Atividade jurídica

Efeito da decisão tem de ser equilibrada pelo STF

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5 de abril de 2009, 8h30

Foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal, no dia 19 de março deste ano, Ação Direta de Inconstitucionalidade, pela Ordem dos Advogados do Brasil, impugnando o artigo 3° da Resolução 11/2006, do Conselho Nacional de Justiça, e o parágrafo único do artigo 1° da Resolução 29/2008, do Conselho Nacional do Ministério Público.

Tais enunciados foram editados como forma de regulamentar os artigos 93, inciso I e 129, parágrafo 3º, ambos da Constituição Federal de 1988, que tiveram nova redação dada pela Emenda Constitucional de 45/2004, uma das etapas da reforma do judiciário. Os dispositivos constitucionais estabelecem o prazo mínimo de três anos de atividade jurídica como requisito para ingresso nas carreiras da magistratura e do ministério público:

"Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
I – ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação;" (grifou-se).
"Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(…)
§ 3º O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação." (grifou-se).

As resoluções, ao regulamentarem o conceito de atividade jurídica para concursos públicos de ingresso nas carreiras do MP e da magistratura, consideraram válidos para tal fim os cursos de pós-graduação na área jurídica reconhecidos por órgãos competentes, desde que integralmente concluídos com aprovação. Ou seja, permitiu-se que o ensino fosse considerado "atividade jurídica", ao lado de outras que exijam o conhecimento jurídico e que são válidas para os fins constitucionais (por exemplo: atuação de advogados, procuradores e servidores ocupantes de cargos jurídicos, magistério superior, assessoria jurídica, etc.).

Alega a entidade de classe que o ensino (notadamente o ensino à distância, que alija o aluno do contato com o professor) por meio do curso de pós-graduação não deve ser considerado como "atividade jurídica”, o que violaria frontalmente os preceitos do inciso I do artigo 93 e do parágrafo 3° do artigo 129 da Carta Política de 1988. Em suma, entende a entidade autora que o ensino e aprendizado desses cursos não se coadunariam com a experiência que a norma constitucional visa impor a fim de propiciar o melhor desempenho do cargo público.

Discute-se em sede de controle concentrado de constitucionalidade, portanto, a abrangência do conceito de atividade jurídica a que alude a Carta Constitucional.

Frise-se que a Constituição se referiu a "atividade" e não a "prática" jurídica. Caso houvesse menção a esta, maiores razões haveria para a norma ser impugnada, já que o ensino se constitui em referencial teórico, não prático. "Atividade" aparenta ser um termo amplo, que nele poderia estar compreendido tanto o ensino como a prática jurídica, esta calcada, por exemplo, em pareceres, confecção de peças processuais, atuação em assessoria de gabinetes, etc.

Note-se, ainda, que a OAB poderia ter ido mais longe na fundamentação da inconstitucionalidade das resoluções acima referidas. A Constituição prevê, quanto à exigência de atividade jurídica para ingresso na magistratura, regulamentação por meio de lei complementar, o que não houve até o momento. Nesse particular, editou-se resolução, que é ato administrativo normativo, não lei.

A omissão desse fundamento na Adin não impede o STF, entretanto, de prover o pedido com base na inconstitucionalidade formal (ausência de norma emanada do Poder Legislativo), pois a causa de pedir no controle concentrado de constitucionalidade, por meio de ação direta, é aberta, não amarrando a Corte aos argumentos expendidos pela OAB.

Reconhecendo-se que a ação tem procedência, seja no plano da inconstitucionalidade formal ou material (questões de mérito da ADI, as quais não são o ponto crucial deste artigo), uma particularidade remanesce, e aqui o ponto importante que deve ser aclarado.

Declarando-se a inconstitucionalidade das citadas resoluções, terá o Supremo de resolver duas fundamentais questões, sem as quais atingirá de inopino bacharéis em Direito que já vinham se preparando para prestar concurso naquelas carreiras, com base na regulamentação atual:

a) a decisão retroagirá com efeitos ex tunc, ou seja, quem está a meio caminho da comprovação da prática, cursando pós-graduação, ou já a tenha concluído, perderá o futuro direito de fazer valer o estudo como comprovação de atividade jurídica?

b) aqueles que já ingressaram na carreira do MP ou magistratura, valendo-se da comprovação de atividade jurídica por meio de curso de pós-graduação, terão suas atividades desconsideradas, sujeitando-se à perda do cargo?

Declarar-se ou não a inconstitucionalidade dos preceitos que equiparam o simples estudo à prática jurídica é questão de alta relevância, a ser dirimida pela Corte Constitucional. Qualquer decisão será respeitável. Os argumentos da OAB não chegam a ser desprezíveis, embora pouco convincentes. Também é possível indagar-se a respeito da competência do Conselho Nacional de Justiça, quando da regulamentação da questão: houve violação ao princípio da legalidade?

Considerando-se sem efeito a caracterização do ensino como atividade jurídica, como quer a OAB, será preciso levar em conta a necessidade de se restringir no tempo os efeitos de eventual decisão nesse sentido, haja vista evidentes razões de segurança jurídica, nos termos do artigo 27 da lei que regula o processo e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Lei 9.868/1999). A razoabilidade e a segurança, assim, restarão preservadas.

A segurança é princípio constitucional de alta significação especialmente para as relações jurídicas, sociais e econômicas, embora na prática a ausência de convergência em questões básicas denote o contrário. Isso demonstra que a sua consolidação no ordenamento pátrio ainda não atingiu níveis satisfatórios, já que, historicamente, a todo instante o cidadão está sujeito a mudanças nas regras do jogo, sobretudo quando afloram decisões judiciais conflitantes, mudanças repentinas de posicionamentos pelas cortes superiores, alterações bruscas de planos econômicos e políticas sociais, por exemplo.

O que não pode, nem deve o STF fazer, ao decidir por uma possível inconstitucionalidade das resoluções do MP e da magistratura, é desprezar os efeitos da consolidação no tempo de certas situações, tidas como subjetivas, lato sensu. Ou seja, será inconstitucional frustrar legítimas expectativas de candidatos que já iniciaram (ou ao menos dos que concluíram) cursos de pós-graduação fazendo planos e investimentos em cima de regras claras, vigentes no ordenamento, editadas pelas cúpulas do Judiciário e do Ministério Público, até então aceitas pelas bancas de todos os concursos, sem qualquer questionamento.

Destarte, bacharéis que iniciaram ou no mínimo quem concluiu cursos de pós-graduação, antes da publicação de eventual decisão que reconheça o pedido da OAB, devem ter suas situações jurídicas resguardadas, de forma a pleitearem a atividade de ensino como válida para fins ingresso nos concursos da magistratura e do Ministério Público, em respeito a segurança jurídica e a boa-fé daqueles que confiaram nas regras então vigentes.

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