Direito de resposta

Celso Lafer se livra de indenizar Durval de Noronha

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15 de abril de 2009, 13h34

O advogado Durval de Noronha Goyos Junior não conseguiu indenização do ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, por uma resposta publicada no jornal Tribuna do Direito, onde o advogado havia criticado o ex-ministro. O juiz Carlos Henrique Abrão, da 42ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, negou o pedido de indenização. Cabe recurso.

A briga começou quando Noronha, em entrevista ao jornal (clique aqui para ler), criticou a política externa do país na época em que era comandada por Celso Lafer. O advogado disse, na entrevista, que o episódio caricato em que Lafer, ministro na época, ficou descalço diante de autoridades de imigração dos EUA, trouxe sérias consequências ao Brasil.

O ex-ministro não gostou e respondeu às críticas, em correspondência enviada e publicada pelo jornal. Ele afirmou, entre outras coisas, que Noronha nunca fez parte dos árbitros da Organização Mundial do Comércio, tendo apenas composto uma lista de indicados.

Noronha ficou indignado com a resposta de Lafer e entrou com ação na Justiça pedindo indenização por danos morais de R$ 500 mil. Lafer, representado pelo advogado Fernando Lottenberg, alegou que apenas exerceu seu direito de resposta.

“Inegável que os contendores, sendo pessoas de elevado conhecimento e cultura jurídica invulgar, não se cercaram das melhores habilidades, ou de mecanismos precisos nos ataques provocando normal entrechoque”, constatou o juiz.

Para o juiz, a crítica de Lafer em relação ao advogado ter sido árbitro da OMC e do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) foi uma “locução eloqüente para separar o joio do trigo, isto é, apresentar a sua versão em razão de não existir prova de integrar o autor à função de árbitro do GATT ou da OMC”.

“Ambos os litigantes, respeitadas suas peculiaridades e pontos de vista têm muito a contribuir para a política externa do país e também para a integração do Brasil no elenco das nações desenvolvidas, com políticas públicas, adequadas e que atendam aos interesses da sociedade civil como um todo”, lembrou o juiz.

Carlos Henrique, para jogar panos quentes, afirmou que o conflito entre o advogado e o ex-ministro “serviu para aridez do solo e ao invés da fertilidade de boas ideias”.

Leia a decisão

JUÍZO DE DIREITO DA 42ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL SÃO PAULO – CAPITAL

C O N C L U S Ã O

Em 07 de abril de 2009 faço estes autos conclusos ao MM. Juiz de Direito, Dr. CARLOS HENRIQUE ABRÃO.

Eu, ______, escr. Subs. Processo nº 583.00.2008.197527-3 (1838/08)

VISTOS:

Espargindo os malsinados efeitos de colóquio havido no Jornal Tribuna do Direito, ingressa o autor com ação de reparação de dano extrapatrimonial, reputando indevida ofensa perpetrada pelo requerido, na medida em que compõe o quadro de árbitros da O.M.C. e do G.A.T.T., respectivamente, assim ao exercer o direito de defesa, o demandado extrapolou, imputando conduta imoral e antiética ao requerente, além de infundada.

Aduziu ainda que haveria, em tese, falseamento do currículo, porquanto nunca integrara relação de árbitros oficiais. E nesta situação, divulgada a notícia por meio de 35.000 exemplares, pretende receber, estimando, a soma de R$500.000,00, conferida à causa. Juntou procuração e com ela documentos (fls.22/118).

Deliberação de emenda (fls.120/121).

O zeloso procurador do autor procedeu à emenda (fls.122/130). Recebida, citou-se (fls.131). Citado (fls.140). Interveio, juntando procuração (fls.141/143).

Aberto o 2º volume, o réu apresentou defesa, na qual articula apego à verdade dos fatos veiculados pelo Jornal Tribuna do Direito, exerceu a diplomacia do Itamaraty, na condição de ministro, e o ataque do autor não é correto, assim confirma que o requerente não participa do quadro de árbitro, mera lista indicativa, balizando seu comportamento pelas regras ético-moral, analisando a personalidade do autor e as causas por ele defendidas, salientando falta de estofo para pretender o recebimento do propalado dano moral, não houve o espírito de injuriar ou difamar, mero exercício regular do direito de defesa, improcede a demanda (fls.145/173) documentos (fls.174/241).


