Exigências conflitantes

Psicotécnico não tem previsão legal, diz Ematra

Autor

25 de abril de 2009, 8h42

As regras para os concursos públicos que o Conselho Nacional de Justiça pretende estabelecer a fim de uniformizar as provas para ingresso no Judiciário podem criar mais confusão do que solução. É o que aponta a nota técnica elaborada pela Escola da Magistratura da Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro (Ematra-RJ), enviada ao CNJ. O Conselho abriu por duas semanas consulta pública para ter sugestões sobre a proposta de unificação.

No documento assinado pelo juiz trabalhista Roberto Fragale, um dos pontos discutidos é a exigência de exame psicotécnico como uma das etapas do concurso para juiz. “É difícil sustentar sua viabilidade jurídica, pois não há previsão legal para sua realização para ingresso na magistratura”, afirma. No artigo 78, da Lei Orgânica da Magistratura, há a previsão de que candidatos sejam submetidos “a investigação relativa aos aspectos moral e social, e a exame de sanidade física e mental, conforme dispuser a lei”. Entretanto, afirma o juiz, não existe lei que regulamente a prática.

“É o que, aliás, consagrou o STF, em sua Súmula 686, cujo conteúdo estabelece que ‘só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público’. Assim, sua introdução por meio de resolução revela-se totalmente inapropriada”, diz o documento.

Fragale também chama a atenção para a chamada “sindicância da vida pregressa e investigação social” do candidato à vaga de juiz. “Sem parâmetros definidos, tem-se uma porta aberta para a introdução de um absoluto e arbitrário subjetivismo, que pode, in extremis, mascarar uma situação de preconceito”, afirma.

Para a escola, a proposta para a regulamentação dos concursos deixa várias questões em aberto. “Qual o conteúdo do processo investigativo: ele está limitado a documentos oficiais ou o ‘órgão competente’ pode diligenciar realizando, por exemplo, entrevistas com terceiros? O terreno é aqui, sem dúvida, vasto para a eventual ocorrência de abusos e arbitrariedades”, sustenta.

Atividade jurídica
Segundo o documento, no caso da contagem de cursos nos três anos exigidos de atividade jurídica, a proposta também confunde, principalmente se considerar as próprias decisões do CNJ sobre o tema. A Resolução CNJ 11/2006, explica, admitia cursos de pós-graduação na área jurídica reconhecidos pelo Ministério da Educação e pelas Escolas Nacionais de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados. Para isso, era necessário que o candidato tivesse concluído o curso com aprovação.

A proposta, conforme a nota, contraria entendimentos do próprio CNJ ao não permitir a contagem de cursos. “A regulamentação proposta nada diz sobre a possibilidade de cômputo do exercício da função de conciliador e juiz leigo ou conciliador do Sistema dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, desde que a atividade desenvolvida não seja inferior a 16 horas mensais, conforme reconhecido pelo próprio CNJ”, complementa.

A questão da contagem de tempo já foi levada pela Ordem dos Advogados do Brasil ao Supremo Tribunal Federal em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. A OAB contesta resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público sobre o termo “atividade jurídica”. As resoluções determinam que serão admitidos para o cômputo do período de atividade jurídica os cursos de pós-graduação da área jurídica reconhecidos pelas escolas de formação e pelo MEC.

A OAB argumenta que, de acordo com a Emenda Constituição 45, a chamada reforma do Judiciário, o ingresso nas carreiras da magistratura e do Ministério Público exige, como pré-requisito, que o bacharel em Direito comprove, no mínimo, três anos de atividade jurídica. Para a OAB, o curso de pós-graduação dessas escolas não constituem experiência ou vivência que possam ser classificadas como atividade jurídica.

Curso eliminatório
Outro ponto polêmico da proposta é o curso de formação com caráter eliminatório. Na nota técnica, o juiz diz que a Constituição já estipula como etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a oferta de cursos de preparação, aperfeiçoamento e promoção do juiz. “Sua inclusão no processo de ingresso representará verdadeira duplicação da referida exigência”, afirma.

A nota também cita diversas situações não explicitadas na proposta do CNJ. Uma delas, considerada importante por Fragale, é sobre o processo avaliativo do curso de formação. “É certo que o candidato deverá obter a média seis para ser aprovado no curso, mas o que estará sendo objeto da avaliação?”, questiona.

Aptidão não é possível avaliar, diz, já que o candidato não pode exercer atividade jurisdicional. Para o juiz, a avaliação no curso é de um conhecimento teórico, já avaliado em outras etapas do concurso. “O curso como etapa do concurso apresenta consistentes problemas de implementação e de avaliação que não podem ser escamoteados pela simples obrigação de realização”, diz.

Várias resoluções
A Justiça Federal já tem uma resolução, publicada em dezembro de 2008, que tenta unificar os concursos para ingresso na carreira nas cinco regiões. A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), criada na Reforma do Judiciário, também publicou resolução, em março de 2009, com conteúdos mínimos para ministrar os cursos de formação de juízes pelos Tribunais de Justiça do país. A Enfam, inclusive, já uniformizou regras para concursos da Justiça Estadual.

O conselheiro do CNJ, Joaquim Falcão, disse na FGV Direito Rio, faculdade que dirige, que o conselheiro João Oreste Dalazen, autor da proposta de uniformização dos concursos para juiz está atento às regulamentações já existentes. “Acredito que não haverá conflito entre as resoluções”, afirmou. Para ele, tudo indica que vai haver uma convergência de ideias.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!