Palco do banqueiro

CPI das Escutas vira palco para defesa de Dantas

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16 de abril de 2009, 21h40

“Estamos diante do maior criminoso de colarinho branco que atua neste país. Um dos maiores corruptos do Brasil. Está aqui dando todas as respostas, mas mentindo em várias delas, embora a gente não possa provar.” As frases vindas do fígado da deputada federal Luciana Genro (PSOL-RS), em tom grave, não pareciam perturbar o impassível Daniel Dantas.

A platéia quase notou um sorriso no canto da boca do banqueiro quando a parlamentar confessou que “não pode provar” nada do que disse contra ele. Mas o esboço de sorriso foi contido. Dantas depôs nesta quinta-feira (16/4), na CPI das Escutas Telefônicas, que o investiga por supostos grampos e espionagem feita na disputa que o seu banco, o Opportunity, travou com a Telecom Itália pelo comando da Brasil Telecom.

Com a voz monocórdia e no mesmo tom suave durante todo o depoimento, o banqueiro baiano dominou a cena a ponto de ter su argúcia e inteligência elogiadas pela maioria dos seus inquiridores. Munido de uma liminar em Habeas Corpus que o autorizava a ficar em silêncio, respondeu a todas as perguntas. E não perdeu uma única oportunidade para acusar o delegado Protógenes Queiroz de perseguí-lo. Sem alterar o tom de voz.

A torcida organizada do delegado federal compareceu em menor número. Só duas camisetas amarelas com os escritos “Protógenes contra a corrupção”, em verde. Mas a deputada Luciana Genro, visivelmente irritada com o fato de o banqueiro responder a todas as perguntas e acabar não caindo em contradição, fez mais barulho do que qualquer torcida.

“É preciso defender o delegado Protógenes Queiroz. Não podemos cair nas manobras diversionistas do banqueiro condenado que está aqui depondo. É necessário defender a Satiagraha”, bradou a parlamentar. Desta vez, contudo, não houve aplausos. Tão logo acabou seu discurso, Luciana Genro saiu do plenário da comissão e não voltou. Não estava interessada no depoimento. Mas deu seu recado.

Depois da fala da filha do ministro da Justiça, a palavra foi dada ao deputado Gustavo Fruet (PSDB-SP). O parlamentar lembrou que o papel de uma CPI é o de investigar, não julgar sem provas. Sem pirotecnia, Fruet não deixou de fazer perguntas incômodas ao banqueiro. Perguntou sobre seus interesses na compra da Brasil Telecom pela Oi, espionagem, grampos, entre outras coisas.

Negócios e grampos

Daniel Dantas discorreu sobre seus investimentos no Brasil e fora dele, falou do acordo Guarda-Chuva — por meio do qual os sócios-inimigos da Brasil Telecom estabeleceram as normas para viabilizar a sua gestão —, dos contratos da Brasil Telecom com a Kroll e, sobretudo, das operações Chacal e Satiagraha.

Para o deputado Fruet, o banqueiro respondeu que não fez um grande negócio na venda da Brasil Telecom para a Oi. Afirmou que percebeu que o governo não o queria na transação e que, a esta altura, seria melhor sair do ramo de telecomunicações. “Se eu tivesse as condições que foram dadas para a Andrade Gutierrez, com financiamento do BNDES inclusive, poderia até ficar. Nós queríamos ficar, mas já estávamos cansados de trabalhar com o governo contra”, disse.

O deputado Laerte Bessa (PMDB-DF) insistiu nas questões sobre os lucros que o banqueiro teve com a negociação que culminou na formação da supertele. O parlamentar lembrou que houve notícias de somas vultosas. E que, por isso, dificilmente não teria auferido lucro.

Dantas, então, se propôs a explicar ao deputado a diferença entre lucro e faturamento. “Há uma diferença. Suponhamos que o senhor compre uma casa por R$ 200 mil e, depois de algum tempo, venda por R$ 210 mil. Não é correto dizer que o seu lucro foi de R$ 210 mil”, explicou, no mesmo tom, mas com uma pitada de sarcasmo.

