Calote à vista

PEC dos Precatórios desrespeita o Poder Judiciário

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11 de abril de 2009, 9h30

Um absurdo. A maior imoralidade que já existiu na história. Calote institucional. Afronta às decisões do Judiciário e ao princípio de separação dos poderes. Estas foram algumas das reações de juízes ao serem questionados sobre a PEC dos Precatórios, já aprovada no Senado. Apesar de indignados, muitos deles admitem que a possibilidade da proposta ser rejeitada pela Câmara dos Deputados e não entrar em vigor é mínima, já que é forte a pressão de prefeitos e governadores inadimplentes. Assim que aprovada, associações de juízes e a OAB prometem contestar a constitucionalidade da Emenda Constitucional no Supremo Tribunal Federal.

Antes disso, manifestações e debates públicos são alternativas para tentar reverter a situação, ruim principalmente para os credores, que continuarão sem perspectivas de receber o que têm direito. Pela Proposta de Emenda à Constituição 12, de 2006, os credores de pequenos valores (cerca de R$ 17 mil) e maiores de 60 anos terão preferência no recebimento. Os demais poderão escolher entre ter o valor do precatório dividido em até 15 anos, participar de leilões — os credores que oferecerem mais desconto ao Estado recebem antes — ou aguardar a sua vez na lista, que incluirá alimentares e não alimentares e andará do menor para o maior valor, independe da atual ordem de antiguidade.

Limitar a parte do orçamento que poderá ser destinada para o pagamento da dívida é outra parte da PEC que desagradou. O projeto prevê que os estados só podem destinar 2% da receita líquida para os credores. Nos municípios, o limite é de 1,5%. A escolha do índice oficial de correção (TR) como taxa de remuneração dos precatórios e o fim da incidência dos juros compensatórios, inclusive daqueles que já deveriam ter sido pagos, também foram vistos com maus olhos. O critério atual de correção é o IPCA-E.

“Alongar o pagamento e limitar o orçamento para precatórios tira o poder do Judiciário de decidir. É uma afronta à Justiça e às decisões já transitadas em julgado”, critica o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Cláudio José Montesso.

Segundo ele, na Justiça do Trabalho, estava havendo redução na lista com acordos em audiências de conciliação de precatórios em estados como Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e na Paraíba. “A proposta de emenda premia quem não quer pagar”, analisa. Com a redução do fator de correção, diz, quem pagava em dia, vai preferir não pagar. Quem vai sofrer as consequência é o Judiciário, e não o governo, diz o juiz.

Para Montesso, nem permitir a compensação de precatórios com tributos devidos, por exemplo, vai resolver o anunciado calote. “Essa solução beneficiaria as grandes empresas e conglomerados que têm dívidas tributárias, o que não é o caso de muitos credores. Além do que a compensação pode deixar muitos estados sem receita de impostos, tamanha a dívida com precatórios.” Segundo o juiz, com as novas regras, o estado do Espírito Santo, por exemplo, vai demorar mais de 100 anos para pagar a dívida que tem hoje.

Carlos Henrique Abrão, juiz titular da 42ª Vara Cível de São Paulo, diz que nunca viu medida como esta “em país nenhum do mundo”. Para ele, trata-se de total desrespeito às sentenças judiciais e às atuais regras em vigor, já que a PEC pretende mudar a ordem de pagamento que está feita há anos e que gerou a expectativa dos credores.

Reduzir a correção, depois de o credor esperar por tantos anos para receber a quantia a que tem direito, não é uma saída justa, na opinião de Abrão. “Quando o Estado cobra uma dívida, cobra multa de até 100%”, compara. Na última semana, a TR chegou a zero, de acordo com dados divulgados pelo Banco Central. Para Abrão, a PEC será um incentivo para que o Estado continue devendo.

Ele sugere a criação de um “fundo administrado por empresa registrada na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com participação na Bolsa de Valores”. Negociar esses títulos públicos seria uma forma de compensação da dívida e de dar mais transparência para as contas do Estado, diz.

A principal crítica feita pelo presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Fernando Mattos, é em relação ao benefício que será obtido pela União com a aprovação da PEC. Hoje, os precatórios federais estão em dia. Com a proposta, a União sairá no lucro, já que pagará uma correção bem menor do que o índice previsto atualmente. Em relação aos criticados leilões criados pelo projeto, ele diz que vão “desprestigiar o Judiciário" e fazer com que a "sentença tenha pouco", além de ferir o princípio da independência e da separação dos poderes.

Credor x credor

Ricardo Marçal Ferreira, presidente do Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentares do Poder Público (Madeca), afirma que será um desastre para o país a aprovação da PEC. Em 2008, o estado de São Paulo pagou R$ 2 bilhões em precatórios. Com a nova Emenda Constitucional, o estado vai reduzir o valor do pagamento, diz o advogado, porque o dispositivo limitará o percentual do orçamento destinado aos precatórios. “O credor será absurdamente penalizado”, reclama.

Para Ferreira, os leilões vão contrariar decisões que já transitaram em julgado e ainda criarão disputas entre os próprios credores, já que os que oferecerem maior deságio receberão antes. “O Estado quer incorporar uma lógica de mercado”, diz o advogado, ao observar que o Estado não pode se pautar por interesses meramente financeiros, como o lucro. A prioridade, afirma, é oferecer serviços básicos à população, como saúde, educação e segurança. O Madeca defende a inconstitucionalidade da proposta.

Marcha pública

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, convocou advogados, juízes e entidades da sociedade civil para uma marcha pública contra a aprovação da PEC 12. A manifestação está marcada para o dia 6 de maio na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

O movimento pretende entregar ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), reivindicação para que a casa não aprove a proposta de Emenda à Constituição. O objetivo é garantir o cumprimento das decisões proferidas contra estados e municípios. “Uma decisão reconhecida pela Justiça e convertida em precatório deveria ser considerada a moeda mais forte de todas, deveria ter imensa efetividade, uma vez que tem como lastro uma decisão judicial”, afirmou Cezar Britto.

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