Os bois de Protógenes

Delegado divaga e não aponta nomes, nem condutas

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8 de abril de 2009, 21h35

José Cruz/ABr
Luciana Genro e Protógenes - José Cruz/ABr

Os bois do delegado federal Protógenes Queiroz são inomináveis. O servidor que prometeu “dar nome aos bois e apontar condutas”, em depoimento à CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas nesta quarta-feira (8/4), não fez muita coisa além de divagar sobre planos de empresas multinacionais para explorar recursos brasileiros, em um acordo “nocivo aos interesses nacionais”. Tudo isso com plateia muito bem disposta a aplaudi-lo (na foto, a deputada Luciana Genro cumprimenta Protógenes na chegada à CPI). 

O conteúdo do depoimento, que durou mais de seis horas, não trouxe nada que já não tenha sido publicado pela imprensa ou dito pelo delegado. Protógenes aproveitou o palco para reforçar todas as acusações que já fez contra Daniel Dantas — ou o “banqueiro condenado”, como insistentemente se referiu a ele. Em pelo menos uma ocasião, o chamou de “banqueiro bandido”, a quem acusou também de espioná-lo.

Protógenes usou de seu direito de não responder às perguntas em todas as vezes que foi questionado sobre a participação de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na Operação Satiagraha ou sobre procedimentos das investigações contra Daniel Dantas.

O delegado afirmou que as perguntas haviam perdido o objeto por conta de decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e que as investigações ainda estavam sob sigilo, inclusive “com ação de busca e apreensão deflagrada hoje”. Em recente decisão, o TRF-3 não considerou ilegal o compartilhamento de informações entre a Polícia Federal e a Abin.

O deputado federal Gustavo Fruet (PSDB-PR) perguntou sobre a lista feita por Protógenes dos jornalistas que estariam a serviço de Dantas, divulgada pela revista Consultor Jurídico (clique aqui para ler). Mais uma vez, o delegado se valeu do direito de permanecer calado. Protógenes se limitou a acusar vagamente, como fez, de resto, em todo o depoimento: “Li isso ontem em um site chamado ConJur, mas a notícia não merece a menor credibilidade”. A notícia reproduz relatório feito pelo próprio delegado.

Clima de espetáculo

O que faltou de conteúdo para o depoimento sobrou em espetáculo. A começar pela escolha do lugar onde foi feita a sessão: a Sala 2 da Ala das Comissões da Câmara dos Deputados, a maior dentre as salas da Ala. O único depoimento tomado no espaço durante os 14 meses de trabalho da CPI foi o do banqueiro Daniel Dantas. A sala costuma ser reservada para os casos nos quais os deputados esperam fazer barulho.

O clima era esse. Esperava-se barulho. Uma hora antes da sessão, marcada para começar às 14h, os lugares já estavam praticamente tomados. Havia inclusive torcida organizada. Uma só torcida, a favor de Protógenes, como em jogo de time grande contra time pequeno. Sem rival.

O depoimento despertou o interesse de diversos deputados que nunca tinham dado as caras nas sessões da CPI das Escutas: Chico Alencar (PSOL-RJ), Ivan Valente (PSOL-SP), Paulinho da Força (PDT-SP), ACM Neto (DEM-BA), Mendonça Prado (DEM-SE) e Paulo Lima (PMDB-SP). Senadores como Eduardo Suplicy (PT-SP), Pedro Simon (PMDB-RS) e José Nery (PSOL-PA) também deram as caras, mostrando interesse repentino pelos trabalhos da comissão.

Protógenes entrou na sala às 14h35. Foi ovacionado por um grupo de pessoas vestidas com camisetas amarelas, nas quais se lia, em verde: “Protógenes contra a corrupção”. Engrossava a torcida pelo delegado um grupo com camisetas vermelhas do Movimento Terra, Trabalho e Liberdade, o MLT. Movimento que “luta pela reforma agrária”, segundo um de seus membros.

Não faltaram demonstrações de carinho ao delegado. A deputada Luciana Genro (PSOL-RS), depois de aplaudir a entrada de Protógenes, saiu do meio da torcida organizada do MLT e foi até a bancada cumprimentar o ídolo, que recebeu um beijo e um abraço da parlamentar.


O delegado entrou acompanhado de dois advogados, que nada disseram durante a oitiva. Até porque os deputados federais Chico Alencar e Luciana Genro se encarregaram de sua defesa. Alencar, que se declarou “neófito” em CPI das Escutas, insistiu que seja tomado novamente o depoimento de Dantas e disse que, na Semana Santa, aquela CPI não poderia marcar “a crucificação de alguns e a ressurreição de outros”. Aplausos.

Enquanto os deputados discutiam a reconvocação de Dantas, Protógenes acenava discretamente para a plateia, respondendo a cumprimentos. Balançava a cabeça, como que agradecendo o apoio.

Às 15h07, o delegado passou a falar “ao povo brasileiro que compareceu e que porventura que vão nos assistir em seus lares com suas famílias”. Aplausos. Comemorou a operação de busca e apreensão no banco Opportunity, feita pela Polícia Federal nesta quarta. “Tive a notícia por telefone há pouco na sala aqui da Casa, com meu dileto amigo… é, aquele deputado de São Paulo… Desculpe, esqueci… Arnaldo Faria de Sá”, finalmente disse, quando a memória lhe socorreu.