Depois, Bessa perguntou se a irmã de Dantas, Verônica, conhecia Cristina, a filha do governador de São Paulo, José Serra (PSDB). “Não sei se o Serra tem uma filha chamada Cristina”, disse o banqueiro. O deputado insistiu: “Sua irmã não conhece Cristina, filha de Serra”. O banqueiro respondeu: “Não”, e explicou ao deputado que a filha do governador também se chama Verônica.

Em seguida, Bessa fez mais perguntas sobre os negócios e investimento de Dantas. Depois, agradeceu: “O senhor está prestando excelentes serviços à CPI. Quero agradecer ao depoente, que mesmo tendo um HC se dispôs a responder todas as perguntas. Gostei da sinceridade dele”.

Pouco tempo depois, na segunda rodada de perguntas, o parlamentar sugeriu a prisão de Dantas, porque ele negou que sua irmã tenha relações com a filha de Serra. “Elas são sócias”, disse Bessa. “Há um contrato social chegando aqui para provar isso.” O contrato não chegou e a liminar em Habeas Corpus, de qualquer maneira, impedia a prisão de Dantas.

Laerte Bessa, como parecendo ter gostado da lição de economia, pediu a Dantas uma dica de pronúncia em inglês. “Não sei se estou falando corretamente Citigroup. Não sou letrado em inglês. Sou goiano. O senhor me diga se a pronúncia está correta”, disse o parlamentar. “Está falando certo sim”, respondeu o banqueiro, quase que esboçando, novamente, um sorriso, em homenagem à situação surreal.

Alvos da metralhadora

Não faltaram acusações contra Protógenes. De acordo com o banqueiro, o delegado é uma metralhadora giratória. Mas que só gira 270 graus. “Nunca 360”, disse, sugerindo que o delegado trabalha a serviços de seus adversários.

“Há uma zona cinzenta. A administração da Brasil Telecom, por exemplo, nunca é atacada pelo Seu Protógenes Queiroz. Se prestarmos atenção às omissões, mais do que às ações, vamos entender melhor essas investigações”, afirmou Dantas.

Para a surpresa dos incrédulos, o banqueiro chegou a concordar com uma das afirmações de Protógenes. “Ele está certo num ponto. Sozinho, ele não arregimentaria toda essa estrutura [que trabalhou na operação Satiagraha]. Houve a participação de 100 agentes da Abin e até de agentes privados. Quem pagou os agentes privados? Por que a Brasil Telecom e o Citibank não são citados e informações da operação são passadas aos meus adversários?”, questionou.

O banqueiro foi questionado sobre todos seus desafetos. Entre eles, o empresário Luis Roberto Demarco. Afirmou que havia trabalhado com ele e que, depois, Demarco passou a atuar em favor de seus adversários para minar seus negócios, usando, inclusive, a estrutura do Estado. Neste ponto, Daniel Dantas lembrou que uma denúncia contra ele apresentada pelo procurador da República Luiz Francisco, em 2004, foi gerada no computador de uma empresa de Demarco. O empresário tem diversas disputas judiciais com o dono do Opportunity, Daniel Dantas.

As perguntas se repetiram, girando em torno dos mesmos temas. Exatamente como fizeram com Protógenes Queiroz, os deputados tentaram fazer o banqueiro cair em contradição. Em vão. Exatamente como aconteceu no caso do delegado, a CPI serviu apenas de palco para a defesa de interesses particulares.

Mantido o cronograma, o palco da CPI deve ser desarmado em 15 de maio. O relator, deputado Nelson Pellegrino (PT-BA), afirmou que entrega seu relatório na próxima quinta-feira (23/4), para que haja tempo de discuti-lo, emendá-lo e votá-lo. O deputado Raul Jungmann (PPS-PE) clama por uma prorrogação de mais 60 dias e já adiantou que quer a volta de Dantas. O banqueiro concordou em voltar. "Se a CPI me convocar, é minha obrigação comparecer." O show tem que continuar…

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