Mercado na crise

Até março, 211 empresas pediram recuperação judicial

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28 de abril de 2009, 14h09

A revista Exame, em sua última edição, traz reportagem com uma boa notícia o mercado da advocacia: o aumento expressivo no número de recuperações judiciais no país. No primeiro trimestre de 2009, de acordo com a revista, 211 companhias brasileiras pediram recuperação judicial. Nos doze meses de 2008 foram 312 pedidos. “No primeiro trimestre, alguns dos maiores escritórios do país bateram suas metas de faturamento.”

De acordo com a apuração da jornalista Renata Agostini, um dos setores mais atingidos pela crise foi o de frigoríficos. “O Independência, quarto maior frigorífico do país, recorreu à recuperação judicial em fevereiro. Sua dívida total soma R$ 3,3 bilhões”, conta. A defesa de credores também é apresentada na notícia.

Leia a reportagem

Eles sempre se dão bem

Por Renata Agostini

O número de empresas em recuperação judicial dispara no Brasil. É uma má notícia para todos — menos para os advogados

"Não se pode viver sem os advogados", disse o diplomata (e advogado) americano Joseph Choate. "E, certamente, não se pode morrer sem eles." A rotina dos maiores escritórios de advocacia brasileiros demonstra, e como, a atualidade da afirmação de Choate. Até meados do ano passado, quando os empresários brasileiros ainda se dedicavam a preparar suas companhias para um futuro de crescimento, lá estavam os advogados ganhando milhões em honorários — a moda nos grandes escritórios era estruturar aberturas de capital e fusões e aquisições, operações típicas de períodos de expansão. Eis que, como se sabe, as coisas mudaram de figura. As emissões de ações, que rendiam entre 400 000 e 700 000 reais para cada escritório envolvido, desapareceram. Muitos temeram que, em razão dessa secura, a crise geraria problemas em grande escala nos escritórios de advocacia. Mas não é isso que vem acontecendo. No primeiro trimestre, alguns dos maiores escritórios do país bateram suas metas de faturamento. O principal motivo para esse desempenho não é uma surpresa para quem conhece o sentido da frase de Joseph Choate: o número de empresas brasileiras à beira da morte se multiplicou no país nos últimos meses. E a quem os empresários recorrem nessas horas?

Nos últimos três meses, 211 companhias brasileiras pediram recuperação judicial (em todo o ano de 2008, foram 312 pedidos). Claro, esse número é reflexo direto do impacto da crise na vida real das empresas. Uma companhia recorre à recuperação judicial quando suas dívidas se tornam impagáveis. Ao entrar em recuperação judicial, a empresa ganha 180 dias de sobrevida para negociar com seus credores. Assim, protege-se de um possível pedido de falência. Setores mais fortemente atingidos pela crise, como o de frigoríficos, encabeçam essa lista. O Independência, quarto maior frigorífico do país, recorreu à recuperação judicial em fevereiro. Sua dívida total soma 3,3 bilhões de reais. Os 180 dias que se seguem ao pedido são dedicados — inteiramente — à negociação com os credores e à busca de novos sócios para capitalizar a companhia e tirá-la da crise. Em cada uma dessas frentes, é necessário contar com um batalhão de advogados. "Estamos trabalhando como nunca", diz Leonardo Morato, sócio do escritório Veirano.

