Jogo das cadeiras

Defensores pedem para ficar à altura dos juízes

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18 de abril de 2009, 8h37

Quem já teve de comparecer a um tribunal para assistir uma sessão de julgamento pôde perceber que os lugares ocupados por juízes e promotores públicos nas salas de audiência são privilegiados se comparados com os locais destinados aos advogados. Em uma espécie de tablado, sentam-se o presidente da sessão e o representante do Ministério Público. Em frente a eles, em um plano mais baixo, ficam os advogados e seus clientes. A disposição deixa implícita uma relação de subordinação, que a Defensoria Pública do Espírito Santo não quer mais aceitar.

Uma Ação Civil Pública ajuizada no início do mês na 1ª Vara da Fazenda Pública do estado pretende acabar com as diferenças nos lugares reservados a cada um dos envolvidos nos julgamentos. De acordo com o pedido, juízes, promotores e advogados devem dispôr-se no mesmo plano, já que a Constituição Federal não estabeleceu nenhuma relação de subordinação entre membros do Judiciário, do MP ou da advocacia pública ou privada. Diz a lei que regulamentou a Defensoria Pública — a Lei Complementar 80/94 — ser prerrogativa dos advogados “ter o mesmo tratamento reservado aos magistrados e demais titulares dos cargos das funções essenciais à Justiça, segundo o artigo 128, inciso XIII.

O pedido inclui ainda a antecipação da tutela à Defensoria, para que as cadeiras sejam niveladas, “impondo-se, assim, em eventual recalcitrância do demandado, multa diária não inferior a R$ 1 mil reais”.

Segundo o defensor que assina a ação, Carlos Eduardo Rios do Amaral, “a Lex Fundamentalis não estabeleceu que qualquer hierarquia fosse atribuída a determinada Instituição Essencial à Função Jurisdicional do Estado em detrimento de outra. Nem mesmo à própria Instituição constitucional incumbida da típica atividade da prestação jurisdicional por excelência, qual seja, o Poder Judiciário, foi reservado algum altar ou ornamentação discriminatória”, diz na petição.

Ele cita trecho da obra Curso de Processo Penal, de autoria de um procurador regional da República do Distrito Federal, Eugênio Pacelli de Oliveira: “embora não se possa conceituar o parquet como parte parcial, a sua presença ao lado do juiz pode, com efeito, sensibilizar negativamente o acusado, produzindo-lhe, eventualmente, algum efeito intimidatório”. A comparação buscada por Amaral é com um confessionário. “Parece que o advogado ou defensor público acompanham um pecador confesso, em algum sacrário, que busca se redimir de seus pecados”, afirma. Ele chega a destacar que até mesmo “o senhor escrevente do cartório senta-se, também, muito acima da Advocacia, deixando esta nobre instituição em desconfortável e vil relevo processual”.

Ação Civil Pública 024.09.008798-2

Leia abaixo a petição ajuizada pela Defensoria.

Ação civil pública para que aos membros da Advocacia seja garantido sentar-se no mesmo plano do Ministério Público

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA   VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO – COMARCA DA CAPITAL – VITÓRIA/ES

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, pelo seu ÓRGÃO DE EXECUÇÃO especializado que a presente peça subscreve, com endereço para intimação pessoal em quaisquer graus de jurisdição ex vi legis (Art. 128, I, da Lei Complementar 80/94, Art. 5º, §5º, da Lei 1.060/50 e Art. 55, X, da Lei Complementar Estadual 55/94) junto à Sede do NÚCLEO ESPECIALIZADO na Serra/ES, criado pela RESOLUÇÃO DP/ES nº 013/2008, sito à Rua Campinho, n. 96, Centro, Serra/ES, CEP 29.176-438, Tel. (27) 3291-5667 e Fax (27) 3291-5735, na forma basilar dos Arts. 5º, LXXIV e §2º c/c 134, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e do Art. 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas assinada em 1948, dispensada de iure a exibição de instrumento procuratório (Art. 128, XI, da Lei Complementar 80/94 e Art. 16, § único, da Lei 1.060/50), vem, mui respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, sem prejuízo do Digníssimo Defensor Público Natural oficiante (Art. 2º, e §§1º e 2º, da Res. DP/ES nº 013/2008), propor