Deliberação (fls.243). Substabelecimento do autor (fls.244/247). Manifestação em réplica (fls.249/262). Especificação de provas (fls.264). Entende o requerido, no ângulo analisado, que a questão deva ter seu julgamento antecipado de improcedência, protestando por diligências (fls.265/269). Documentos (fls.270/271).

O autor se mostra refratário à audiência de conciliação e proclama julgamento antecipado (fls.273/274). Certidão (fls.275).

RELATADOS, DECIDO.

A questão litigiosa permeada no procedimento comporta análise e antecipado julgamento, formado o livre convencimento, em sintonia com o juízo valorativo catalogado no caso concreto.

Com efeito, o autor, sentindo-se injuriado e difamado, ofensa veiculada por meio do Jornal da Tribuna do Direito, a pretexto do exercício do direito de defesa, invoca exasperação incompatível, motivando assim seu pleito de ressarcimento do dano extrapatrimonial.

Efetivamente, o requerente teria criticado o professor e jurista Celso Lafer, quando do exercício do cargo de Ministro das Relações Exteriores, em razão da pusilanimidade, do esquecimento de brasileiros no exterior, e também por ter tirado os sapatos, quando de sua entrada nos Estados Unidos da América, após o atentado de setembro de 2001.

Inegável que os contendores, sendo pessoas de elevado conhecimento e cultura jurídica invulgar, não se cercaram das melhores habilidades, ou de mecanismos precisos nos ataques provocando normal entrechoque. É fato incontroverso que o autor, sem sombra de dúvida, não compõe o quadro de árbitros da Organização Mundial do Comércio ou do G.A.T.T., esteve apenas em lista de indicação, porém sem caráter oficial.

Dito isto, analisa-se, passo seguinte, o contexto reproduzido nos autos, no qual se baseia o autor, para imputar responsabilidade e reclamar dano extrapatrimonial. Deixadas de lado as idiossincrasias, feito o exame necessário da humildade, uma das maiores virtudes do saber, e também dos aspectos subjetivos curriculares de cada litigante, a política externa brasileira, conforme analisa Carlos Henrique Cardim ("A Raiz das Coisas"), na gestão do atual Ministro Celso Amorim alcançou salto de qualidade e inegável velocidade. O professor Fábio Konder Comparato, em obra lançada sobre a Ética examina o seu conceito, desde a fase de Aristóteles, até a sociedade contemporânea, isto porque não podemos flexibilizar aspectos inerentes à conduta, embora exista certa leniência da sociedade.

Na análise substancial daquilo contido na entrevista do réu, no Jornal Tribuna do Direito, teve ele a oportunidade de destacar que o autor não fazia parte do G.A.T.T. ou da O.M.C., o que corresponde à realidade. Avançando, o réu afirmou que havia falha ética profissional, extremamente censurada, seria o mesmo que vender gato por lebre, informação enganosa. Seria descumprir os deveres de um advogado para agir com honestidade, veracidade e boa fé. Ao retrucar de forma áspera, e nada elegante, o réu exerceu atividade censória, própria do órgão de classe, ou conveniente no processo, quando patente a figura da litigância da má fé. Nota-se, ainda, que o réu entende que a desqualificação configura procedimento voltado para a má fé, além do que patenteou "não identifico", em quem falseia os dados de sua atividade profissional, locus standi para pretender atingir a honra alheia.

Na manifestação seguinte, o réu também afirmou que o autor teria descumprido o dever geral da veracidade exigida pelo Código de Ética e Disciplina da O.A.B., e de modo mais desabrido, citou Eça de Queiroz, afirmando que seria fruto ou da má fé cínica ou da obtusidade córnea, dando por encerrada a polêmica.

O discurso do renomado professor e exímio jurista, pela sua dicção e conteúdo redacional, não se coaduna, por evidente, com a imagem do ex-ministro e também não se pretende, de forma alguma, fazer proselitismo.

Evidente que para se analisar a defesa é fundamental saber o conteúdo da manifestação primeira feita pelo autor. Destacou o requerente que a segunda administração do Itamaraty, por Celso Lafer, foi caracterizada por uma grande pusilanimidade da condução dos negócios externos do país. Acrescentou comportamento caricato, ao descalçar os sapatos perante as autoridades de imigração dos Estados Unidos. De maneira analítica, a primeira crítica se refere à direção da casa do Barão de Rio Branco e também iluminado pelo brilhantismo de Rui Barbosa, o segundo aspecto, menos direto, alcança o padrão da retirada dos sapatos ao pisar na imigração americana.


