Direito à informação

Paciente tem direito de escolher melhor tratamento

Autor

  • Roberto Baptista Dias da Silva

    é advogado professor de Direito Constitucional coordenador do curso de Direito e coordenador acadêmico do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Constitucional na PUC/SP; doutor em Direito do Constitucional

20 de abril de 2009, 7h08

No último dia 28 de março, O Estado de S. Paulo publicou reportagem sobre as propostas de alteração do Código de Ética Médica. Entre as sugestões discutidas há a inclusão da obrigatoriedade de o paciente assinar um documento em que atesta estar ciente dos procedimentos a que será submetido, bem como dos riscos e possíveis efeitos colaterais que poderá sofrer, autorizando o profissional da saúde a adotar as condutas médicas mencionadas no texto. A matéria jornalística menciona que o documento poderia “blindar” os médicos de ações judiciais.

Para decidir sobre a própria vida, a própria saúde e, em última análise, sobre a própria morte, o paciente deve ser ampla e objetivamente informado sobre os diagnósticos atingidos, os tratamentos recomendados, os riscos envolvidos e os prognósticos esperados. Faz parte da noção de cidadania e dignidade o direito de o paciente ser informado sobre essas questões. Trata-se de um requisito imprescindível para o exercício, com responsabilidade, do direito constitucional à autonomia. Só devidamente informado é que o paciente poderá, livremente, prestar seu consentimento ou manifestar sua recusa em relação aos procedimentos médicos sugeridos, tendo em vista sua própria dignidade.

O direito ao consentimento remonta, historicamente, a uma decisão inglesa, de 1767, no caso Slater versus Baker & Stapleton[1]. O tribunal inglês responsabilizou dois médicos que, sem o consentimento do paciente, quebraram um osso da perna de um enfermo para tratar de uma fratura mal consolidada. No início do século XX, o Poder Judiciário norte-americano passa a discutir a autonomia das pessoas no tocante aos cuidados com a saúde e, em 1914, no caso Scholoendorff versus Society of New York Hospital, fica assentada a ilicitude do comportamento do médico — e a consequente possibilidade de se pleitear indenização —, no caso de adoção, sem o consentimento do paciente, de um procedimento cirúrgico[2]. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as Constituições europeias proclamam o respeito à dignidade da pessoa humana e, em 1947, surge no Código de Nuremberg o conceito de “consentimento voluntário”. Apesar de voltado a disciplinar os direitos das pessoas submetidas a experimentos, como uma resposta às atrocidades cometidas por médicos nos campos de concentração nazistas, o Código de Nuremberg é um marco na relação médico-paciente, na medida em que garante às pessoas o direito de se submeter a um tratamento médico apenas se voluntariamente manifestar seu consentimento[3].

Mas a expressão “consentimento informado”[4] foi utilizada, pela primeira vez, em 1957, nos Estados Unidos da América, no caso Salgo versus Leland Stanford Jr. University Board of Trustees, quando um tribunal da Califórnia decidiu que o médico deve revelar os fatos ao paciente para que ele preste um “consentimento informado”. Segundo o juiz Bray, o médico não pode ocultar qualquer fato nem minimizar os riscos inerentes a um procedimento médico, com vistas a obter o consentimento do paciente[5].

A Lei paulista 10.241 dispõe, desde 1999, sobre o direito de o paciente, depois de devidamente informado, poder consentir ou recusar procedimentos diagnósticos ou terapêuticos, bem como impedir tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida, além de escolher o local de sua morte.

Em âmbito nacional, o atual Código de Ética Médica — no capítulo que disciplina a relação médico-paciente intitulado “Direitos Humanos” — impõe ao profissional de saúde o dever de prestar todas as informações ao enfermo para que ele possa decidir livremente sobre si e seu bem-estar, ou seja, para que ele tenha o direito de consentir ou recusar os procedimentos propostos (artigos 46, 48, 56 e 59).

É de se notar que o referido Código obriga o profissional da saúde a prestar todas as informações ao paciente acerca do diagnóstico, do prognóstico, dos riscos e objetivos do tratamento, prevendo apenas duas exceções: quando a informação possa causar-lhe dano e no caso de iminente risco de vida.

A expressão “iminente risco de vida” deve ser entendida como caso de urgência ou emergência, em que não houve tempo hábil e, portanto, não foi possível prestar ao paciente as informações e receber dele o consentimento ou a recusa do tratamento.

Além disso, impedir que o paciente exerça sua autonomia e autorizar que o profissional de saúde imponha um tratamento contra a vontade do enfermo, sob a alegação de que está atuando de acordo com o comando bioético da beneficência, é um equívoco, pois a beneficência deve levar em consideração o interesse manifestado autonomamente pelo paciente e não pode ser imposta com base na noção de benefício que o médico imagina que trará ao paciente, diante de uma certa situação.

