Lupa do Fisco

Decreto paulista permite quebra de sigilo bancário

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16 de abril de 2009, 16h57

A exemplo da Receita Federal do Brasil, o fisco paulista também já pode ter acesso a dados das movimentações bancárias de contribuintes sem precisar de ordem judicial. A permissão foi dada pelo Decreto 54.240, publicado nesta quarta-feira (15/4) no Diário Oficial do estado, que regulamentou a Lei Complementar 105/01 — leia o decreto abaixo.

A norma, contestada por pelo menos três ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, deu origem, no fim de 2007, à Instrução Normativa 802 da Receita, também já contestada na Justiça. O fisco federal ordenou que os bancos lhe enviem, semestralmente, relatórios das movimentações superiores a R$ 5 mil, no caso de clientes pessoas físicas, e a R$ 10 mil, no de pessoas jurídicas.

O decreto paulista prevê a quebra do sigilo bancário em casos de suspeita de ocultação de receita e fraude no recolhimento de impostos, entre outras situações. O procedimento só pode acontecer se for aberto um processo administrativo de fiscalização, do qual o contribuinte tem de ser informado. De acordo com reportagem publicada nesta quinta-feira (16/4) pelo jornal Valor Econômico, a Fazenda de São Paulo afirma que o decreto visa identificar organizações criminosas — leia a reportagem abaixo.

Um dos dispositivos mais polêmicos para as empresas no decreto é o que permite à fiscalização solicitar dados dos "sócios, administradores e de terceiros ainda que indiretamente vinculados aos fatos ou ao contribuinte, desde que, em qualquer caso, as informações sejam indispensáveis". Isso ocorrerá nos casos em que houver suspeita de ocultação de operações, de inadimplência fraudulenta, de subavaliação de operações tributadas e realização de gastos incompatíveis com a disponibilidade financeira, entre outros.

Leia abaixo a reportagem do Valor Econômico e, em seguida, o decreto.

Serra segue a União e adota quebra de sigilo sem ir à Justiça

Marta Watanabe, de São Paulo

O governador de São Paulo, José Serra, publicou ontem no "Diário Oficial" um decreto que deve provocar nova discussão sobre sigilo bancário. Até agora as maiores disputas sobre o assunto eram travadas entre as empresas e o fisco federal. O Estado seguiu o exemplo da Receita Federal e regulamentou lei complementar que permite à fiscalização tributária solicitar às instituições financeiras, sem necessidade de autorização judicial, informações sobre movimentação bancária de contribuintes que estejam sob fiscalização da Fazenda estadual ou com processo administrativo em andamento.

Para o advogado Glaucio Pellegrino Grotolli, do Braga e Marafon, o decreto paulista pode ser questionado judicialmente com base no direito ao sigilo bancário, de forma similar ao que aconteceu com previsões semelhantes na esfera federal.

"É uma medida dura, que foi objeto de intenso debate interno na secretaria", reconhece o coordenador de administração tributária da Fazenda, Otávio Fineis, ao explicar o motivo de São Paulo regulamentar uma lei federal de 2001 somente agora. Fineis diz que o alvo do decreto são as organizações criminosas e que o pedido de quebra de sigilo só será feito após processo administrativo e com base em indícios fundados de fraude. "A Fazenda tem agora estrutura para analisar dados financeiros e também para protegê-los, em função do sigilo." Segundo ele, a Fazenda está tranquila em relação a eventuais questionamentos. "Temos pareceres jurídicos favoráveis."

O decreto paulista, de nº 54.240/2009, regulamenta o artigo 6º da Lei Complementar federal nº 105/2001. Desde que foi editada, essa lei federal causou polêmica por permitir à fiscalização o acesso a dados bancários sem intervenção do Judiciário. A lei deu origem a pelo menos três ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal e não há até agora decisão de mérito.

Enquanto as ações não são julgadas, a lei federal continua de pé e os pedidos de informações às instituições financeiras pela fiscalização federal também. Isso tem levado as empresas individualmente ao Judiciário. Como não há ainda julgamento definitivo do STF sobre a lei federal, as decisões da Justiça ainda são divergentes. É o que deve acontecer também com o decreto paulista, analisa Pedro Lunardelli, da Advocacia Lunardelli.