Até o ano passado, a assessoria a empresas em recuperação judicial era um nicho ignorado pelos grandes escritórios. Firmas especializadas (as chamadas "butiques") dominavam o mercado. Com o fim dos IPOs e o aumento no número de empresas em crise, os grandes decidiram partir para o ataque. O Machado, Meyer, um dos que mais lucraram com a onda de aberturas de capital, aumentou de dois para oito o número de advogados ligados à recuperação judicial. "É uma necessidade do mercado", diz Wilson de Mello Neto, sócio do Machado, Meyer e responsável pela área ao lado de Antonio Meyer, fundador do escritório. Um dos motivos para a inibição anterior era a rentável relação dos grandes escritórios com os bancos. Como não havia um número significativo de empresas em recuperação judicial, os advogados não julgavam inteligente assessorar empresas em crise – o que poderia gerar conflitos com os bancos, seus clientes tradicionais. Com a multiplicação de pedidos de recuperação judicial, porém, essa inibição está sendo deixada de lado. O Pinheiro Neto, mais tradicional escritório do país, foi o primeiro dos grandes a ser contratado por uma companhia prestes a entrar com pedido de recuperação judicial. O escritório foi chamado pelos executivos do Independência no apagar das luzes da Quarta-feira de Cinzas, em 25 de fevereiro. O pedido de recuperação judicial foi feito dois dias depois. Para cumprir o prazo, dez advogados trabalharam dia e noite. "Em setembro, três sócios atuavam na área de recuperação. Hoje, são 16", diz Luis Fernando Paiva, sócio do Pinheiro Neto.

A razão número 1 para essa mudança de atitude é a expectativa de que esse se torne um mercado extremamente rentável. A assessoria a uma empresa em recuperação judicial pode render a um escritório de advocacia mais que uma simples emissão de ações. "O máximo que já ganhei numa abertura de capital foi 1,2 milhão de reais", diz o sócio de um dos maiores escritórios de São Paulo. "Uma empresa em recuperação judicial que deve 1 bilhão de reais pode gerar pelo menos 4 milhões em receita." Isso acontece porque os advogados estipulam taxas de sucesso para a negociação com os credores – ou seja, o ganho não vem apenas com os honorários. Os primeiros resultados dessa nova investida já começam a aparecer. O faturamento da área de recuperação judicial do Pinheiro Neto cresceu 50% nos primeiros três meses do ano. No Machado, Meyer, o crescimento foi semelhante.

Se pode render até mais que um IPO, a assessoria a empresas em recuperação judicial também dá muito mais trabalho. Enquanto uma emissão de ações obedece a um tedioso ritual-padrão de quatro meses, os processos de recuperação judicial são mais demorados e incrivelmente complexos. Por lei, a recuperação judicial dura seis meses, mas, na prática, costuma se arrastar por um ano. Para conduzir um caso considerado grande, os escritórios precisam montar equipes multidisciplinares, com advogados das áreas fiscal, financeira, de negociação de contratos, trabalhista e societária. Eles têm de analisar as dívidas da companhia e os contratos com os diferentes credores para elaborar as estratégias de negociação. É um trabalho intenso e com prazo curto, já que a empresa tem exatos dois meses para apresentar seu plano de recuperação. Se tudo dá certo e o plano é aprovado pelos credores, são pelo menos quatro meses de negociação e ajustes. "Uma coisa é ter o plano aprovado, outra é acertar os detalhes. É uma tarefa hercúlea", diz Thomas Felsberg, que conduziu o processo de recuperação de empresas como Parmalat (5 bilhões de reais em dívidas) e Agrenco (dívidas de 1,3 bilhão de reais).

Para quem trabalha do lado dos credores, os processos podem se transformar em uma aventura. Em junho de 2008, o escritório carioca Sérgio Bermudes foi forçado a adotar técnicas policiais para evitar que a Agrenco desse um calote nos credores. O escritório teve de alugar dois aviões e levar seis advogados, além de agrônomos e técnicos em equipamentos, para Mato Grosso. De posse de uma liminar judicial, os advogados e os agrônomos foram enviados a quatro cidades para impedir que a empresa sumisse com 50 000 toneladas de soja dadas em garantia a empréstimos no valor de 60 milhões de reais do banco BBM. "É sempre uma corrida contra o tempo, porque em geral o outro lado já sabe que você conseguiu a liminar e faz de tudo para evitar a apreensão", diz o advogado Marcelo Carpenter, que trabalhou no caso da Agrenco. A partir de agora, histórias como essa farão parte da rotina dos grandes escritórios brasileiros. Quando esse deixar de ser um bom negócio para eles, será sinal de que as coisas começaram a melhorar para o resto da humanidade.

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