Quanto à autorização dada ao médico de não prestar informações ao paciente no caso em que a comunicação possa lhe causar danos, deve-se atentar para o fato de que ela jamais pode ser invocada pelo receio de que o paciente recusará o tratamento sugerido, caso tenha ciência dos fatos[6], porque, se assim fosse, o médico estaria infringindo o artigo 48 do Código de Ética, que o impede de exercer sua “autoridade de maneira a limitar o direito do paciente decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar”. Mais do que isso, estaria desrespeitando um direito constitucional do paciente, que é o de ser informado e, frente à informação recebida, decidir com autonomia acerca do caminho a seguir em relação à sua saúde, à sua vida e à sua morte.

Ademais, o privilégio terapêutico do médico jamais deve servir de desculpa para poupar o paciente de notícias desagradáveis, com base em um paternalismo injustificado[7]. A ocultação da verdade somente deve ser admitida quando a adequada informação ao paciente puder, objetivamente, causar-lhe mais danos do que benefícios[8]. Mas, ainda assim, a pessoa responsável pelo enfermo não pode ser privada da comunicação médica acerca dos diagnósticos e prognósticos, tampouco dos tratamentos e riscos envolvidos nos procedimentos relativos à saúde do doente.

As informações devem ser prestadas de forma clara e precisa, sendo que o médico deve se certificar de que foram compreendidas pelo paciente. Não é suficiente a assinatura de um termo com inúmeras disposições ininteligíveis para um leigo.

Por fim, é importante mencionar que a autonomia do paciente autoriza-o também a renunciar ser informado tanto do diagnóstico e do prognóstico, quanto dos tratamentos e dos riscos a que está ou estará submetido no trato de sua enfermidade[9]. Em outras palavras, o paciente tem não somente o direito de ser informado, mas, se assim decidir, tem também o direito de não saber o que se passa em relação a seu estado de saúde e acerca dos cuidados que lhe serão ministrados.

Assim, mais do que um documento para eximir os médicos de eventuais responsabilidades, mais do que blindá-los de eventuais ações judiciais, o termo de consentimento informado pode ser um eficaz instrumento para garantir ao paciente o respeito a seus direitos fundamentais.


[1] André Gonçalo Dias Pereira, O consentimento informado na relação médico-paciente: estudo de direito civil, Coimbra: Coimbra, 2004, p. 57.

[2] André Gonçalo Dias Pereira, O consentimento informado na relação médico-paciente: estudo de direito civil, p. 57 e 58.

[3] Joana Teresa Betancor, “El testamento vital”, Eguzkilore – Cuaderno del Instituto Vasco de Criminologia, San Sebastián, n. 9, p. 98, dez. 1995, e André Gonçalo Dias Pereira, O consentimento informado na relação médico-paciente: estudo de direito civil, p. 59-60.

[4] A expressão “consentimento informado” é criticada por Roxana Cardoso Brasileiro Borges, que defende a utilização de termos como “solicitação de tratamento” ou “decisão de interrupção do tratamento”, na medida em que o “antigo paciente, que era quase reduzido a uma posição de objeto no tratamento, que vivia numa situação de submetido, de alienado do processo, passa a participar da decisão de se submeter ou não ao tratamento e de continuar ou não com o tratamento.” (Roxana Cardoso Brasileiro Borges, “Direito de morrer dignamente: eutanásia, ortotanásia, consentimento informado, testamento vital, análise constitucional e penal e direito comparado”, in: Maria Celeste Cordeiro Leite Santos (Org), Biodireito: ciência da vida, os novos desafios, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 296-297).

[5] Maria Celeste Cordeiro Leite Santos, O equilíbrio do pêndulo: bioética e a lei, implicações médico-legais, São Paulo: Ícone, 1998, p. 96-97; Joana Teresa Betancor, “El testamento vital”, p. 98; André Gonçalo Dias Pereira, O consentimento informado na relação médico-paciente: estudo de direito civil, p. 62-63.

[6] Nesse sentido, ver Rachel Sztajn, Autonomia privada e direito de morrer: eutanásia e suicídio assistido, São Paulo: Cultural Paulista/Unicid, 2002, p. 31.

[7] Rachel Sztajn, Autonomia privada e direito de morrer: eutanásia e suicídio assistido, p. 34-35.

[8] Sobre essa questão, ver Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 417.

[9] Maria Celeste Cordeiro Leite Santos, O equilíbrio do pêndulo: bioética e a lei, implicações médico-legais, p. 99.

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    é advogado, professor de Direito Constitucional, coordenador do curso de Direito e coordenador acadêmico do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Constitucional na PUC/SP; doutor em Direito do Constitucional

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