O decreto permite ao fiscal de rendas responsável pela fiscalização fazer o pedido de informações bancárias. A solicitação deverá passar por aprovação de órgãos da Fazenda antes de seguir para o Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários, ao presidente do banco ou ao gerente de agência.

Entre os dispositivos considerados mais polêmicos no Decreto nº 54.240 está o que permite à fiscalização solicitar dados não só da empresa fiscalizada, como também de seus "sócios, administradores e de terceiros ainda que indiretamente vinculados aos fatos ou ao contribuinte, desde que, em qualquer caso, as informações sejam indispensáveis". A informação será considerada indispensável em casos em que houver suspeita fundada de ocultação de operações, de inadimplência fraudulenta, de subavaliação de operações tributadas e realização de gastos incompatíveis com a disponibilidade financeira, entre outros. O decreto diz que a Fazenda manterá as informações bancárias sob sigilo.

Para Lunardelli, no caso do decreto estadual, é possível discutir os limites relacionados ao acesso de fiscalização em função do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), certamente o principal alvo para pedidos de informação bancária. "Na fiscalização federal, o pedido de movimentação bancária pode ser usado para levantar eventual omissão de declaração de receitas ou lucros, já que a Receita Federal cobra tributos sobre esses valores", diz Lunardelli. Mas, no caso da Fazenda estadual, diz, que fiscaliza o ICMS, um tributo devido em operações de venda, é preciso verificar como os dados serão usados para indicar suposto débito e em que medida é necessário acesso a dados de administradores.

Leia abaixo o decreto paulista.

Decreto do Estado de São Paulo nº 54.240 de 14.04.2009

Regulamenta a aplicação do Art. 6º da Lei Complementar nº 105, de 10-01-2001, relativamente à requisição, acesso e uso, pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, de dados e informações referentes a operações de usuários de serviços das instituições financeiras e das entidades a ela equiparadas.

JOSÉ SERRA, Governador do Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições legais, tendo em vista o disposto no Art. 6º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001 e na Lei Complementar Estadual 939, de 03 de abril de 2003,

Decreta:

Art. 1º Este Decreto regulamenta a requisição, o acesso e o uso, pela Secretaria da Fazenda, de dados e informações referentes a operações de usuários de serviços das instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas, nos termos da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, bem como estabelece os procedimentos para preservar o sigilo das informações obtidas.

Art. 2º A requisição de informações de que trata o Art. 1º somente poderá ser emitida pela Secretaria da Fazenda quando existir processo administrativo tributário devidamente instaurado ou procedimento de fiscalização em curso.

§ 1º Considera-se iniciado o procedimento de fiscalização a partir da emissão de Ordem de Fiscalização, de notificação ou de ato administrativo que autorize a execução de qualquer procedimento fiscal, conforme previsto no Art. 9º da Lei Complementar Estadual 939, de 3 de abril de 2003.

§ 2º A Secretaria da Fazenda poderá requisitar informações relativas ao sujeito passivo da obrigação tributária objeto do processo administrativo tributário ou do procedimento de fiscalização em curso, bem como de seus sócios, administradores e de terceiros ainda que indiretamente vinculados aos fatos ou ao contribuinte, desde que, em qualquer caso, as informações sejam indispensáveis.

Art. 3º Para efeito desta lei, será considerada como indispensável a requisição de informações de que trata o Art. 1º nas seguintes situações:


I – fundada suspeita de ocultação ou simulação de fato gerador de tributos estaduais;
II – fundada suspeita de inadimplência fraudulenta, relativa a tributos estaduais, em razão de indícios da existência de recursos não regularmente contabilizados ou de transferência de recursos para empresas coligadas, controladas ou sócios;
III – falta, recusa ou incorreta identificação de sócio, administrador ou beneficiário que figure no quadro societário, contrato social ou estatuto da pessoa jurídica;
IV – subavaliação de valores de operação, inclusive de comércio exterior, de aquisição ou alienação de bens ou direitos, tendo por base os correspondentes valores de mercado;
V – obtenção ou concessão de empréstimos, quando o sujeito passivo deixar de comprovar a ocorrência da operação;
VI – indício de omissão de receita, rendimento ou recebimento de valores;
VII – realização de gastos, investimentos, despesas ou transferências de valores, em montante incompatível com a disponibilidade financeira comprovada;
VIII – fundada suspeita de fraude à execução fiscal.