AÇÃO CIVIL PÚBLICA

COM PEDIDO LIMINAR ET INAUDITA ALTERA PARS DE TUTELA ANTECIPADA  

, contra o ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, pessoa jurídica de direito público interno, com endereço para comunicação dos atos processuais à Av. Governador Bley, n. 236, Ed. Fábio Ruschi, 10° e 11° Andares, Centro, Vitória/ES, CEP 29.010-150, Tel: (27) 3380-3000 e Fax: (27) 3380-3043, pelos fundamentos de fato e de Direito abaixo alinhavados, que dão sustentação à súplica coletiva ora deduzida.

1. MM. e Culto Julgador, o específico Capítulo IV, inserido dentro do magno Título IV (Da Organização dos Poderes), da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, cuida, como se sabe, “Das Funções Essenciais à Justiça”.

2. Dentre essas honradas Funções criadas pela Carta Republicana, Instituições indispensáveis à atividade estatal indeclinável de distribuição da justiça, temos o Ministério Público na Seção I, a Advocacia Pública na Seção II, e, finalmente, na Seção III temos a Advocacia Privada e a Defensoria Pública.

3. Como não poderia deixar de ser, a Lex Fundamentalis não estabeleceu, nem recomendou, que qualquer hierarquia ou adorno fosse atribuído à determinada Instituição Essencial à Função Jurisdicional do Estado em detrimento de uma outra. Nem mesmo à própria Instituição constitucional incumbida da típica atividade da prestação jurisdicional por excelência, qual seja, o Poder Judiciário, foi reservado algum altar ou ornamentação discriminatória. Afinal, todo o poder emana, provém, do povo, jamais o inverso.

4. Noutras palavras, não existe entre Poder Judiciário, Ministério Público, Advocacia Pública, Advocacia Privada e a Defensoria Pública, qualquer vínculo de subordinação. Estando todas estas Instituições, de nascedouro constitucional, irmanadas em sua missão precípua e perpétua de distribuição de justiça, de dar a cada um o que é seu.

5. A guisa de ilustração, oportuno trazer à colação a sadia (e necessária) redundância normativa que proclamam as Leis regedoras do Ministério Público e da Defensoria Pública, no que interessa, litteris:

“Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica:

I – receber o mesmo tratamento jurídico e protocolar dispensado aos membros do Poder Judiciário junto aos quais oficiem” (LEI Nº 8.625, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1993, Institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências).

“Art. 128. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado, dentre outras que a lei local estabelecer:

XIII – ter o mesmo tratamento reservado aos Magistrados e demais titulares dos cargos das funções essenciais à justiça” (LEI COMPLEMENTAR Nº 80, DE 12 DE JANEIRO DE 1994, Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências).

6. Malgrado discreta diferença no processo legislativo das duas últimas normas citadas acima (Lei 8.625/93 e Lei Complementar 80/94), no que diz respeito ao quorum de sua confecção, deveras, outra coisa não podia ser dita por esses Diplomas, à luz da nova ordem constitucional democrática instalada a partir de Outubro de 1988.

7. Em pueril e cediça regra de hermenêutica, toda a legislação brasileira deve intransigível e rígida devoção à Carta Constitucional Federal, por mais vanguardista e inédita que seja a solução exegética que se queira dar a algum caso concreto da vida.

