Lista da discórdia

STJ perdeu a chance de resolver impasse do Quinto

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19 de abril de 2009, 9h01

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A advocacia, em 2008, além de se debruçar no combate ao Estado policial, se viu envolvida num fato inédito. Pela primeira vez em sua história, o Superior Tribunal de Justiça rejeitou a lista sêxtupla que a OAB enviou ao tribunal para preencher a vaga de ministro pelo quinto constitucional. A vaga não foi preenchida e o impasse foi parar no Supremo Tribunal Federal.

Frente à presidência do STJ, durante o episódio, estava Raphael de Barros Monteiro, que há um ano encerrou sua atuação naquela casa. Agora, já de volta à advocacia, conta à revista Consultor Jurídico o que aconteceu nas três rodadas de votação em que os ministros rejeitaram todos os nomes indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil. Para ele, a decisão do Plenário do STJ trouxe prejuízo para o próprio tribunal e que ele, juntamente com o vice-presidente à época, Peçanha Martins, alertou os demais ministros sobre as possíveis consequências.

Na presidência, Barros Monteiro também deu uma lição de administração. Entusiasta da informática, mostrou aos colegas que sem gestão não há saída para o Judiciário. Investiu pesado em informatização e implantou mecanismos que permitiram acelerar a tramitação de processos na corte. A criação da petição eletrônica e o Diário da Justiça Eletrônico foram algumas medidas criadas por ele para otimizar o trabalho no tribunal.

O então presidente também fez gestões no Poder Legislativo pela aprovação do projeto de modernização do Judiciário. Um deles foi o projeto que criou a Lei dos Recursos Repetitivos. Nos primeiros meses de vigência, a nova regra fez cair progressivamente o número de recursos especiais distribuídos aos ministros. No segundo semestre de 2008, depois que a lei passou a ser aplicada, a redução de recursos distribuídos no tribunal chegou a 38%.

Barros Monteiro presidiu o STJ de 2006 até abril do ano passado, quando decidiu se aposentar, faltando um ano para entrar na compulsória. Desde então, trocou Brasília por São Paulo e o gabinete de ministro por um escritório de advocacia no bairro de Perdizes, o Machado de Campos, Pizzo e Barreto Advogados. Lá, segundo ele, prefere levar uma rotina mais amena. Dá consultoria e ainda tem tempo para fazer palestras no interior do estado.

 Formado pela Universidade São Paulo na turma de 1962, advogou por quatro anos e ingressou na magistratura em 1965. Foi juiz de Direito, juiz do Tribunal de Alçada Criminal e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo até ser nomeado para o STJ, em 1989, pelo presidnete José Sarney.  É casado e tem duas filhas.

Leia a entrevista

ConJur — Qual a sua opinião sobre a resistência do STJ para aprovar a lista do quinto constitucional da OAB?
Barros Monteiro —
A sessão em que ocorreu o episódio, no dia 12 de fevereiro do ano passado, foi presidida por mim. O que aconteceu nessa sessão? Há uma comissão designada para aferir a idoneidade dos componentes da lista. Essa comissão era conduzida pelo ministro Peçanha Martins, na época vice-presidente. Foi aberta a sessão e, de acordo com o Regimento Interno, foi feita uma reunião reservada. Nela, o ministro Peçanha fez uma exposição e disse que não havia nenhuma informação negativa dos candidatos. Ou seja, todos os requisitos estavam cumpridos. Como presidente, eu indaguei aos colegas se havia alguma manifestação. Não houve. Abri a sessão, mas não se formou a maioria absoluta de 17 votos. Voltou-se à sessão reservada e aí o número de votos em branco aumentou e não encontrei nenhuma explicação para isso.