Art. 4º Compete ao Agente Fiscal de Rendas propor a requisição de informações de que trata o Art. 1º por meio de Ofício com relatório circunstanciado que:
I – comprove a instauração de processo administrativo tributário ou a existência de procedimento de fiscalização em curso;
II – demonstre a ocorrência de alguma das situações prevista no Art. 3º;
III – especifique de forma clara e sucinta as informações a serem requisitadas bem como a identidade de seus titulares;
IV – motive o pedido, justificando a necessidade das informações solicitadas.

Art. 5º São competentes para deferir a proposta de requisição de informações de que trata o Art. 4º, o Delegado Regional Tributário e o Diretor-Executivo da Administração Tributária.

Art. 6º Desde que não haja prejuízo ao processo administrativo tributário instaurado ou ao procedimento de fiscalização em curso, deferida a expedição da requisição pela autoridade competente, a pessoa relacionada com os dados e informações a serem requisitados será, antes do encaminhamento da requisição às pessoas referidas no Art. 7º, formalmente notificada a apresentá-los espontaneamente no prazo de até 15 (quinze) dias, prorrogável a critério da autoridade competente.

§ 1º A notificação de que trata o caput somente será considerada atendida mediante a apresentação tempestiva de todas as informações requisitadas.

§ 2º O destinatário da notificação responde pela veracidade e integridade das informações prestadas, observada a legislação penal aplicável.

§ 3º As informações prestadas pelo destinatário da notificação poderão ser objeto de confirmação na instituição financeira ou entidade a ela equiparada, inclusive por intermédio do Banco Central do Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários.

Art. 7º A requisição de informações de que trata o Art. 1º será dirigida, conforme o caso, às pessoas adiante indicadas ou a seus prepostos:
I – o presidente do Banco Central do Brasil;
II – o presidente da Comissão de Valores Mobiliários;
III – presidente de instituição financeira ou de entidade a ela equiparada;
IV – gerente de agência de instituição financeira ou de entidade a ela equiparada.
§ 1º Deverão constar na requisição, no mínimo, as seguintes informações:
1 – nome ou razão social da pessoa titular da conta, endereço e número de inscrição no CPF ou no CNPJ;
2 – as informações requisitadas e o período a que se refere a requisição;
3 – identificação e assinatura da autoridade que a deferiu;
4 – identificação do Agente Fiscal de Renda responsável pela proposição da requisição;
5 – forma, prazo de apresentação e endereço para entrega.

§ 2º Quando requisitados em meio digital, os dados apresentados seguirão o formato descrito na requisição, de forma a possibilitar a imediata análise e tratamento das informações recebidas.

§ 3º Os dados e informações requisitados compreenderão os dados cadastrais da pessoa titular da conta e os valores, individualizados, dos débitos e créditos efetuados no período objeto de verificação, relativos a operações financeiras de qualquer natureza, podendo solicitar-se suas cópias impressas.

§ 4º A prestação de informações individualizadas dos documentos relativos aos débitos e aos créditos referidos no § 3º poderá ser complementada por pedido de esclarecimento a respeito das operações efetuadas, inclusive quanto à nomenclatura, codificação ou classificação utilizadas pelas pessoas requisitadas.

§ 5º Aquele que omitir, retardar de forma injustificada ou prestar falsamente as informações a que se refere este Art. sujeitar-se-á às sanções de que trata o Art. 10 da Lei Complementar federal nº 105, de 10 de janeiro de 2001, sem prejuízo das demais penalidades cabíveis.