8. Preclaro e Douto Magistrado, perdoe, aqui, o cansativo recurso da antipática tautologia, mas, em homenagem ao juízo de procedência da presente pretensão coletiva cível, assevere-se que entre as Instituições Essenciais à Função Jurisdicional do Estado, e a própria Instituição Jurisdicional do Estado, todos são protagonistas do processo, instrumento realizador do Direito em cada caso concreto sob apreciação. A Constituição Federal de 1988 não convoca para a relação jurídica de direito processual coadjuvantes, todos os seus pólos – acusação, defesa e julgador – são ocupados por protagonistas sem dublês, de fino lastro constitucional.


9. Mas, e o que vemos, na prática, nas Salas de Audiências judiciais, nos Fóruns e Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo?

10. Ora, na prática, assisti-se a película disforme, data máxima venia.

11. O assento e altar reservado ao Ministério Público, posto imediatamente ao lado do Juiz-Presidente da Audiência, juntamente com o tablado deste, formam autêntica cordilheira inexpugnável.

12. Aos olhos do desacostumado e desavisado à práxis forense tolerada, parece que o Advogado ou Defensor Público acompanham um pecador confesso, em algum sacrário, que busca se redimir de seus pecados, aqui na Terra, para ingresso não comprometido ao paraíso celestial quando chegada a hora última.

13. Pode-se querer embalar, é claro, outro roteiro ou percepção, mas, em hipótese alguma, nada que traga à memória presente que uma Sala de Audiências judiciais traduza espacial e fisicamente o que se extrai do texto constitucional vigente.

14. Não há, sinceramente, como a Advocacia, Privada ou Pública, querer aceitar ou acostumar-se com o abissal desnível e diferença ornamental estabelecidas na decoração da mobília das Salas de Audiência no Estado do Espírito Santo.

15. Jamais, em momento algum, importante realçar, quer-se insinuar que essa diferença de tratamento na disposição dos assentos e mesas entre Acusação e Defesa represente ruptura de imparcialidade, independência ou soberania, de quem quer que seja. É óbvio que isso não tem o condão de abalar objetiva e subjetivamente a dignidade dos Atores do processo e mesmo seus Auxiliares. Aqui, abro breve parêntese, só para informar o notório: que, inclusive, em muitas Salas de Audiência judiciais deste Estado, o senhor escrevente do cartório senta-se, também, muito acima da Advocacia, deixando esta Nobre Instituição em desconfortável e vil relevo processual.

16. Mas, in casu, na presente ação civil pública ora deduzida, busca-se outra prerrogativa garantida constitucionalmente – a imparcialidade da Magistratura, insista-se, resta incólume – . Almeja-se, aqui, que seja assegurada às Funções Essenciais à Justiça, especificamente à Advocacia Privada e Pública, sem demora, igualdade de tratamento. Não, jamais, que o Ministério Público recue em suas caras conquistas – que devem todas, assinale-se, serem preservadas sem átimo de exceção – , mas que esta Notável Instituição seja alcançada pelo alvorecer republicano que aderiu ao sistema acusatório, banindo aquele inquisitivo.

17. MM. e Excelente Juiz, por todos, disse certa vez o festejado Procurador Regional da República do Distrito Federal, o Excelentíssimo Senhor Doutor Eugênio Pacelli de Oliveira, a respeito das posições ocupadas às Salas de Audiências judiciais, o seguinte, in verbis:

“(…) Não obstante, reconhece-se a inadequação de determinadas prerrogativas atribuídas ao Ministério Público, no que se refere, exclusivamente, à posição por ele ocupada na sala de audiência criminal. É que, embora não se possa conceituar o parquet como parte parcial – passe a redundância – , a sua presença ao lado do juiz pode, com efeito, sensibilizar negativamente o acusado, produzindo-lhe, eventualmente, algum efeito intimidatório” (CURSO DE PROCESSO PENAL, 10ª EDIÇÃO, LÚMEN JÚRIS EDITORA, PÁG. 12).