ConJur — Diante do episódio o senhor tomou alguma providência?
Barros Monteiro Fizemos um apelo, o vice-presidente e eu, para que os colegas votassem na lista. Eu disse que o que estava ocorrendo iria trazer consequências. Logo depois fizemos a segunda sessão reservada para a votação. Novamente aumentou o número de votos em branco. Na terceira sessão, apesar de todos os apelos que foram feitos, aumentou mais ainda. O número de votos em branco chegou a 19. Sendo assim, ainda durante a sessão, alguém propôs que se fizesse uma comunicação. Porque eu perguntei: “Nós vamos ficar aqui eternamente”? Aí alguém propôs que se comunicasse o fato de que não se formara a maioria absoluta. E isso foi informado por ofício para a OAB. A partir daí, vocês já conhecem a história. Caberá ao Supremo Tribunal Federal proferir a solução final da controvérsia.

ConJur — Transferir essa decisão do Quinto para o STF não mostra que o STJ não teve competência para resolver a questão?
Barros Monteiro — O STJ tomou uma decisão. Essa decisão foi atacada posteriormente por Mandado de Segurança, recurso esse que o STJ denegou. Tem recurso ordinário em Mandado de Segurança no Supremo. O STF vai exercer a sua função de julgar e aí vai ordenar o que for de direito. E as consequências serão suportadas pelo tribunal.

ConJur — O episódio pode enfraquecer o instituto do Quinto Constitucional?
Barros Monteiro O Quinto eu não digo, mas acho que pode enfraquecer o STJ por causa da sua falta de posicionamento na questão.

ConJur — O problema do Quinto só se dá com relação aos candidatos da advocacia. Existe preconceito pelo fato de o advogado não ser concursado como juiz e promotor?
Barros Monteiro — Não. Talvez o problema esteja no número imenso de candidatos da advocacia. Apesar de que, por exemplo, o Conselho Federal da OAB agora submete os candidatos a uma inscrição. Depois da inscrição os candidatos fazem uma entrevista, uma espécie da sabatina. Então, eu acredito que esses critérios podem aperfeiçoar o sistema e evitar especificamente escolhas pessoais e subjetivas.

Conjur — Tem outro conflito entre a magistratura e a advocacia sobre a obrigação ou não de juiz receber advogados. Qual a sua opinião sobre essa questão?
Barros Monteiro — Bom, o juiz tem a obrigação legal de atender o advogado nos termos do Estatuto da OAB. Quando estava no STJ, como havia uma sobrecarga de trabalho, eu marcava hora para atender os advogados no meu gabinete. Atendia apenas com hora marcada. Se um ministro está no gabinete, muitas vezes está fazendo acórdão e a chegada de um advogado pode atrapalhar. Ele vai interromper e depois retomar? Não dá. Contudo, o juiz, desembargador e o ministro podem ser organizar para atender os advogados. No Supremo hoje nós temos um ministro conhecido que não atende se as duas partes não estiverem juntas. Essa atitude não se justifica porque, evidentemente, o ministro, ao receber um advogado, tem discernimento e crédito necessários para não se envolver com o que a defesa de uma das partes ponderou em relação ao processo.

ConJur — Como avalia o momento atual do Judiciário?
Raphael de Barros Monteiro —
Mesmo com muitos obstáculos, há perspectivas favoráveis em relação ao futuro do Poder Judiciário que, a todo custo, está à procura de seu aprimoramento. Todos estão conscientes, incluindo os juízes, de que o Judiciário brasileiro tem falhas. A principal delas é a morosidade na resolução dos litígios. Essa dificuldade, porém, não é novidade. Vem de muitos anos, posso dizer que ela sempre existiu e frustra qualquer um. Assim, a esperança de melhores dias está depositada também no CNJ, a quem compete, dentre outros, o papel de gestor estratégico do Judiciário nacional.

ConJur — Sociedade e Judiciário falam a mesma língua?
Barros Monteiro — Com a democratização do acesso à Justiça, dá para se dizer que a comunicação com a sociedade melhorou. Desde algum tempo, o Poder Judiciário parou de se reservar só para os autos. Tem havido um progresso na comunicação. Evidentemente que essa exposição não pode ser muito expansiva, tem que ser criteriosa.

