Consumidor 2.0

A nova mídia criou relações que devem ser estudadas

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12 de abril de 2009, 13h45

Nossos irmãos portugueses estão avançados quando o assunto é o controle de ações publicitárias “agressivas” ou “desleais”, por meio do sistema jurídico de proteção pelo “princípio da veracidade”. No Brasil o Código de Defesa do Consumidor (lei 8078/90) prevê tal instituto, de certa forma distorcido. Nos Estados Unidos, o Harward Law Review [1] traz um trabalho inédito sobre a nova área, em seis capítulos, que merecem apreciação dos leitores.

Direito da mídia não envolve só “Direito de imprensa”, conquanto tenha nascido das disputas entre a necessidade de informações e outros direitos fundamentais, como vida, dignidade e privacidade.

A questão aqui é, como bem pontuou a professora dra. Jamile Borges em seu artigo sobre o assunto [2], “O que fazer quando a vida humana não representa nada mais que a possibilidade de elevar os índices do ibope?” E vamos além, não só a vida humana, mas sua dignidade, sua segurança, sua intimidade. Quem comente atos ilícitos deve ser punido, mas pelo Judiciário. A imprensa hoje tem o poder de “condenar” e “absolver”, “inventar” e “persuadir”.

Realmente, a população questiona sempre a justa causa para os crescentes “Sem saber que estava sendo filmado…” Realmente, a população questiona sempre a veracidade e utilidade de informações veiculadas do tipo “Redução de IPI para carros” como principal noticia de um jornal do horário nobre durante três dias seguidos, como se não houvessem fatos mais importantes (estanho não é?), ou “a cobertura completa da condenação da empresária da moda”, como se somente ela não pagasse impostos no Brasil.

Infelizmente, alguns também se preocupam em questionar a veracidade de informações do tipo “Já passamos de 45 milhões de votos…”

Colunistas na mídia convencional? De caçador de microorganismos à comentarista do sistema solar, passando por “gurus da economia” e repentinos “experts” em recursos humanos e empregabilidade. Todos “intocáveis”, eis que TV não suporta “comentários” dos expectadores do tipo “Hey, Sr., pare agora por favor!” Resultado: Cada vez mais gritamos com a TV, como se ela fosse capaz de enviar nossa mensagem. Aqui, nas mídias tradicionais, teremos sempre “a melhor banda de todos os tempos, da última semana”, e isso é “empurrado abaixo em todos nós”

A salvação? As novas mídias. Segundo Don Tapscott A nova web é fundamentalmente diferente tanto na sua arquitetura quanto na sua aplicação. Em vez de imaginar um jornal digital, pense em uma tela compartilhada em que cada borrão de tinta feito por um usuário fornece uma imagem mais rica, que poderá ser modificada ou desenvolvida pelo próximo usuário. Estejam as pessoas criando, compartilhando ou socializando, a nova web significa sobretudo participar em vez de receber passivamente informações”

O fato é que as novas mídias e a convergência tecnológica criaram e recriaram formas de se comunicar com um consumidor dando-lhe a “voz”, o que foi fundamental; porém muitas formas nascem impregnadas com os vícios da mídia convencional, permeadas por uma falseabilidade latente que chega a arder os olhos. Merchandisings do mal, blogs patrocinados, comentários prontos. Se Karl Popper estivesse vivo, teria vergonha do empirismo clássico que impera o mundo em plena revolução cibernética.

Por outro lado, devemos defender que nunca consumidores puderam se manifestar, controlar e serem ouvidos pelos então acostumados a um “canal unilateral” e “intocável” de comunicação. Um canal unilateral é como um “contrato de adesão”, você engole e pronto! Já chegamos a comentar em nosso blog a união de consumidores norte-americanos, pela Internet, que passaram a controlar e a desagravar medidas e práticas de empresas consideradas “agressivas”: Um dia sem comprar… Um dia sem acessar….Um dia sem assistir…Um dia sem telefonar… O resultado é “tiro e queda”.

