Utilidade na crise

CLT Flex mantém contratos de trabalho na crise

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16 de abril de 2009, 17h12

Com a deflagração da crise econômica global e seus efeitos nas empresas brasileiras, afetando e ameaçando a manutenção dos contratos de trabalhos, principalmente em decorrência da alta carga tributária imputada à folha de pagamento, o resultado é o aumento da taxa de desemprego no país.

Com o cenário de caos instalado no mercado de trabalho, dia a dia existem notícias das greves instauradas e das discussões para realização de acordos junto aos sindicatos das categorias dos empregados para a manutenção dos postos de trabalho.

O relatório divulgado pela Organização Internacional do Trabalho, denominado “Tendências Mundiais de Emprego 2009”, publicado em 28 de janeiro de 2009, apontou que “‘o agravamento da crise econômica pode fazer com que a taxa global de desemprego atinja 7,1% neste ano, comparado com 6% em 2008 (dados preliminares) e 5,7% em 2007’, fez com que a BB BRASIL noticiasse que ‘A crise econômica global pode gerar até 50,5 milhões de novos desempregados em 2009’”.

O diretor-geral da OIT, Juan Somavia, declarou que “a mensagem da OIT é realista, não alarmista. Nós enfrentamos uma crise de emprego de alcance mundial. Muitos governos estão conscientes da situação e estão tomando medidas, mas é necessário empreender ações mais enérgicas e coordenadas para evitar uma recessão social mundial. A redução da pobreza está em retrocesso e as classes médias em nível global estão se debilitando. As consequências políticas e de segurança são de proporções gigantescas”.

A maior parte dos empregadores julga que, além do já conhecido motivo para a atual crise econômica, uma das razões que os obrigam às demissões consiste na alta carga tributária da folha de pagamento em decorrência da legislação vigente e, principalmente, da aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sendo essa a grande vilã da relação empregatícia.

No entanto, desconhece a maioria das empresas que a própria CLT poderia ser extremamente útil para a manutenção dos contratos de trabalho e, principalmente, para diminuição dos encargos sociais incidentes sobre a folha de pagamento.

Já há algum tempo vem sendo notícia a aplicação da CLT Flex principalmente nas empresas de tecnologia.

Algumas empresas denominadas “institutos”, aproveitando-se daquele momento benéfico do mercado, utilizaram de artifícios para forjarem os contratos de trabalhos de profissionais da área de tecnologia, alocando prestadores de serviços nessas empresas como empregados cooperados, o que foi objeto de investigação do Ministério Público do Trabalho, conforme amplamente divulgado.

Dessa forma, além de colocarem em risco as empresas de tecnologia que a elas aderiram, também fizeram com que os empregadores desse seguimento ficassem receosos quanto à aplicação da denominada CLT Flex.

Em verdade, o projeto de remuneração denominado CLT Flex não flexibiliza qualquer direito dos empregados, sendo aplicável na íntegra a legislação trabalhista em vigor.

A Carta Constitucional Brasileira investe o Estado da responsabilidade pelo bem-estar mínimo do cidadão, não podendo ser aceito o engrandecimento do mercado informal, em vista de seu caráter depreciativo do ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que o mercado informal da contratação de mão-de-obra caracteriza nítida concorrência desleal, pondo em risco a atividade econômica no país.

O projeto CLT Flex pode ser adotado como forma de buscar soluções para adequar procedimentos organizacionais administrativos frente à legislação em vigor, e a nova realidade de mercado, reduzindo riscos trabalhistas, bem como custos com folha de pagamento.

O trabalho de contratação de remuneração diferenciado, também denominado por alguns como CLT Flex, reflete os termos da mensagem 1.115, de 22 de agosto de 2000, comentada na 156ª sessão da Câmara dos Deputados em 24 de agosto de 2000, acompanhada de Exposição de Motivos do então senhor ministro de Estado do Trabalho e Emprego, Francisco Dornelles, cuja proposta de Projeto de Lei alterava dispositivos da CLT, sob justificativa de “reduzir os custos da relação de emprego como forma de incentivo a formalização do mercado de trabalho e à concessão de benefícios aos trabalhadores”.


Observamos que, por determinação contida no artigo 7º da Constituição Federal, a remuneração pelo trabalho deve atender as necessidades básicas e vitais da família e provê-la com moradia, alimentação, educação, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência pública e/ou privada, e que o artigo 23º da Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê condições justas e favoráveis nas relações trabalho/capital e garantias de direito ao trabalho pela livre escolha.

Com esse intuito, a Lei 10.293, de 26.6.2001, deu nova redação ao parágrafo 2º do artigo 458 da CLT, dispondo sobre algumas utilidades que podem ser fornecidas pelo empregador durante o curso do contrato de trabalho, determinou que essas não seriam consideradas de natureza salarial e, portanto, não sujeitas a tributação de folha de pagamento.

Arnaldo Sussekind, ao configurar salário utilidade, transcreveu o artigo 4° da Convenção número 95, de 1949, da Organização Internacional do Trabalho:

“A legislação Nacional, os contratos coletivos ou o laudos arbitrais poderão permitir o pagamento parcial do salário com prestação em espécie, nas indústrias ou ocupações em que esta forma de pagamento seja de uso corrente ou conveniente em razão da natureza da indústria ou ocupação de que se trata (§1°). “Nos casos em que se autorize o pagamento parcial do salário com prestações em espécie, devem ser tomadas mediadas pertinentes para garantir que: a) as prestações em espécie sejam apropriadas ao uso pessoal do trabalhador e de sua família e redundem em beneficio dos mesmos; b) o valor atribuído a essas prestações seja justo e razoável” (§2°).