Protógenes aproveitou a busca e apreensão no Opportunity para justificar, mais uma vez, o silêncio em relação às perguntas sobre procedimentos usados na Operação Satiagraha. “O inquérito tramita sob sigilo.” O delegado apoiado pelo PSOL também não perdeu a oportunidade de elogiar os parlamentares. "Trabalha-se muito aqui. Já saí desta casa em uma sexta-feira às nove horas da noite. São injustas as críticas de que deputados não trabalham", disse. Faltou só completar: "Quando eu for eleito pelo PSOL…".

Deputado rubro

No começo da oitiva, o delegado quase tirou do sério o presidente da CPI das Escutas, Marcelo Itagiba (PMDB-RJ). A cada pergunta feita pelo deputado, Protógenes iniciava a resposta com a frase: “Excelentíssimo senhor deputado federal Marcelo Itagiba, presidente desta comissão parlamentar de inquérito, cujo objeto jurídico é investigar interceptações telefônicas clandestinas, me abstenho de responder”.

O preâmbulo foi usado por Protógenes em todas as respostas para Itagiba. O deputado foi ficando vermelho, nitidamente incomodado. Foram 16 perguntas feitas por Itagiba e 16 respostas começando com “Excelentíssimo…”. Não faltaram novos aplausos.

Marcelo Itagiba tentou usar imagens em Power Point, refletidas na parede na sala, com trechos de declarações dadas pelo delegado Protógenes em seu primeiro depoimento à CPI. Na prática, faria uma acareação do delegado com ele mesmo. A reação de Chico Alencar foi feroz. “Quero saber se quando o senhor Daniel Dantas voltar a essa comissão, será usado o mesmo recurso? Onde já se viu? Há trechos de frases do depoente, seguidas da pergunta: ‘Onde está a verdade?’ Isso é coerção. Trabalho de marketing”, disse Chico Alencar.

Itagiba, reagiu: “Quem é bom de marketing aqui é o senhor”. Alencar retrucou: “Marketing do bem. Eu não fui financiado por gente que foi sócia do Daniel Dantas”. Aplausos e gritos eufóricos. Itagiba: “E eu não destinei dinheiro de verba de gabinete para pessoas de outros estados”. A turma do deixa disso, então, entrou para esfriar os ânimos e o depoimento seguiu. Sem Power Point.

Quando respondeu sobre as investigações, Protógenes foi lacônico. Disse apenas que os advogados de Dantas é que devem se preocupar em apontar irregularidades na Satiagraha se elas existem e mudou de versão quando questionado sobre se a ministra Dilma Roussef, da Casa Civil, tinha sido investigada.

O deputado Marcelo Itagiba, primeiro, perguntou: “O filho do presidente Lula foi investigado?”. “Não", respondeu Protógenes. Em seguida, o deputado perguntou: “A ministra Dilma Roussef foi investigada?”. Depois do preâmbulo, o delegado respondeu: “Me abstenho”.


Mais tarde, quando o deputado Nelson Pelegrino (PT-BA) questionou o fato de ele responder não à primeira pergunta e se abster de responder à segunda, Protógenes afirmou que não tinha entendido a pergunta de Itagiba e, então, afirmou: “Não, não foi investigada”. O delegado, aliás, negou tudo, inclusive que tenha monitorado o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes.

O deputado Raul Jungmann (PPS-PE) questionou a acusação que Protógenes Queiroz fez ao presidente Lula em carta endereçada a Barack Obama (clique aqui para ler a carta). O delegado sugere a Obama que o presidente da República estaria na folha de pagamentos de Daniel Dantas.

Novamente depois do preâmbulo “Excelentíssimo…”, que já estava irritando até sua própria torcida, o delegado preferiu não responder. Disse, apenas: “existem diversos administradores (do site) e confesso que não tenho muito tempo para acompanhar o blog”. O que deu a entender que não cuida do que escreve. Jungmann disse esperar que Protógenes nomeasse "bois, bezerros e bodes". E reclamou que havia listado uma boiada, sem que ele os batizasse.

Depois de Jungmann, falaram diversos deputados, sem grandes revelações ou perguntas. De concreto, o depoimento serviu para apenas uma coisa. O delegado falou um pouco mais sobre a suposta espionagem feita pela Kroll, a mando de Dantas, em empresas no Brasil. Segundo o relator da CPI, Nelson Pelegrino, a informação pode servir para o possível indiciamento de Dantas. “Vai servir de roteiro para o relatório. Vamos pedir para a Justiça essas informações”, disse.

A Kroll, em nota, negou mais uma vez que tenha feito qualquer escuta ilegal: "Mais uma vez, a Kroll reafirma que nunca utilizou nenhum método indevido, inclusive escutas telefônicas ou acesso a escutas telefônicas ilegais, na condução de seus projetos no Brasil e nos mais de 25 países em que está estabelecida".

O palco da CPI das Escutas ainda seguirá armado até maio. Os deputados querem ouvir pelo menos mais três estrelas: Daniel Dantas, o juiz Fausto Martin De Sanctis e o delegado Paulo Lacerda, chefe da Abin durante a Satiagraha. O presidente da Comissão, Marcelo Itagiba, ainda sonha com uma nova prorrogação dos trabalhos da CPI. O depoimento de Lacerda está marcado para o dia 15 de abril. O de Dantas para o dia 16.

No fim do depoimento, às 20h50, depois de seis horas se esquivando das reduzidas perguntas incômodas de parlamentares, o delegado Protógenes Queiroz literalmente driblou os jornalistas ao fazer menção de sair por um lugar, mas deixar a sala por outro.

Foto: José Cruz/Agência Brasil

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