Evidente, portanto que as munições jogadas por ambos os contendores visavam mirar a própria reputação e também, por tal caminho, percorrer a honorabilidade, o chamado fogo amigo (Blitzkrieg).

Entretanto, partindo-se da premissa que decorre do fato e da caracterização do ato ilícito, previsto no atual Código Civil, comporta identificar se o direito de resposta esteve dentro do seu balizamento , ou extrapolou as raias da normalidade. Nesta linha de raciocinar, salvo melhor juízo, apenas no que diz respeito ao papel censório do réu, próprio do órgão de classe, a batalha não coloca sucesso ao processo.

No ritmo que palpitam as rusgas e no embate provocando entrechoque, o réu, com pequeno deslize, já ressaltado, mostrou, inequivocamente, que não faz parte o autor da lista oficial de árbitros do G.A.T.T. ou da Organização Mundial do Comércio. Desta forma, embora contundente a crítica do réu, ríspida, áspera, fugindo da normalidade e do padrão aceito de um ex-ministro e de professor- titular da gloriosa Faculdade do Largo de São Francisco, não se pode desconsiderar que a pusilanimidade ataca o íntimo e também revela anomalia para refrescar o aceno de aceso papel no direito de resposta.

Baseado neste liame, ambos os litigantes, respeitadas suas peculiaridades e pontos de vista têm muito a contribuir para a política externa do país e também para a integração do Brasil no elenco das nações desenvolvidas, com políticas públicas, adequadas e que atendam aos interesses da sociedade civil como um todo.

Ressalvada apenas a crítica inócua de caráter peculiar do órgão de classe, no mais, desenvolvido o raciocínio e interpretado por pensamento linear do réu, não se descortina qualquer ofensa ou intuito de ferimento à sua personalidade, porém locução eloqüente para separar o joio do trigo, isto é, apresentar a sua versão em razão de não existir prova de integrar o a autor à função de árbitro do G.A.T.T. ou da O.M.C..

Escalonado o vórtice deste assunto, não se descortina, no caso presente, o ritmado dano moral. Desconhece-se no bojo do litígio qualquer aviltamento, constrangimento ou prejuízo havido à reputação do autor, isto porque jejuno o nexo causal e a divulgação do direito de resposta não traduz, direta ou indiretamente, expressão de constrangimento ou correlato atinente ao invocado prejuízo moral.

Ensinam os doutrinadores franceses Mazeaud e Mazeaud que a teoria que deu nascimento ao dano moral parte do nexo, pressuposto de sua existência. Bem definida esta situação, José de Aguiar Dias ensina seu pressuposto metodológico. E de modo bem semelhante, o renomado professor Humberto Theodoro Junior ("Dano Moral, São Paulo, 2009, 6ª Edição, Livraria Editora Juarez de Oliveira").

Excluído o nexo causal, continua o ilustre autor à frente de sua banca, com trabalhos locais e internacionais, de alto relevo e destaque para a divulgação do país em sua política externa.

No que toca ao requerido, talvez tenha sido infeliz, ao se revestir de órgão censório em relação à ética profissional, porém de forma isolada, requerida expressão não pode ser traduzida em ânimo ou espírito doloso de arranhar a imagem do requerente, uma impropriedade discursiva, até aceitável, no calor do embate e no tratamento dado ao assunto.

Não cabe ao juízo descer a detalhes sobre a conduta profissional do autor em outros procedimentos, ou respeito de sua clientela, assim, dentro desta visão, o embate entre ambos apenas serviu para aridez do solo e ao invés da fertilidade de boas ideias, a inocuidade da desinteligência do colóquio.

Desconfigurada a hipótese dos artigos 186 e 927, ambos do Código Civil, faz-se presente aquela do artigo 188, exercício regular do direito de resposta com a observação mencionada.

Isto posto, e por tudo mais constantes dos autos, JULGO IMPROCEDENTE a ação entre DURVAL DE NORONHA GOYOS JUNIOR X CELSO LAFER, arca o vencido com as custas e despesas processuais, e verba honorária fixada, levando em conta o tempo de tramitação, grau de complexidade e zelo profissional, fundada no artigo 20, § 4º do Código de Processo Civil, no importe de R$10.000,00, corrigido do decisório. P.R.I.

São Paulo, 07 de abril de 2009.
Carlos Henrique Abrão
Juiz de Direito

Processo 583.00.2008.197.527-3

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