Para Mauricio Godinho Delgado, o salário in natura ou também conhecido como “salário utilidade” é normalmente conceituado como sendo toda parcela, bem ou vantagem fornecida pelo empregador como gratificação pelo trabalho desenvolvido ou pelo cargo ocupado.

Nota-se, portanto, que a intenção do legislador sempre foi de conceder utilidades para os empregados, até mesmo em espécie, ou seja, em dinheiro.

Dessa forma, os itens constantes do parágrafo 2° do artigo 458 da CLT, disposto pelo legislador como utilidades concedidas ao empregado sem natureza salarial, poderá ser parcela in pecunia ou em bem.

Assim, como forma de retenção de talentos e até mesmo, motivação dos empregados, o empregador, que hoje sofre com a pesada carga tributária incidente sobre a folha de pagamento, poderá conceder valores a título de utilidades para os seus empregados, sem que, com isso, configure salário e venha a sofrer qualquer tipo de incidência de encargos sociais.

No inicio dos anos 90, quando ainda vigorava a redação anterior do artigo 458 da CLT, muitos empregadores concediam utilidades para seus empregados e, por força da lei, acabavam sendo condenados no Judiciário Trabalhista a integrar referidos benefícios aos salários dos empregados, sendo obrigados, inclusive, a recolher todos os impostos sobre as utilidades concedidas.

Atualmente, diante da vontade do legislador em beneficiar os empregados e reduzir a carga tributária das empresas incidentes sobre utilidades concedidas aos empregados, em decorrência do abuso por parte desses “institutos”, muitos temem a utilização desse projeto e outros sequer o conhecem.

Nota-se que o privilégio da concessão de utilidades para composição da remuneração dos empregados não é somente para o seguimento de tecnologia, e sim de todos os seguimentos, haja vista disposição contida em lei federal.

Em noticia do jornal Gazeta Mercantil de 14 de maio de 2007, o artigo Dilemas no setor de Tecnologia da Informação expôs a realidade sobre esses “institutos” que fraudaram os contratos de trabalho através de empregados denominados cooperados. O professor titular de Direito do Trabalho das USP e da Universidade Mackenzie, Nelson Mannrich, comentou o caso mencionando que “quanto à possibilidade de receber valores sem natureza salarial, como cursos, previdência privada, assistência médica, entre outras utilidades concedidas pelo empregador [artigo 458, parágrafo 2º da CLT], considera que o quadro é diferente, exceto, obviamente, se a empresa se utiliza de tais expedientes com o claro intuito de fraudar a lei, quando a fraude for comprovada".


A evolução do Direito do Trabalho reflete as transformações graduais, evoluindo com a constitucionalidade do princípio da flexibilização e, caminhando no século XXI de forma harmoniosa com a velha e sempre atual CLT, fazendo com que o empregador conceda benefícios para os seus empregados, sem correr riscos de serem considerados salários.

Isso não obstante, diante da crise econômica global, também poderá ser aplicado o parágrafo segundo do artigo 458 da CLT como forma de manutenção dos contratos de trabalho já existentes. Isso porque o artigo 501 da CLT entende como força maior todo acontecimento inevitável em relação à vontade do empregador, e para realização do qual este não concorreu direta ou indiretamente.

A crise econômica global modifica as condições atuais dos contratos de trabalho, tornando-se obstáculo ao cumprimento de obrigações contratuais assumidas, independente da vontade e do poder de quem deveria cumpri-las, enquadrando-se, portanto, no artigo supracitado.

O artigo 501 da CLT considera como elementos integrantes da força maior: a irrestibilidade do evento; sua imprevisibilidade; a inexistência de concurso direto ou indireto do empregador no acontecimento e ainda que afete ou seja pelo menos suscetível de afetar a situação econômica e financeira da empresa.

Trata-se, assim, de acontecimento de força maior e extraordinário, em razão do qual ocorre a modificação do contrato de trabalho, podendo determinar alteração radical na realidade de fato ou de direito da relação de emprego vigente. Por estas razões, a revisão contratual é aceita de forma unânime pela doutrina e jurisprudência, uma vez que presentes os três requisitos necessários: extraordinariedade, imprevisibilidade e onerosidade.

A força maior, por definição, está alocada fora da párea daquilo que corresponde ao risco normal da atividade do empregador, podendo em várias situações exonerá-lo do total cumprimento de suas obrigações, conforme artigo 249 do Código Civil Brasileiro.

Assim, através de alguns recursos jurídicos, os empregadores brasileiros podem tentar evitar o grande número de demissões, retendo talentos a serem plenamente aproveitados em momento de reaquecimento da economia, quais sejam:

  • Alteração da Jornada de Trabalho
  • Mudança de revezamento de Turnos
  • Banco de Horas
  • Licença remunerada
  • Férias Coletivas
  • Rescisão de Acordo Coletivo por força maior (ex. banco de horas)
  • Suspensão de cláusulas coletivas que onerem excessivamente o contrato de trabalho
  • Suspensão da aplicação da data-base
  • Modificação da estrutura salarial dos empregados, mediante concessão de utilidades para composição da integra salarial recebida pelos empregados (CLT Flex).

Há ainda um fator relevante quanto ao tema, que é o de que algumas medidas podem ser implementadas até mesmo sem a necessidade da intervenção do sindicato da categoria, diante da presença da força maior e da imprevisibilidade dos acontecimentos.

Destaca-se que, na aplicação da reestruturação da remuneração (CLT Flex) o empregado receberá mensalmente os mesmos valores, não sofrendo qualquer prejuízo salarial, contando a empresa, ainda, com economia mensal em folha de pagamento de forma significativa.

Não obstante, o mais importante nesse período de inevitável recessão econômica advinda da crise global deve ser a conscientização do empresariado em buscar alternativas que minorizem o desemprego no país.

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