz que representa sete confederações, 136 federações, três mil sindicatos e quase 12 milhões de trabalhadores em todo o país. Mesmo assim, precisou recorrer ao aluguel de manifestantes, em parceria com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade (Contratuh), uma das associadas. Como diz o nome, a Nova Central se propõe a fazer um sindicalismo diferente — de fato, está conseguindo. Faz sindicalismo sem sindicalistas.

Para saber mais sobre os protestos de fachada, a revista Consultor Jurídico ligou para a Contratuh para pedir dicas de como fazer um bom barulho e parar o trânsito em frente ao Congresso Nacional. O repórter afirmou que gostaria de fazer um “Fora Sarney” na volta do recesso parlamentar. Ou seja, protesto sem qualquer relação com o trabalhismo.

Sem se identificar como jornalista, a reportagem da ConJur foi apresentada a uma mini indústria de aluguel de manifestantes. “O que posso dizer pela vivência sindical é que, quando você está fazendo uma passeata, você contrata pessoas para fazer. Se quer 600, 800 ou mil pessoas, você paga essas pessoas. Porque fica muito caro trazer dirigente sindical do Brasil inteiro”, explicou Otton Bendixen, um dos funcionários da Contratuh (clique aqui para ler a gravação da conversa).

Na mesma ligação, Rogério Soares Dias, outro funcionário da Contratuh, diz que a entidade sempre terceiriza as manifestações com Sandra Ribeiro, responsável por conseguir as pessoas na periferia de Brasília. “A Sandra é a pessoa que, toda vez que a gente vai fazer alguma manifestação em Brasília, arruma essas pessoas”, afirma. E completa: “Ela presta serviço para a gente há muito tempo. É de confiança, garantido mesmo. Não precisa se preocupar”. Rogério Dias oferece, inclusive, o e-mail da secretaria da Contratuh para tratar dos preços e passar os contatos de Sandra (clique aqui para ler a gravação da conversa).

Sandra é uma cidadã comum, que mora na região mais violenta de Planaltina, a 32 quilômetros da Praça dos Três Poderes. De uns anos para cá, ela uniu o útil ao agradável e virou recrutadora de sindicalistas postiços. Assim, ela consegue levantar uns trocados para si e para outros desempregados da vizinhança e, de quebra, ajuda a vitaminar o anêmico engajamento sindical brasileiro. Na capital do país, sindicalistas preferem contratar massas de desempregados para reivindicar em nome dos trabalhadores que, entre outras coisas, querem legalizar os bingos e reduzir as horas de trabalho (clique aqui para ler trecho da conversa do repórter com Sandra).

A ConJur ligou para a Nova Central Sindical para confirmar a história. Bruno Maciel diz, com tranquila naturalidade, que é assim mesmo que se faz sindicalismo na Nova Central. “Já fizemos trabalhos (com Sandra) diversas vezes, já contratamos de 50 a 800 pessoas. Tudo em paz”, diz. “Fique tranquilo, pode ir na confiança que ela é gente nossa” (clique aqui para ler a gravação da conversa).

A relação da Contratuh com a Nova Central é umbilical. O presidente da Contratuh, Moacyr Roberto Tesch Auersvald, também é o secretário-geral da central. Segundo Sandra, as duas entidades “trabalham juntas”, na hora de contratar manifestantes. Ela, aliás, chama Moacyr de “meu chefe”. Não por coincidência, foi Moacyr quem respondeu à reportagem da ConJur, em nome das duas entidades.

O presidente da Contratuh e secretário-geral da Nova Central confirmou que as entidades, sim, compram manifestantes. A justificativa de Moacyr é uma velha desculpa para esse tipo de prática indesculpável: todo mundo faz. “Você tem que pegar também a CUT, a Força Sindical, você está sendo parcial e não foi no lugar certo (para descobrir). Todos as entidades sindicais e partidos políticos fazem isso”, disse.

A ConJur perguntou ainda se o sindicalista achava ético pagar manifestante e como as entidades fizeram para sacar mais de R$ 80 mil. A resposta foi a mesma. “Isso é um negócio interno nosso. Não tem nenhum interesse de vir a público”, disse. “Interessa para a categoria a atividade que a gente faz. Os meios, as pessoas que vêm, isso é uma coisa interna”. Por fim, Moacyr disse que a ConJur “não está autorizada a dar qualquer tipo de informação referente à Contratuh e à Nova Central”.

Folha de pagamento
Pela tabela de preços sindical, cada manifestante custa R$ 40 por meio período. Se a negociação for bem feita, é possível esticar a jornada de trabalho pelo mesmo preço. Os ônibus, para 45 pessoas, custam R$ 350 cada. Há também um coordenador por ônibus, que recebe o dobro de um manifestante. Ou seja, numa matemática simples, 800 manifestantes, quantidade contratada pelas entidades, custam mais de R$ 40 mil. E isso não aconteceu uma vez só.

Segundo Sandra, o dinheiro é pago em envelopes grampeados, com duas notas de R$ 20 a serem distribuídas aos coordenadores e manifestantes nos ônibus. “A gente resolve assim, já vem grampeado. A gente não tem tempo de ficar contando, é muito corrido”, explica. Vale lembrar que as informações são de Sandra, chamada por funcionários das duas entidades de “gente nossa e de confiança”.

Na 5ª Marcha dos Trabalhadores, 35 mil pessoas — segundo as centrais — lotaram a Esplanada dos Ministérios em dezembro. No evento, Moacyr, em bom sotaque paranaense, se disse “emocionado” com a presença de tanta gente. Dos milhares de manifestantes, Moacyr pagou com dinheiro da Contratuh para pelo menos 800 pessoas fazerem volume e caminharem dez quilômetros debaixo de chuva, com camisetas das duas entidades.

Sandra também citou nominalmente uma passeata a favor da legalização dos bingos, em 2007. Segundo Sandra, as duas entidades contrataram 800 pessoas para protestar em nome dos sindicalistas.

Orçamento
Criada no ano de 2005, a Nova Central Sindical se classifica como uma entidade que nasceu da “luta por uma alternativa independente, classista e em defesa da unicidade”. Nesse ano, a Nova Central receberá, no total, R$ 7,5 milhões do imposto sindical, contribuição obrigatória descontada do bolso do trabalhador.

Além disso, a central cobra mensalidades de R$ 75 a R$ 1.500 dos sindicatos. O valor varia coforme o número de filiados. Em relação às confederações, como é o caso da Contratuh, a Nova Central não cobra conforme o número de trabalhadores. Cobra-se de acordo com a quantidade de delegados a que têm direito. A confederação com dez delegados tem de pagar mensalmente R$ 2 mil, enquanto a que tem direito a 40 delegados paga R$ 6 mil. Com todo esse dinheiro, a Nova Central prefere pagar manifestantes, em vez de mobilizar trabalhadores em defesa de suas idéias.

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