ConJur — Qual a importância da informatização para resolver os problemas do Judiciário?
Barros Monteiro — O ideal é que a informatização do Judiciário seja concretizada no menor espaço de tempo possível. Aliás, o êxito obtido com a adoção do processo eletrônico nos Juizados Especiais, Estaduais e Federais, serve de exemplo para todos os demais setores do Poder Judiciário nacional que, por sinal, já estão desenvolvendo tecnologias modernas para tal finalidade. Quanto à reforma processual, ela vem sendo promovida em aspectos pontuais, notadamente na área civil. Porém, já é hora de se cogitar um novo Código de Processo Civil, pois o atual, que é de 1939, já perdeu a harmonia principiológica e sistemática, como de rigor.

ConJur — Existe uma certa resistência em relação à informatização do Judiciário. De quem é essa resistência?
Barros Monteiro — Acredito que dos juízes mais velhos. A informatização, na verdade, é uma ruptura de paradigma, pois todos estão acostumados a folhear os autos, o que é mais fácil. Mas, acredito que num futuro breve todos estarão adaptados. A nova mentalidade está vindo com os mais jovens. Como essa é uma realidade que vem e não tem retorno, os que resistirem, vão ter que se adaptar.

ConJur — As novas ferramentas, como Súmula Vinculante, Repercussão Geral e Lei de Recursos Repetitivos, vão dar maior segurança jurídica?
Barros Monteiro — Esses instrumentos já estão contribuindo para a celeridade na solução dos conflitos; para a estabilidade da jurisprudência; para a economia das partes e para o próprio Poder Público. Os institutos contribuíram também para a redução dos recursos distribuídos aos tribunais superiores e ao STF. Sem falar na igualdade de tratamento, pois demandas idênticas terminarão por ter desfecho igual e, na previsibilidade, dado que, traçada uma diretriz, as partes terão um norte sobre determinada questão jurídica.

 ConJur — A aplicação dessas ferramentas resultaram na redução significativa do número de processos no STF e nos tribunais superiores. O que fazer para desafogar as instâncias ordinárias?
Barros Monteiro — A primeira instância é o problema mais sério porque é a porta de entrada. O primeiro grau, não é de hoje, está sempre sobrecarregado. Na medida em que são publicadas leis novas, as dificuldades aumentam. Os juízes estão cada vez mais assoberbados. Eles têm de parar, debruçar sobre o processo,  refletir, estudar a doutrina, a jurisprudência, para que a solução venha com a melhor qualidade e ponderação possível. A solução é evitar a carga de trabalho, com repartição simétrica entre as varas e comarcas, além de manter o número de juízes proporcional à demanda judicial e à população. Com isso, os magistrados teriam a oportunidade de dar maior atenção aos feitos, extraindo daí melhor qualidade e fundamentação das sentenças. A taxa de recursos provavelmente será menor ou, ao menos, será facilitado o serviço da segunda instância.

ConJur — Noventa por cento dos processos em tramitação no país correm na primeira instância quem também tem 80% de taxa de congestionamento. O que se pode fazer para desobstruí-la?
Barros Monteiro — Como não há possibilidade de se reduzir a demanda, mesmo porque a população aumenta dia-a-dia, a única solução plausível é a modernização, racionalização e a simplificação dos serviços. Claro que, para obter-se a um resultado melhor, é imprescindível a efetiva participação não só dos magistrados, mas também dos advogados, membros do Ministério Público e auxiliares da Justiça.

ConJur — É possível criar obrigações administrativas e gerenciais para os juízes de primeiro grau sem ferir a autonomia jurisdicional deles?
Barros Monteiro — Não. A preservação da independência do magistrado é fundamental e está prevista na Loman [Lei Complementar 35/1979], artigo 35, inciso I, como garantia da imparciabilidade. Logo, qualquer disposição regulamentar que lhe cerceie a autonomia será inadmissível. De outro lado, os deveres administrativos atribuídos aos juízes devem ser mínimos para que a sua função primordial, que é de processar os feitos e jugá-los, não seja prejudicada.

