PEC do calote

PEC 12 aumenta a insegurança jurídica do Brasil

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26 de abril de 2009, 7h00

A aprovação de uma emenda constitucional tal como a PEC 12/06 significa retroagir ao absolutismo estatal, onde a Lei sucumbe à vontade do governante.

O Senado aprovou em dois turnos, no último dia 1º de abril, a Proposta de Emenda à Constituição 12/06, conhecida como PEC dos Precatórios, a qual altera a totalmente a sistemática de pagamento de precatórios. A notícia foi recebida com indignação pelos credores, por aqueles que os defendem, e especialmente pela OAB.  Ocorre que a mencionada emenda coloca em risco o direito dos credores dos estados e municípios, trazendo à tona a amarga lembrança do antigo estado de insegurança jurídica vivenciado por aqueles que passaram por regimes antidemocráticos.

A PEC 12/06, de autoria do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, apadrinhada pelo senador Renan Calheiros, limita o pagamento dos precatórios a 3,0% e 1,5% das despesas primárias dos estados e dos municípios, respectivamente, e, entre outros ajustes, institui uma espécie de leilão reverso, onde serão comprados pelo poder público os precatórios oferecidos com maior deságio pelos credores. Desta ínfima porcentagem, 3,0% das despesas primárias dos estados e 1,5% das despesas primárias dos municípios, 30% serão destinados ao pagamento de credores segundo uma ordem crescente de valores e 70% serão utilizados nos leilões públicos para a “recompra” dos precatórios com deságio.

O conteúdo da PEC 12/06, na verdade, institucionalizará o terceiro calote público, dado que o primeiro e o segundo calote remontam à moratória de 1988 — pagamento das dívidas públicas em oito ano — e à moratória da Emenda Constitucional 30/00 — pagamento das dívidas públicas em 10 anos—, respectivamente. Segundo as estatísticas até então levantadas, caso a PEC 12 seja aprovada, alguns municípios levarão dezenas de anos para quitar o pagamento do estoque atual de precatórios. O estado do Espírito Santo levaria precisos 140 anos para saldar as dívidas atuais perante os respectivos credores.

De acordo com o conteúdo apresentado, a PEC 12 viola disposições constitucionais pétreas, a exemplo do direito adquirido e da coisa julgada, atingindo, até mesmo, o ato jurídico perfeito, garantias previstas na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXVI. Os precatórios são dívidas reconhecidas por decisão judicial definitiva, por meio da qual, determina-se ao ente público devedor o cumprimento da ordem de pagamento prevista no precatório, sem a possibilidade de discussão ou impugnação posterior à sua formação. Logo, é inalterável ao arbítrio de outrem, vez que está definitivamente incorporado ao patrimônio de seu titular.

Há quem diga que a PEC 12 não viola o quanto determinado pela sentença judicial que determina o pagamento ao credor, conquanto tal alteração apenas limita a quantia destinada à quitação dos precatórios, não modificando seu conteúdo. Nada obstante, a PEC não deixaria de ser inconstitucional sob este argumento, eis que a sua pretensão esbarra nas limitações do Poder Constituinte reformador, haja vista que a alteração no regime de pagamentos viola garantias e direitos fundamentais titularizadas pelos credores, em afronta à proteção constitucional concedida pelo artigo 60, §4º, inciso IV.

O regime de pagamentos estipulado pela PEC 12, em consequência, nada mais faz do que obstar ou inviabilizar o recebimento, pelo particular, da quantia devida pelo ente público. Pois, a exemplo do Espírito Santo, que levará em média 140 anos para quitar suas dívidas, o pagamento, no caso de uma pessoa física, será relegado à posteridade ou, no caso de uma pessoa jurídica, o pagamento extemporâneo talvez não mais seja aplicado no interesse empresarial, caso, ainda, a pessoa jurídica credora esteja ativa.

A PEC 12 se perfaz em direta violação aos direitos e garantias individuais dos credores, esbarrando, assim, nos limites constitucionais conferidos ao Poder Constituinte reformador, cuja limitação impede a alteração da Constituição através de emendas tendentes a abolir direitos fundamentais. Isso porque os direitos adquiridos por força do Poder Constituinte originário devem ser respeitados pelas reformas constitucionais, produto do Poder Constituinte reformador, em razão de sua limitação imposta pela Constituição da República.

Alternativas não faltam às Fazendas para sanar as contas públicas, porém, obviamente, nada se mostra tão confortável aos entes públicos quanto o calote instituído pela PEC 12. O Estado poderia tranquilamente elaborar um regime de precatórios conversíveis em Títulos da Dívida Pública, negociáveis no mercado, mantendo-se critérios equitativos para liquidação, ou, quando menos, poderia regulamentar o poder liberatório dos precatórios em relação ao pagamento de tributos, conforme já determinado pelo artigo 78, § 2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Entretanto, tradicionalmente, os governantes brasileiros preferem violar direitos dos credores a honrar suas dívidas. Preferem acabar com a ordem cronológica de pagamento, ignorar a prioridade dos precatórios alimentares, a satisfazer o direito de seus credores, direito este sedimentado após infindáveis anos de batalha junto ao Poder Judiciário.

Ao ser aprovado no Senado, a PEC 12/06 chega, até mesmo, a aumentar a insegurança jurídica do Brasil, temida pelos investidores externos, menosprezando a nossa dubitável posição econômica internacional, culminando em um verdadeiro retrocesso ao desenvolvimento econômico desta nação. Pois, note-se que, diante da “imunidade” do Poder Público frente às condenações judiciais, quais serão as garantias que se poderão oferecer a investidores externos, no sentido de que o governo brasileiro, que se diz democrático e de direito, cumprirá seus compromissos?

A aprovação de uma emenda constitucional tal como a PEC 12 significa retroagir ao absolutismo estatal, onde a lei sucumbe à vontade do governante. Aos credores nada mais restará do que esperar, pois, a partir da aprovação da emenda em apreço, não adiantará vencer uma batalha judicial, travada por anos, contra o ente público, pois o estado estará protegido pelos limites da PEC 12/06 e, independentemente, da vitória judicial do credor, este dificilmente receberá ou exercerá o seu direito, consubstanciado no pagamento do precatório por si titularizado.

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