Art. 8º A requisição de informações e as informações prestadas formarão processo autônomo e apartado, que seguirá apensado ao processo administrativo instaurado ou ao procedimento de fiscalização em curso, sendo mantidos sob sigilo, nos termos do Art. 198 do Código Tributário Nacional e do inciso XVIII do Art. 4º da Lei Complementar Estadual 939, de 03 de abril de 2003, conforme disciplina expedida pela Secretaria da Fazenda.

§ 1º Inscrito o crédito tributário em dívida ativa, o processo administrativo de que trata o caput será arquivado juntamente com o processo administrativo que constituiu o crédito tributário.

§ 2º Cancelado o crédito tributário ou liquidado pelo sujeito passivo antes de sua inscrição em dívida ativa, os documentos com as informações prestadas serão destruídos ou inutilizados.

§ 3º A responsabilidade administrativa por descumprimento de dever funcional, sem prejuízo das sanções civis e penais cabíveis, será exigida de todo aquele que, no exercício de função pública:

1 – utilizar ou viabilizar a utilização de qualquer dado obtido nos termos deste decreto, em finalidade ou hipótese diversa da prevista pela legislação;

2 – divulgar, revelar ou facilitar a divulgação ou revelação, indevidamente e por qualquer meio, das informações de que trata este decreto.

§ 4º A Secretaria da Fazenda deverá manter, a par do protocolo, controle adicional de acesso ao processo administrativo autônomo, registrando-se o responsável por sua posse, quando houver movimentação, conforme disciplina expedida pela Secretaria da Fazenda.

Art. 9º A Secretaria da Fazenda editará as instruções complementares necessárias à execução do disposto neste decreto.

Art. 10. Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Palácio dos Bandeirantes, 14 de abril de 2009
JOSÉ SERRA
Mauro Ricardo Machado Costa
Secretário da Fazenda
Aloysio Nunes Ferreira Filho
Secretário-Chefe da Casa Civil
Publicado na Casa Civil, aos 14 de abril de 2009.
OFÍCIO GS-CAT Nº 108-2009

Senhor Governador,

Temos a honra de encaminhar a Vossa Excelência a inclusa minuta de decreto, que regulamenta no âmbito estadual o Art. 6º da Lei Complementar Federal 105, de 10 de janeiro de 2001. Referida lei complementar dispõe sobre o sigilo das operações realizadas pelas instituições financeiras sendo que, o Art. em referência trata da possibilidade de a autoridade administrativa tributária requisitar essas informações quando seu exame for considerado indispensável no processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso.

Nesse sentido, considerando que, conforme exposto no Parecer PGE 99/08, "a Lei Complementar 105/01 já traz em si a autorização para a Administração Pública ter acesso a informações bancárias, (…) cabe ao Poder Público regulamentar a Lei Complementar nº 105/2001, até mesmo para cumprir o princípio da legalidade no âmbito da administração pública."

Assim, em consonância com o diploma legal emanado pelo legislador complementar, o decreto proposto delimita as situações que configuram a indispensabilidade dos exames, descreve o procedimento que deve ser observado pelo Agente Fiscal de Rendas proponente dos exames, bem como indica quais são as autoridades competentes para deferir o exame proposto e expedir a requisição dirigida às instituições financeiras.

Também foi prevista a forma de atendimento da requisição, seu prazo de atendimento pela instituição financeira ou pelo sujeito passivo, bem como a garantia do sigilo das informações obtidas e a responsabilização funcional do agente administrativo que, tendo acesso às informações, violar o sigilo fiscal.

Finalmente, cabe ressaltar que a legislação estadual buscou seguir o regramento já adotado em nível federal, deixando à Secretaria da Fazenda, a competência para expedir as normas complementares ao fiel cumprimento do diploma normativo que ora se propõe.

Com essas justificativas e propondo a edição de decreto conforme a minuta, aproveito o ensejo para reiterar-lhe meus protestos de estima e alta consideração.

Mauro Ricardo Machado Costa
Secretário da Fazenda
Excelentíssimo Senhor Doutor JOSÉ SERRA
Digníssimo Governador do Estado de São Paulo
Palácio dos Bandeirantes

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