ConJur — O Judiciário deveria ser administrado por profissionais do ramo e não por juízes?
Barros Monteiro — Para isso, nós temos no STJ um diretor geral e no Conselho da Justiça Federal, o secretario geral, que são pessoas que estão afeitas ao sistema do Judiciário. Não se pode trazer uma pessoa de fora, ainda que seja um grande administrador. Esse profissional vai encontrar dificuldades nos aspectos específicos. Na minha passagem pelo STJ eu tive sorte. O destino me propiciou duas pessoas qualificadas para auxiliar na minha administração, que foi Miguel Augusto Fonseca de Campos e Alcides Diniz da Silva. Os dois com uma experiência ímpar.

ConJur — Os juízes chegam ao Judiciário preparados para as responsabilidades que vão assumir?
Barros Monteiro — Os concursos têm sido rigorosos. No último concurso para magistratura no Rio de Janeiro, havia 50 vagas para serem preenchidas, mas apenas três candidatos passaram.Tive conhecimento também que sobram vagas no estado de São Paulo e na Justiça Federal. Agora, os juízes concorrem a um certame difícil. Depois vem a escola de formação. Eu penso então que eles já estão mais ou menos preparados, não digo 100%. Até porque tem o problema vocacional e principalmente o da maturidade. A vocação é um requisito bastante forte também.

ConJur — O que achou da proposta do CNJ de zerar os processos distribuídos até 2005 em todo o país? É factível?
Barros Monteiro — A proposta é ótima, já que incentiva o julgamento dos feitos que se encontram há anos nas Secretarias de Juízos e Tribunais. O bom seria mesmo que se obedecesse a ordem cronológica de entrada dos processos, o que nem sempre é possível.

ConJur — O judiciário peca por excesso de burocracia?
Barros Monteiro — Obviamente. Enquanto houver papel, enquanto houver necessidade de costurar autos, de juntar petições haverá burocracia. O que não se pode admitir é exatamente o excesso, como é a hipótese de juntada de petições que, ás vezes, demora mais de 15 dias.

ConJur — Por que o senhor resolveu deixar o STJ antes de se aposentar?
Barros Monteiro — Minha motivação não seria a mesma depois de ficar por dois anos no exercício da presidência. Acredito que minha atividade judicante ficaria esvaziada. Se ficasse lá, eu teria de voltar para a 2ª Seção de Direito Privado e, provavelmente, ficaria para quarto ou para terceiro da turma. A minha aposentadoria, na verdade, estava prevista para outubro deste ano, mas resolvi antecipar. A presidência desgasta um pouco também. Então vi que era hora de sair. E hoje eu estou convencido de que foi uma decisão acertada.

ConJur — O senhor foi apontado por outros ministros como um bom administrador. Qual foi o segredo da sua passagem pelo tribunal?
Barros Monteiro — A característica da minha administração foi um plano de gestão, que considero imprescindível. Com isso, conseguimos modernizar gabinetes e secretarias. No Conselho da Justiça Federal também se adotou um planejamento estratégico e fomos procurando alcançar gradativamente as metas. Dentre os aspectos principais tivemos, por exemplo, a instituição da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, que estava pendente. Mas aco que o prazo de dois anos para um presidente é pequeno. É suficiente apenas para o início, mas uma boa administração depende de certa continuidade dos trabalhos.

 ConJur — Quais os pontos mais relevantes de sua administração?
Barros Monteiro — Com relação à modernização houve coisas importantes. Hoje um ministro pode se comunicar com outro durante a sessão. O advogado, quando chamado o processo dele, pode ver na tela. Os ministros podem ver os votos no momento em que está sendo julgado o recurso. Implementamos, ainda, a petição eletrônica e ela é o primeiro passo para a informatização do processo judicial. O tribunal deve dar sequência a esses projetos.

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