Tumulto na Justiça

Juízes não temem impor penas extravagantes a réus

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12 de abril de 2009, 9h38

Recentes episódios envolvendo juíza federal em Guarulhos e o sempre comentado juiz da 6ª Vara Criminal Federal em São Paulo começam a preocupar seriamente a classe jurídica em geral. De um lado, há muito tempo, alguns juízes se desvestiram da condição de sujeitos imparciais, intervindo diretamente na fase procedimental, enovelando-se então com a polícia e o Ministério Público. Dentro de tal contingência, tais magistrados se transformaram em receptores de providências policiais sigilosas, impulsionando medidas adequadas à perseguição de supostos infratores, tudo numa cama-e-mesa que lhes subtrairia, mais tarde, a estabilidade adequada ao julgamento.

De outra parte, as consequências agressivas determinadas por tais magistrados, nisto incluídas as chamadas prisões provisórias, estavam e estão, depois de consumadas, postas escancaradamente nos jornais, transformando-se os juízes, os representantes do Ministério Público e as autoridades policiais envolvidas em uma espécie de vingadores ou de vigilantes da honestidade pública, havendo, até mesmo, um ou outro que se dispusesse a, mais tarde, candidatar-se a cargo legislativo.

Isso acontecia, diga-se de passagem, em hipóteses de procedimentos inquisitivos tramitando em segredo de justiça. Em termos rudes, todo mundo ficava conhecendo aquilo que conhecido não poderia ser. Na sequência, medidas coercitivas à liberdade e condenações extremamente graves davam e dão a sensação de que aqueles juízes pretendiam oferecer exemplos de severidade às classes menos favorecidas, consubstanciando-se nisso condutas com efeitos morais muito discutíveis. A história tem retratos vivos de tais comportamentos e de suas consequências.

As primeiras turbulências havidas em relação a tais hábitos se iniciaram a partir de ações penais que tramitaram, anos atrás, em Guarulhos. Ali, o Ministério Público estadual e segmento do Poder Judiciário consubstanciaram a prisão de alguns próceres municipais, valendo-se de profusa divulgação e, inclusive, do sobrevoo de helicópteros. Houve protestos múltiplos, centralizando-se as reclamações, inclusive, naquelas providências concretizadas em interceptações telefônicas que, anos depois, passaram a constituir compulsão paranóica dos espiolhadores da intimidade alheia. Aconteceu, mais adiante, o que sucede universalmente no estrepito de turbulências comunitárias: há o esticamento de movimentos agressivos que chegam a um ponto extremado. Dali, havendo um estímulo em sentido contrário, há um recuo paulatino na violência, até que os comportamentos conflitantes se estabilizam.

Isso faz parte do sempre presente binário consistente na síntese de condutas em sentido de colisão. Percebe-se, tocante aos incidentes judiciais retratados no intróito, hipótese análoga: tudo começou com a esquizofrênica captação de comunicações telefônicas entre suspeitos da prática de infrações análogas a essas, sabendo-se da aquisição, por um ou outro setor da autoridade, de instrumental ato à captação e resguardo de milhares de diálogos mantidos por investigados e terceiros inocentes. A partir de certo momento, deu-se a concretização do ditado popular: “Tantas vezes a água vai à fonte que um dia fura”.

As reações a essas violações da intimidade chegaram vagarosamente à Suprema Corte, havendo igual reivindicação, ainda não resolvida, sobre o enlaçamento entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária. O Supremo Tribunal Federal, embora vagarosamente, tem delimitado com bastante severidade as possibilidades de legítima interceptação telefônica e de válida interferência do Ministério Público no sigilo das conversas mantidas por via telefônica. Tais recomendações da Corte Suprema, entretanto, são desobedecidas aqui e ali, valendo sugestão à leitura de “A Lei”, contendo título secundário “Direito e Psicanálise”, escrito por Jeanine Nicolazzi Philippi. Na verdade, há episódios recentes de enfrentamento do Supremo Tribunal Federal por juiz e juíza de 1º grau (revolta contra o pai?).

O exercício da jurisdição exige razoabilidade, presteza, honestidade, coragem e discrição. Alguém já escreveu sobre isso (Eles, os juízes, vistos por nós advogados). Tocante à coragem, é preciso dizer que não há destemor algum na imposição extravagante de penas a réus escolhidos a dedo. É fácil a demonstração de severidade quando se exerce, em nome do Estado, o poder de aprisionamento. Difícil, e muito, é a decisão protetora do cidadão contra o próprio poder, sabendo-se que o juiz, embora aparentemente independente, recebe uma porção do sumo daquele mesmo mandonista. Nesse meio-tempo, a própria imprensa só começa a censurar o magistrado extravagante quando a anomalia atinge características inaceitáveis. Até esse ponto, a grande maioria dos jornais, gazeteando em torno das providências coercitivas maiorizadas pelos juízes citados, faz coro às anomalias, transformando os agentes da autoridade em ícones, ou deuses censores da imoralidade.

É curioso notar que tais funcionários públicos de categoria especial, inicialmente incensados pelos órgãos de divulgação, também chegam a um ponto-limite do qual começam logo a descer. Em outros termos, o carrasco de ontem é o defunto do amanhã, tudo porque, enquanto procurava erigir o cadafalso de madame guilhotina, entusiasmou-se em excesso, ultrapassando os limites do admissível. Então, como acontece e aconteceu, tanto na história dos povos como na esquina do quarteirão vigiado pelo leão de chácara, também perde a cabeça na lâmina já embotada da diabólica invenção francesa.

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