Media vem do latim, “meios”, hoje consolidada como os meios de comunicação. A mídia cresce, à medida em que a população da sociedade da informação tem demanda insaciável por ela. Por outro lado, o uso das mídias digitais abordam as pessoas de modos distintos ou geram relações concorrenciais a serem pensadas pelo Direito, bem como põe em pauta direitos dos consumidores na web.


Assim, focamos nosso trabalho no Direito da mídia estritamente relativo à publicidade e não no “Direito de imprensa”, eis que a sociedade colaborativa criou relações que precisam ser analisadas pelo Direito.

O consumidor 2.0, com “voz amplificada” é alvo de ações e programas que por vezes, o monitoram constantemente (cookies, navegação etc), eis que como dizia Michel Foucault: “O sujeito é um artifício de linguagem”. Agencias passam a refletir: surgem questões a serem resolvidas pelo Direito, dentre as quais destacamos as principais com base em análise de casos. São questões que devem ser refletidas pelas empresas de mídia constantemente, visando preservar a saúde e concorrência leal no marketing 2.0:

  1. Qual o direito de quem adquire produto influenciado por blogs patrocinados? O blogueiro é responsável ou só a empresa.
  2. Qual o melhor caminho ético e jurídico para monitorar as redes sociais e usuários? Como se da a proteção intelectual de campanhas nas novas mídias?
  3. Uma empresa pode reclamar judicialmente por concorrência desleal em face de técnicas virais ou marketing de guerrilha de outra?
  4. Links patrocinados de “emboscada”, onde uma empresa assume termos relevantes de outra para atrair potencial clientela alheia, geram o dever de indenizar?
  5. Spam ou SMS spam: limites legais à não destruir campanhas web?
  6. Moderar ou apagar manifestações desfavoráveis na Internet, viola o direito amplo de informação do consumidor? Pode gerar reflexos às empresas?
  7. Comentários sobre a concorrente em media digital da empresa, pode gerar um processo?
  8. Amush Marketing ou ações periféricas no blog ou media da concorrente, é legal? Exemplificando, entro no blog da concorrente a abro uma discussão via comentários.
  9. O marketing invisível em sites de relacionamento ou comunidades, encontra amparo legal ?
  10. Provocar Buzz que não corresponde à realidade: Gera responsabilização?
  11. Oferecer produtos da concorrente para a avaliação de blogueiros, teria algum impacto?
  12. Propostas automatizadas nas mídias digitais, quando o produto não existe ou está indisponível, vincula o proponente?
  13. Falsear fatos – misturar conteúdos – e inserir conteúdo publicitário oculto, pode gerar processos?
  14. Riscos do uso ilegal de linking, guestbook spamming, frames, meta-tags, e caching?
  15. Uso de “tracking” e “cookies” de usuários e consumidores: quais os limites da legalidade?

Realmente, temos constatado um aumento significativo de processos e reclamações de consumidores de todas as formas: “Me disseram que eu havia perdido 5 minutos da minha vida”, “Me disseram que o feioso estava namorando a modelo do produto x”, “Me disseram que o mundo iria acabar com o impacto de um asteróide”. Quem não se lembra? [3]

É, não há nada pior que ser enganado. Talvez quando Jay Conrad Levinson difundiu seu marketing de guerrilha e as ferramentas marketing de emboscada, o marketing viral e o marketing invisível, tivesse pensado apenas no “baixo custo” e não na equação “baixo custo-respeito”

Em meio às inúmeras indagações, algumas respostas devem ser consignadas: no Brasil a Constituição Federal seria suficiente para amparar os direitos concorrenciais e consumeristas envolvendo as novas mídias. Não bastasse, temos o Código de Defesa do Consumidor e no âmbito publicitário o Código de Ética do Profissional de Propaganda [4] e o Código de Auto-Regulamentação Publicitária, fiscalizado pela Comissão Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar)[5], logicamente, todos, aplicáveis às novas mídias. Estabelece o regulamento em tela que o profissional da propaganda, para atingir seus fins, jamais induzirá o povo ao erro; jamais lançará mão da inverdade; jamais disseminará a desonestidade e o vício.

