Políticas públicas

Interferência de juizes na saúde gera divergências

Autor

27 de abril de 2009, 14h13

A interferência do Judiciário na área da saúde, com a judicialização indiscriminada da matéria, poderá gerar sérios riscos para as políticas públicas. A declaração foi feita pelo advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, na primeira parte da audiência pública feita no Supremo Tribunal Federal sobre o Sistema Único de Saúde, nesta segunda-feira (27/4). A audiência pública reuniu cerca de 200 pessoas no STF.

O procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, entende o contrário. Para ele, o Judiciário é imprescindível para garantir o direito à saúde nos casos concretos diante da omissão do Estado.

“A complexidade da questão é muito maior do que se tem discutido em juízo”, afirma Toffoli. Segundo ele, a preocupação é com relação a decisões judiciais que determinam o bloqueio de verbas da área da saúde para beneficiar alguns indivíduos em detrimento de toda a coletividade. O advogado-geral citou o exemplo de um prefeito do estado de São Paulo que, após cumprir uma decisão judicial, entregou as “chaves da cidade” para o juiz sob o argumento de ter gasto toda a verba de saúde para cumprir a sentença.

“A elaboração de políticas públicas pressupõe o estabelecimento de escolhas”, afirmou. Para ele, o Poder Público tem de determinar quais tratamentos e medicamentos serão garantidos a toda a sociedade. “Isso não é inviabilizar o direito a saúde”, garantiu.

Toffoli entende que as decisões judiciais que garantem fornecimento de remédios e tratamentos a indivíduos cria um “sistema de saúde paralelo ao SUS, priorizando o atendimento a pessoas que muitas vezes sequer procuraram o sistema”.

Já o procurador-geral da República, entende que o direito à saúde deve ser considerado um direito social e não individual. Antônio Fernando afirmou que uma das preocupações do Ministério Público Federal é em relação às políticas sociais e econômicas com o objetivo de garantir o direito constitucional à saúde.

“Em alguns casos, há política pública não respeitada; em outros, a política pública é inadequada e, finalmente, há casos em que não há política pública definida”, constata o procurador.

Para defensor público geral da União em exercício, Leonardo Lourea Mattar, a intervenção judicial ocorre apenas quando há um déficit na prestação do serviço. Ele afirmou que o Judiciário deve intervir da melhor maneira possível quando a administração pública não cumprir o seu dever constitucional, seja quando a falha reside na prestação de um serviço específico ou quando há lacuna na área de políticas públicas.

O defensor concorda que “tudo para todos pela via judicial inviabiliza o SUS”. Entretanto, afirma que essa não é a situação do país diante de decisões judiciais na área da saúde. Segundo ele, a discussão gira em torno da possibilidade de o Judiciário intervir em situações específicas para corrigir defeitos isolados na garantia do cidadão. Para ele, há um “efeito pedagógico” nas decisões que garantem o acesso à saúde aos indivíduos que recorrem ao Judiciário. Ele acredita que as decisões vão fazer com que os governantes destinem mais recursos à saúde.

O representante da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Marcos Sales, afirmou que o Poder Judiciário, assim como os poderes Executivo e Legislativo, também têm legitimidade constitucional para debater e decidir casos que envolvem o exercício do direito universal à saúde pública.

 “O SUS é o maior plano de saúde do mundo, e por ser o maior, é preciso que a gente lute para que seja o melhor, corrigindo imperfeições”, afirmou. Marcos Sales destacou que a categoria dos juízes não deseja ter de escolher quem vai viver e quem vai morrer nem ser gestora de uma imensa “farmácia”. “Mas queremos assegurar ao cidadão brasileiro a dignidade que a Constituição assegura”, disse.

Já o advogado Flávio Pansieri, que representou o Conselho Federal da OAB, discorda da posição da AMB. O Poder Judiciário, segundo o advogado, não deve atuar na definição de políticas públicas na área de saúde, mas tem a função de “salvaguarda do indivíduo”.

O advogado acredita que o Poder Judiciário deve estar atento a procedimentos clínicos adequados e a um sistema de verificação da necessidade desse atendimento por meios confiáveis. “Defender a saúde é defender a própria existência da vida digna, buscando em primeiro lugar o atendimento coletivo, mas sem desproteger o indivíduo”, afirmou.

O secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Alberto Beltrame, afirmou que, diante do limite financeiro do Estado, é preciso “determinar prioridades e como as ações e serviços de saúde serão realizados em observância aos princípios constitucionais e do próprio SUS”. Segundo ele, o registro de um medicamento na Anvisa não representa, necessariamente a sua incorporação compulsória ao SUS.

Beltrame criticou as decisões judiciais que obrigam o atendimento por médico alheio ao quadro do SUS ou sem que o pedido tenha sido feito administrativamente. “Isso traz como consequência a quebra de princípios do SUS, da integralidade assistencial e do acesso com justiça”, afirmou.

O juiz Ingo W. Sarlet, do Rio Grande do Sul, afirmou ser um adepto à judicialização do direito à saúde. Para ele, os juízes devem decidir casos concretos relacionados ao tema. Mas, diz, é essencial controlar o “famoso pediu-levou” e se ater às consequências da decisão judicial. “O que me preocupa aqui é a dupla exclusão”, afirmou, referindo-se àqueles que não recebem tratamento do e ficariam impedidos de encontrar a solução por via judicial.

O ministro Carlos Alberto Menezes Direito aproveitou a ocasião para reforçar a importância do juiz de primeira instância e expressar sua preocupação com a situação deles diante da necessidade de decidir, muitas vezes de forma urgente, sobre situações dramáticas que envolvem casos de vida ou morte.

“Nós não podemos deixar de considerar a realidade concreta da demanda que é feita ao juiz de primeiro grau. É muito fácil nós teorizarmos. O difícil é saber, naquele momento, que decisão tomar diante da realidade que se apresenta”, afirma. 

O ministro avaliou que uma possível solução, já em prática em alguns estados, é a realização de reuniões periódicas de juízes com as autoridades de saúde do estado. O objetivo é estabelecer um critério razoável de atendimento, mesmo que a medicação ou tratamento não estejam incluídos na lista de disponibilidade do estado.

Para o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, o Judiciário não pode deixar sem resposta os casos submetidos à sua apreciação. O ministro citou a gravidade de casos de falta de leitos e de medicamentos de alto custo. “Esses casos exemplificam os dilemas enfrentados pelos magistrados, especialmente os que estão na primeira instância, que são colocados diante de situações de vida ou morte”, disse.

"A audiência serve também para legitimar, para fortalecer o nosso entendimento do ponto de vista técnico, mas ela serve, antes de tudo, para fortalecer, para que nós possamos entender a complexidade desse sistema. Quando um juiz dá uma liminar num determinado caso, ele tem aquele caso, mas isso reflete depois em milhares de casos, e muitas vezes isso pode provocar alguma desorganização no sistema, de modo que nós temos que olhar isso como um todo", disse o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes.

Segundo o ministro, as considerações apresentadas na audiência poderão ser utilizadas para a instrução de qualquer processo no âmbito do STF. As considerações também estarão disponíveis aos juízos e tribunais que as solicitarem.

Serão realizados mais cinco encontros, nos dias 28 e 29 de abril, 4, 6 e 7 de maio. Ao todo, serão ouvidos 33 profissionais que representam segmentos da sociedade civil, além de 13 convidados pela presidência do Supremo. *Com informações da Assessoria de Imprensa do Supremo Tribunal Federal.

Notícia alterada às 15h50, desta segunda-feira (27/4), para acréscimo de informações.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!