18. O rebate ao nocivo “efeito intimidatório” processual a que alude o Vanguardista Mestre PACELLI deve se somar, in casu, à necessária busca do real e efetivo tratamento isonômico entre todas as Funções Essenciais à atividade jurisdicional do Estado. Ambas, aqui, convergindo como causae petendi da presente ação molecularizada cível.

19. Afinal, ao altar mais elevado e destacado tem único assento apenas o povo, do qual todo poder emana.

20. A combativa e sofrida Advocacia brasileira – Privada e Pública – deve ser com urgência – sob pena da manutenção de injustificável e odioso regime de tratamento desigualitário, que já não é mais tolerável – ser convidada definitivamente a se levantar de seu vil tamborete que lhe foi reservado às Salas de Audiências. As vistas da Advocacia devem vislumbrar o mesmo horizonte do olhar ministerial, sem privilégios. Alcançando, todos, assim, Acusação e Defesa, o idêntico plano digno de perspectiva.


21. Daí, MM. Juiz, a tão esperada presente ação civil pública, para que toda a Advocacia tenha assento, às Salas de Audiências judiciais no Estado do Espírito Santo, no mesmo plano do Representante do Ministério Público, centímetro por centímetro, sem inexatidão, extinguindo-se, assim, de uma vez por todas, inaceitável privilégio não recepcionado pela nova ordem constitucional positiva.

22. EX POSITIS, requer a DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO DO SANTO, o seguinte:

a) A procedência integral da presente ação civil pública, para que toda a Advocacia – Privada ou Pública – tenha assento, às Salas de Audiências judiciais cíveis e criminais no Estado do Espírito Santo, no mesmo plano físico-espacial do Representante do Ministério Público, na mesma altura, fazendo-se cessar, assim, qualquer inaceitável privilégio moral ou processual tolerado em detrimento da necessária isonomia e respeito que devem enlaçar as Instituições-Funções Essenciais à atividade jurisdicional do Estado, em todo o solo espírito-santense;

b) A concessão de medida liminar inaudita altera pars para a antecipação dos efeitos da tutela pretendida na letra “a”, determinando-se, até decisão final da lide, que o réu ESTADO DO ESPÍRITO SANTO seja compelido a promover que toda a Advocacia – Privada ou Pública – tenha assento, às Salas de Audiências judiciais cíveis e criminais, no mesmo plano físico-espacial do Representante do Ministério Público, na mesma altura, fazendo-se cessar, assim, qualquer inaceitável privilégio moral ou processual em detrimento da necessária isonomia e respeito que devem enlaçar as Funções Essenciais à atividade jurisdicional do Estado em todo o solo espírito-santense, nos termos do Art. 12, Caput, da Lei 7.347/85;

c) A imprescindível intimação do Ilustríssimo Senhor Doutor Representante do Ministério Público Estadual, na forma eleita pelo Parágrafo 1º, do Art. 5º, da Lei 7.347/85;

d) Com supedâneo no autorizativo do Art. 11 da Lei 7.347/85, que sejam fixadas astreintes, suficiente e compatível, para compelir o réu ESTADO DO ESPÍRITO SANTO ao cumprimento específico do preceito interlocutório liminar, se deferido, e, após, do provimento jurisdicional definitivo, impondo-se, assim, em ambos os casos de eventual recalcitrância do demandado, multa diária não inferior a R$ 1.000 (mil reais), no tempo e modo eleitos por V. Exa.;

f) Que o réu ESTADO DO ESPÍRITO SANTO seja citado, para responder aos termos da presente Ação Civil Pública; e,

g) Protesta-se pela produção de todas as provas permitidas em Direito.

23. Para os fins do disposto no Art. 282, V, do CPC, atribui-se à causa o valor de R$ 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco reais).

Vitória/ES, 30 de Março de 2009

CARLOS EDUARDO RIOS DO AMARAL

DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO

Matrícula nº 2905043 – Ordem de Serviço DP/ES nº 063/2008

RESOLUÇÃO DP/ES nº 013/2008

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