Segundo o art. 19 do precitado Código de Auto-Regulamentação Publicitária:

Art 19 – Toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições e símbolos nacionais, às autoridades constituídas e ao núcleo familiar.E complementa, ao tratar do mix entre “publicidade e informação jornalística”, comum na web, em seu artigo 30:


Art 30 – A peça jornalística sob a forma de reportagem, artigo, nota, texto-legenda ou qualquer outra que se veicule mediante pagamento, deve ser apropriadamente identificada para que se distinga das matérias editoriais e não confunda o consumidor.

Igualmente, o Código de Ética dos Profissionais de Propaganda bem define em seu terceiro preâmbulo que:

III – O profissional da propaganda, para atingir aqueles fins, jamais induzirá o povo ao erro; jamais lançará mão da inverdade; jamais disseminará a desonestidade e o vício.

Para finalizar, ninguém melhor que o Código de Defesa do Consumidor que bem preceitua a respeito da ética no uso das mídias para publicidade:

Art.36 A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.

Ou seja, para a Lei, é incabível a historinha “da loira linda que tem um celular x e que está te paquerando” ou “do seu blog jornalístico preferido que um belo dia decidiu falar bem do produto y” Se alguém ainda tem dúvidas de que no Brasil, o uso de novas mídias deve ser realizado com prévio estudo sob o prisma ético e legal, poderá consultar os sites dos Tribunais e verificar que crescem as reclamações envolvendo concorrência desleal e violações à regulamentação do consumidor e publicitária.

Iniciar uma campanha web ou mobile não envolve só avaliar desenfreadamente o Roi (Return of Investiment), é preciso conjecturar os riscos legais e éticos, amparado pelo posicionamento atual dos órgãos de regulamentação, judiciários, e principalmente, ouvir o cliente e o consumidor 2.0 a respeito, registrando-se atas de todo o relacionamento. Embora as discussões sobre legalidade ou ilegalidade de meios publicitários nas novas mídias esteja só começando, o fato é que existe amparo legal para o consumidor ou concorrente lesado, de buscar seus direitos na esfera cível, e em alguns casos, na criminal.

Mas o pior não é este aspecto, mas sim os envolvendo o “Poder do não-esquecimento” relativo às mídias digitais e principalmente “O direito de não errar” presente nas campanhas 2.0. A empresa lança uma campanha, erra, o consumidor 2.0 se manifesta, a empresa assume o erro, corrige, mas não deixa de ser um “eterno case” de uma empresa que se mutilou nos confins emaranhados das novas mídias, as quais não soube explorar com propriedade.

Como bem ensina Flávio Cauduro [6] em sua obra, com a Internet, leitores também são emissores e publicadores, e é neste cenário de risco que a campanha nas novas mídias se insere. Você pode não entrar nas novas mídias, você pode entrar de cabeça, ou você pode entrar pelas “escadas”. A decisão é importante, pois seja com for, alguém poderá “ter entrado com você”, sem que você sequer tenha ciência de tal fato. Não se pode permitir que o brilhantismo “wiki” das novas mídias seja infectado pela concebida libertinagem existente há anos na mídia convencional.

NOTAS

[1] http://www.harvardlawreview.org/

[2] http://www.administradores.com.br/artigos/do_direito_da_midia_ao_direito_a_vida/13520/

[3] http://www.brainstorm9.com.br/2007/06/11/noticia-falsa-sobre-asteroide-para-divulgar-citroe/

[4] http://www.janela.com.br/textos/CodigoDeEtica.html

[5] http://www.appbauru.org.br/codigo_auto_regulamentacao.doc

[6] CAUDURO, Flávio Vinicius. O digital na Comunicação. In: LEVACOV, Maríla. et al. Tendências na Comunicação. Porto Alegre: L&PM, 1998. p. 56-69.

Bibliografia

LEVINSON, Jay Conrad. Propaganda de Guerrilha. São Paulo: Best Seller, 1994.

SROUR, Robert Henry. Poder, cultura e ética nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1998.

TAPSCOT, DON. WILLIANS, Anthony D. Wikinomics. Como a colaboração em massa pode mudar seu negócio.Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.

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